A crise financeira fica mais estranha a cada dia que passa. Quando pessoas de filosofia conservadora como Alan Greenspan começam a falar em estatizar bancos, você sabe que ingressou em algum tipo de universo paralelo. Por que tantos vêm aventando uma ideia que soa vagamente marxista? Estamos com alguns bancos bem doentes nos EUA, alguns dos quais podem não ser viáveis no longo prazo. Mas submeter um banco gigante a uma concordata é impensável (quem se lembra do Lehman Brothers?). E continuar com a tortura do falso afogamento que está mantendo bancos zumbis vivos é algo que custa caro e é perigoso.
Então por que não simplesmente encarar a verdade e fazer o que é preciso, por mais desagradável seja, estatizando-os? Eu acredito em encarar a verdade e fazer o que é preciso, mas cada caso é um caso. Como Ben Bernanke (presidente do Federal Reserve) e Timothy Geithner (secretário do Tesouro), não estou convencido de que a estatização seja a única saída, nem sequer a melhor.
Já que "estatização" pode significar muitas coisas, vamos começar por deixar claro do que trata a discussão atual. Imagine que o governo adquira uma participação majoritária em um banco -talvez até mesmo 100% dele-, elimine os acionistas existentes e instale uma direção nova. Então, em algum momento posterior, um banco saudável é vendido de volta a proprietários privados, e todos vivemos felizes para sempre. É essa a ideia, pelo menos. Soa bom?
E a Suécia não fez isso com muito êxito no início da década de 1990? É verdade, e os suecos merecem ser elogiados por isso. Mas não estamos na Suécia. Pensemos em algumas das desvantagens de se estatizar bancos nos EUA.
Para começo de conversa, o governo sueco teve que lidar com um punhado de bancos apenas; os EUA têm mais de 8.300. Os números importam, porque não é fácil decidir onde traçar os limites da estatização (ou seja, quais estatizar). Suponhamos que estatizássemos quatro bancos.
O banco número cinco se veria em desvantagem grave ao competir por recursos com os quatro bancos apoiados pelo governo. Obrigado a pagar juros mais altos para atrair depositantes e outros credores, sua lucratividade seria prejudicada. Em pouco tempo o banco cinco poderia começar a parecer um bom candidato à estatização, também -seguido pelos bancos seis, sete e assim por diante.
Geithner já destacou que os governos não estão bem situados para administrar empresas. Eu concordo e digo mais: supervisionar a direção de dezenas, centenas ou talvez até milhares de bancos estatizados seria uma tarefa desanimadora.O processo de estatização e reprivatização transcorreu espantosamente bem na Suécia em parte porque foi altamente livre de ingerência política.
Nos EUA seria a mesma coisa? Minha aposta é que não. Finalmente, porque a estatização contraria tradições e atitudes americanas profundamente entranhadas, há o perigo de que possa prejudicar a confiança, em lugar de reforçá-la. Como disse antes, não estamos na Suécia. Claro que o Tesouro jamais empregaria o termo "estatização" em público -inventaria eufemismos. Mas a comunidade dos comentaristas não teria papas na língua. Tudo isso dito, há argumentos em favor da estatização. Ou será que existem mesmo? Um deles é que os bancos estão se desviando do rumo certo, custando aos contribuintes mais e mais dólares de socorro (pense no AIG).
Mas vale recordar que o governo já possui ações em muitos bancos e que os supervisores têm poderes imensos para influir sobre os bancos, sem ser donos deles. Considerando que o Fed já pode mais ou menos ditar aos bancos o que fazer, que poderes adicionais a estatização traria? Outro argumento é que os ativos escusos dos bancos são difíceis de avaliar, o que faz com que seja impossível saber quanto de capital eles precisam. Isso também é verdade. Mas a estatização não fará esse problema desaparecer. Se o governo assume o controle de um banco, os contribuintes tacitamente adquirem seus ativos, herdando todas as incertezas de avaliação.
E, se o banco tem valor líquido negativo quando é estatizado, quem você acha que terá que preencher esse buraco? Assim, olhando mais de perto, os argumentos mais convincentes em favor da estatização são na realidade argumentos em favor de fazer o que é preciso, mesmo que seja desagradável.
Pior ainda -a simples discussão da estatização pode ser prejudicial se impuser mais pressão às ações dos bancos para que sejam vendidas. Afinal, quem quer ser dono de ações cujo valor está caindo para o zero? É por isso que Bernanke e Geithner vêm se esforçando para abafar rumores de que a estatização estaria a caminho.Infelizmente, os desmentidos deles nunca podem ser categóricos.
Se o pior realmente acontecer, as outras opções poderão sumir, deixando o governo sem outra escolha senão estatizar alguns bancos (pense em Fannie Mae e Freddie Mac). Mas, por favor, vamos avançar sem pressa. Vamos começar por explorar o que é conhecido como a abordagem "banco bom, banco ruim". A ideia básica é dividir cada instituição adoentada em duas partes. O "banco bom" fica com os ativos bons. Como instituição saudável, supõe-se que ele consiga levantar mais capital e levar adiante sua vida. O "banco ruim" herda os ativos podres e o resto do capital -que, depois da desvalorização correta dos ativos, não será suficiente. Assim, mais uma vez, alguém terá que preencher o buraco. Eis uma previsão: cedo ou tarde vamos chegar à solução "banco bom, banco ruim". Não seria bom que fosse cedo?
ALAN S. BLINDER é professor de economia e assuntos públicos em Princeton e ex-vice-presidente do Federal Reserve.
Tradução de CLARA ALLAIN
Um comentário:
Ótimo, vou divulgar o artigo entre alguns amigos.
Primeira vez que leio alguém tentando imaginar o efeito da estatização. Até agora só leio "estatiza e depois devolve", como algo muito simples, muito rápido, muito limpo. O buraco é mais fundo...
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