O episódio Jairo Jorge e Busatto revela que o RS tem dificuldade de construir uma agenda de consenso.
Fiquei uma semana longe do RS. Longe dos jornais e das notícias. Cheguei à província no sábado e me deparei com uma matéria da ZH sobre um artigo de Luciano Alabarse: Chega!.
Por quê o RS é assim?
E tem gente, como o Raul Pont, que acha irreal construir uma agenda de consenso. É dose.
Matéria da ZH de sábado:
Farroupilhas e caramurus, pica-paus e maragatos, borgistas e assisistas, brizolistas e antibrizolistas, Grêmio e Internacional, Litoral Norte e Santa Catarina, cartão de crédito e cheque. Sem meias medidas, os rio-grandenses parecem nascidos não apenas para tomarem posição em tudo, mas principalmente para se mostrarem irreconciliáveis em suas escolhas. Consenso, comunhão e unidade são tão estranhos aos hábitos gaúchos quanto trio elétrico no Carnaval ou festa de Cosme e Damião.
É igualmente típico dos gaúchos que, de tempos em tempos, um deles se descole da multidão e pregue a pacificação. Muitos cumpriram esse papel ao longo da história, de militares a políticos e intelectuais. Na quinta-feira, o brado pela reconciliação veio do mundo das artes, por meio de um artigo do diretor teatral Luciano Alabarse publicado em Zero Hora (leia artigo na página 5).– Escrevi como um gaúcho comum que quer ver o seu Estado avançado. Muita gente me ligou e me mandou e-mails para comentar – relata Alabarse.
A tendência à polarização e à disputa aparece em aspectos muitas vezes insuspeitos do cotidiano gaúcho. No ano passado, havia cerca de 3 milhões de processos em tramitação na Justiça gaúcha, numa razão de um para cada três habitantes, o maior movimento entre os Judiciários estaduais. O Rio Grande do Sul respondeu por 30% dos recursos que chegaram ao Superior Tribunal de Justiça, o que coloca o Estado como campeão em litigância na corte. O segundo colocado, São Paulo, é responsável por 27%.– Essa posição aguerrida do povo gaúcho faz com que leve todas as questões em frente e isso acaba desembocando no Judiciário. De um lado, é bom porque reflete o exercício da cidadania em sua plenitude. Mas, por outro, pode revelar uma incapacidade de resolver questões no plano da negociação – diz o desembargador Voltaire de Lima Moraes.
Chama a atenção do senador Pedro Simon (PMDB) o nível de exigência de torcedores e colunistas esportivos gaúchos, que traduziria, segundo ele, o grau de cobrança existente no Estado sobre todos os temas no dia-a-dia. Por vezes, o peemedebista vê exageros:– Em outros lugares do Brasil, a cobrança não chega nem perto da do Rio Grande do Sul. Muitos dizem que a coluna esportiva do Estado é massacrante. No Estado, um jogador gaúcho para ser considerado craque precisa muito. No Maracanã, o mesmo profissional é herói – afirma Simon.Se os gaúchos concordam em pelo menos um ponto – o de que gostam de discutir –, a harmonia termina quando se analisa as razões desse comportamento. À frente da Associação da Classe Média (Aclame), Fernando Bertuol, vê por trás de tudo a disputa eleitoral de 2010.– Não admitimos que ninguém tenha sucesso no Estado. Qualquer pessoa que gere benefício e possa se reeleger não acontece no Estado. Contam uma história de que o único balde de caranguejo aberto em uma feira era o gaúcho porque, quando um tenta sair, outro puxa para baixo. Somos muito invejosos – afirma o presidente da Aclame.
Para alguns, a formação do Estado, incorporado ao Brasil no século 18 e exposto a sucessivas guerras com os vizinhos, poderia explicar o gosto pela disputa política.– O Rio Grande do Sul já foi muito mais radical e continua sendo nos seus conflitos em comparação com outros Estados. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) do Rio Grande é mais agressivo. Isso faz com que se tenha uma coloração mais viva em torno das ideias – avaliou o cientista político Murillo de Aragão.
A escritora Lya Luft foi uma das que escreveu para elogiar o texto de Alabarse. Amiga da governadora Yeda Crusius, Lya diz que o Estado vive um momento de acusações “gravíssimas” sem provas que provocam intranquilidade:– O governo não consegue trabalhar em paz. Numa democracia, as denúncias devem ser feitas, mas deveriam ter provas.O prefeito de Canoas, Jairo Jorge (PT), que enfrentou oposição ao convidar o ex-deputado estadual Cézar Busatto (PPS) para seu governo, acredita que Alabarse expressou um sentimento forte em parte da população.– Nos últimos anos, o Estado viveu sob o paradigma do conflito. Isso gera a divisão entre “nós” e “eles”, o que impede a construção de uma agenda mínima.
Citado por Alabarse, o deputado estadual Raul Pont (PT) discorda do diretor de teatro. Ele diz que o apelo de Alabarse é “louvável”, mas peca pelo “irrealismo”. Pont diz que a democracia é caracterizada pela tensão entre interesses diversos e que o Rio Grande do Sul tem conflitos e problemas cotidianos:– Temos assaltos e mortes, denúncias de corrupção e pessoas na beira da estrada sem terra. Em nome da harmonia temos de calar em relação a isso? Os sindicatos vão deixar de pedir aumento salarial? Isso não significa dizer que temos de viver em guerra, mas não podemos pensar numa sociedade irreal.
O escritor Moacyr Scliar não acredita que o Estado viva um clima de guerra civil nem que a tradicional mania gaúcha de se mover por meio de antagonismos seja patológica. Scliar afirma que, na democracia, há uma mistura natural de conflito e harmonia:– É certo pedir cooperação, mas não podemos nos iludir com a ideia de que as pessoas vão deixar de expressar suas opiniões.
O que une e divide os gaúchos
O que une e divide os gaúchos
3 comentários:
O diabo é que por aqui, pelo menos em termos de política e ideologia, parece existir um interesse maior por parte da população. Contamos com um bom número de socialistas, principalmente no meio acadêmico, e um outro bom número de liberais na iniciativa privada. E, em qualquer lugar onde existam defensores de duas correntes tão distintas, vai existir o atrito.
Não, eu não dou muito espaço para diálogo com defensores do MST, do estatismo, da planificação econômica. Enfim, não entendo como produtiva discussões sobre abandono do capitalismo por um "algo diferente" que invariavelmente é uma fórmula socialista. Mas nem por isso as viúvas do comunismo irão abandonar os absurdos marxistas.
O atrito é inevitável.
Mas esse debate é ruim, porque ficamos apenas no debate e deixamos a ação de lado. E para melhorar a qualidade de vida da grande maioria do povo é necessário arregaçar as mangas e agir... E a ação fica sempre para depois...
Não acho essa divisão positiva. Pelo contrário. Mas o que fazer? O MST do RS, como foi apontado, é o mais ativo e forte do país, mas também conta com aquela que é provavelmente a mais forte oposição. Imagine um cenário onde este grupo clandestino não tivesse tal oposição. Nosso esquerdismo político também é poderoso, não fosse a ojeriza que boa parte do povo cultiva contra o pensamento socialista, como seria?
Eu nunca vou ceder espaço a quem pretende implementar idéias de inspiração soviética em meu estado. Nunca. Mas estes desgraçados também nunca irão abandonar a idéia de transformar o Rio Grande em algum apêndice da "revolução bolivariana".
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