Diversidade, Liberdade e Inclusão Social

Foto: Obama, Cameron e Helle Thorning-Schmidt


quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Nada de Novo no Mundo Globalizado


Angeli

Origens do risco no capitalismo global
Gilberto Dupas



Fala-se da crise atual como sistêmica e global. Mas as associações entre risco e globalização vêm de longe.No início do século 16, com a percepção do mapa-múndi, pela primeira vez nos situamos numa perspectiva planetária. As viagens sucessivas de Colombo, Magalhães e Elcano atestaram que vivíamos numa esfera e revolucionaram nossas percepções sociopolíticas. O filósofo Peter Sloterdijk localiza aí o início da globalização.
Um novo conceito espacial de poder havia se tornado indispensável para os vencedores, insuportável para os perdedores e inevitável para todos. Quem chegava a portos pátrios depois de uma circum-navegação terrestre não podia mais imaginar-se centro do mundo. A cidade natal passou a ser vista de fora dela.
Júlio Verne percebeu com clareza a ideia de modernidade como de um fluxo globalizado. O seu itinerário em "A Volta ao Mundo em 80 Dias" reverte o sinal histórico, com a supremacia das viagens marítimas sobre as terrestres.
Colombo desenhara para as majestades da Espanha um globo pequeno, basicamente sólido, com os oceanos restritos a um sétimo de sua superfície. Pouco depois se exigia dos europeus entender que a predominância de superfícies aquosas dava à Terra um nome inadequado. De fato, tratava-se de um mundo líquido, com três quartos de sua superfície de água.Essa foi a informação cartográfica fundamental da Idade Moderna. Sloterdijk lembra que, no pequeno globo Lenox, construído em 1510, a legendária ilha de Cipango (Japão) -mencionada por Marco Polo- aparecia muito próxima da costa ocidental da América do Norte.
A ideia do predomínio das massas continentais só acabou quando Pigafetta descreveu a Carlos 5º da Espanha sua viagem com Elcano, garantindo terem navegado três meses e 20 dias com ventos favoráveis através de um mar incomensurável e muito calmo, que chamaram de Pacífico, o que colocou a imensidão das águas em seu verdadeiro lugar. Agora, havia que pensar em termos oceânicos. Acabava, também, a adequação semântica de continentes, que já não continham mares; eram contidos por eles.
A partir daí, o fluxo de mercadorias e pessoas na Idade Média foi um costear, atravessar ou se esquivar dos mares. Os oceanos do mundo transformaram-se em suportes dos assuntos globais e meios naturais dos fluxos ampliados de capital. Só o mar passava a dar uma base para pensamentos universais. Estava inaugurada a globalização. A navegação europeia -civil, militar e corsária- foi o seu veículo principal até o auge das viagens aéreas, na segunda metade do século 20.Um dos primeiros que souberam extrair vantagens desses conhecimentos foi Carlos 5º. Ele viu na carta secreta de Pigafetta uma oportunidade. Pelo Tratado de Zaragoza, vendeu os direitos das ilhas Molucas à coroa portuguesa por 350 mil ducados, negócio excepcional, porque as medições do Tratado de Tordesilhas vieram a mostrar que elas pertenciam a Portugal.
Conhecimento já era poder.
Esse negócio internacional inaugurou a natureza eminentemente especulativa dos processos de globalização capitalista, sob os auspícios do risco e do oportunismo. Os capitais também se libertaram dos países. O império espanhol de ultramar foi construído com empréstimos de bancos flamengos e genoveses cujos donos, brinca Sloterdijk, faziam girar o mundo para construir os caminhos de ida e de volta dos juros. Isso não lembra os atuais fluxos globais?
Descobrimentos passaram a significar domínio de rotas e colônias que permitissem a patrocinadores reais ou burgueses realizar lucros sob forma de comércio, tributos e butins. Novos mapas e conhecimentos oceânicos eram protegidos como segredos de Estado; a coroa portuguesa proibia sua divulgação sob pena de morte.
A parelha globalização-descobrimento virou sinônimo de investimento e risco para reis e empresários que quisessem tentar fortuna. A sociedade capitalista em formação já se dava conta de que tinha de tomar crédito, planejar, inventar, arriscar, partilhar resultados e amargar quebras.
Acabava, então, a ideia da dívida como mancha moral, até porque, sem ela, não há capitalismo.Como vimos, a não ser na instantaneidade das informações, não há nada muito novo sob a luz do Sol. Um capitalismo mais selvagem? Nem isso, apenas muitíssimo veloz e causador de danos mais amplos.






GILBERTO DUPAS , 66, é coordenador geral do Grupo de Conjuntura Internacional (IRI-USP), presidente do Instituto de Estudos Econômicos e Internacionais (IEEI) e autor de vários livros, entre os quais "O Mito do Progresso" e o recente romance "O Incidente".

Publicado na Folha de hoje.

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