Diversidade, Liberdade e Inclusão Social

Foto: Obama, Cameron e Helle Thorning-Schmidt


terça-feira, 28 de abril de 2009

Os Índios Gostam de Morar em Palhoça



Leio no Diário Gauche os seguintes posts. São dois, o primeiro ele comenta o fato em si e depois tece suas ásperas críticas ao grileiro que antes de abandonar sua terra em área indígena destruiu todas as instalações. O motivo: os índios gostam de morar em Palhoça.

Primeiro Post:

Quartiero é um devastador convicto

O fazendeiro Paulo César Quartiero, maior produtor rural instalado no interior da Terra Indígena Raposa-Serra do Sol, em Roraima, decidiu adotar a política da terra arrasada. Insatisfeito com a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que determinou a sua saída daquela área até quinta-feira, ele está disposto a não deixar nada em pé. Nenhuma casa, galpão, curral, rede de eletricidade, sistema de irrigação, nada que possa ser utilizado pelos índios, que, na sexta-feira, devem tomar posse das duas fazendas que ele possui naquela área.Ontem à tarde, na Fazenda Depósito, que fica a cerca de 170 quilômetros da capital, Boa Vista, a movimentação era intensa. Carretas enormes e fechadas deixavam a fazenda levando o rebanho da raça canchim que Quartiero possui, com quase cinco mil cabeças. Em outra parte, grupos de peões retiravam telhas, portas, esquadrias, estruturas metálicas, enfim, todo o material que pode ser aproveitado em outra obra. Logo atrás deles, vinha uma enorme retroescavadeira, derrubando paredes e revolvendo pisos (foto).

Segundo Post


O racismo desavergonhado de um grileiro

“O que ficar nós vamos derrubar ou colocar fogo para colaborar com a cultura indígena. Índio não gosta de viver em palhoça?” – provocou o grileiro de terras indígenas, Paulo César Quartiero (foto), ontem ao comentar sobre a retirada dos arrozeiros da Terra Indígena Raposa-Serra do Sol, de Roraima.O jornal Zero Hora de Porto Alegre fez, semanas atrás, uma matéria laudatória sobre o “gaúcho” Paulo César Quartiero, onde o grileiro e racista é pintado como vítima da decisão do STF. Em nenhum momento, o jornal da RBS lembrou aos seus leitores que Quartiero grilou terras (ocupação ilegal e definitiva) há trinta anos em Roraima, e que sempre sutentou a ocupação irregular na base da contratação de jagunços armados ilegalmente, com arsenal exclusivo das Forças Armadas.
Meu comentário.
Não vou defender o grileiro, até porque concordo com a decisão unânime do STF (inclusive com o voto do Gilmar Mendes do caso Raposa Serra do Sol), mas não vejo nada de racista no comentário. Aliás, é muito parecido com outros comentários que certas pessoas fazem em relação aos "brancos" ou aos de "olhos azuis". A sociedade moderna tem que aprender a conviver com a diversidade. Que os índios gostam de morar em Palhoça é incontestável, faz parte de sua cultura. Seria impensável -- e não se poderia exigir isso dos índios -- eles tomarem conta da fazendo do grileiro e produzirem zilhões e zilhões de sacos de arroz. Esse tipo de produção não faz parte da cultura indígena e isso deve ser respeitado. Fato semelhante ocorre aqui em Porto Alegre. Existe no mercadinho do Bom Fim uma loja destinada à cultura indígena. Os índios poderiam fazer ali um empório arrumadinho, bonitinho para vender seus produtos, mas eles preferem utilizar aquele local -- que é privilegiado -- como depósito. Isso faz parte da cultura indígena. É assim que eles vivem, é assim que eles querem viver, eles não estão interessados na cultura da civilização ocidental e isso tem que ser respeitado. Não se trata de racismo, mas de respeito à diversidade.

Máscaras da Gripe











Gripes Institucionais




O Desconhecido Influenza


A chegada de um desconhecido
Artigo de Stefan Cunha Ujvari, na Folha de hoje.

No último final de semana a humanidade tomou conhecimento de uma nova epidemia de gripe. O novo vírus influenza (H1N1) surgiu em porcos mexicanos. A história se repete. As últimas duas pandemias também surgiram de animais, porém no sudeste asiático. Uma ocorreu em 1957 pelo H2N2, e a outra em 1968 pelo H3N2. Ambas se alastraram pelo planeta e mataram pouco mais de um milhão de pessoas cada. O influenza atual formou-se por mistura genética de diferentes vírus influenza no organismo de porco no México. Conclusão: surgiu um vírus influenza desconhecido. As secreções e líquidos desses animais transmitiram o vírus ao homem a exemplo do que ocorreu com o influenza H5N1 há seis anos, sobretudo na Ásia, transmitido das aves ao homem. Mas esse vírus da gripe suína conseguiu passar de homem a homem -o H5N1, não.


Portanto, iniciamos uma epidemia humana pelo vírus suíno. O vírus mostrou o poder de disseminação de homem a homem, e novos casos devem surgir nas próximas horas. Será difícil conter seu avanço. Mas, por outro lado, as medidas de prevenção organizadas pelos órgãos de saúde podem surtir efeito e reduzir sua disseminação.


Dúvidas


Precisamos saber seu poder de agressão e de mortalidade. Até o momento, é cedo para sabermos como esse vírus se comporta no homem. O influenza H1N1 da gripe espanhola de 1918 agredia os pulmões e favorecia a pneumonia por bactérias. Conclusão: mais de 20 milhões de mortes pelo planeta. Já o vírus da gripe aviária H5N1 mostrou ser muito letal. Desencadeia inflamação importante nos pulmões e mata mais da metade dos doentes -por sorte não consegue se disseminar de pessoa a pessoa. O diagnóstico de novos casos dessa gripe suína implementará as estatísticas desse vírus e então saberemos qual o grau de mortalidade a que ele leva e quais as lesões pulmonares. Até o momento sabemos que se trata de um novo vírus originado em porcos e com capacidade de transmissão pessoa a pessoa. Estamos conhecendo o início da epidemia. Os órgãos de saúde internacionais tomarão as medidas cabíveis para conter seu avanço. Enquanto isso, a população deverá tomar as medidas necessárias para evitar a transmissão do influenza. O paciente com gripe deve tossir ou espirrar em um lenço para não disseminar o vírus pelo ambiente. Precisa ficar em casa para se recuperar e também evitar a transmissão da doença em aglomerados. A lavagem das mãos é fundamental porque é uma forma de transmitir a doença aos outros. Evita-se tocar as mãos na boca, nariz e olhos.

STEFAN CUNHA UJVARI, 44, é autor de "A história da humanidade contada pelos vírus (Ed. Contexto), médico infectologista do Hospital Alemão Oswaldo Cruz de São Paulo e mestre em doenças infecciosas pela Unifesp

Jogo de Picuinhas


Briga de torcidas

Marcos Nobre, Folha de hoje

Não existe Joaquim Barbosa sem Gilmar Mendes. Como não existe Ciro Gomes sem José Serra. O repetidor de clichês não vive sem o destemperado. O convencional não existe sem o tresloucado. A questão é: o que fica de um debate nesses termos, em que tudo acaba virando briga de torcidas?

O que fica é conformismo. Os clichês repetidos servem para tranquilizar de que nada está no seu devido lugar. Tranquiliza porque quem enuncia e quem ouve o clichê se sentem seguros de que não têm culpa da tragédia de tudo continuar como está.Manda o clichê que se chame de destemperado quem acha que é preciso com urgência fazer alguma coisa. Qualquer coisa. Por estranho que possa parecer, também o ato tresloucado serve para tranquilizar. Fazer qualquer coisa não muda coisa nenhuma. Mas confirma a necessidade de agir de maneira explosiva.Desde que o grande consenso do Plano Real se firmou, com a eleição de Lula, o debate político se dá sobre margens. Algo como decidir entre construir casas populares ou diminuir a dívida pública. Não significa que as diferenças entre as posições sejam desimportantes.Mas está muito longe de empolgar torcidas.Aí começa a amplificação de episódios menores, desprezíveis. Um bate-boca no Supremo passa a fazer parte da história universal. O convencional diz que algo "da mais alta gravidade ocorreu". O tresloucado acha pouco e pede uma insurreição.O resultado é nulo. Na semana seguinte, o episódio e os personagens já estão esquecidos. As torcidas passam a aguardar ansiosamente a próxima escaramuça miúda para cantarem seus hinos de guerra. E tudo fica como está.A lógica de torcida da discussão pública tem muito a ver com a chegada de Lula ao poder. Ao contrário do que muitos esperavam, o PT teve sucesso em se consolidar como um dos dois polos do sistema político. E isso se deve em boa medida ao fato de Lula ter sido bem sucedido em construir uma equipe de governo nova, principalmente nos escalões intermediários. Algo inédito na história brasileira, acostumada a ver sempre a mesma equipe no poder qualquer que seja o governo.Esse importante avanço institucional até agora não ajudou o debate público. O polo tucano diz que o PT aparelha o Estado com uma equipe incompetente. O polo petista retruca que o PSDB não suporta ver que sindicalistas e ongueiros conseguem governar melhor do que o time tucano.O fato é que a discussão só vai melhorar quando deixar de ser assunto exclusivo de torcidas organizadas. Ao menos o mundo deixaria de girar só em torno de picuinhas.

segunda-feira, 27 de abril de 2009

Made In Paraguay


Baque para o PT




Impressionante como o Diário Gauche gosta de fazer marcação implacável com a Zero Hora. Semana passada, o DG protestou contra uma matéria da Zero Hora sobre um gatinho selvagem que andava nas ruas de Porto Alegre. Um absurdo um gatinho daqueles ser tratado como fera, dizia o DG.



E agora com a doença da Dilma a marcação cerrada é contra a Rosane de Oliveira que disse que a doença da Dilma é baque para o PT.

Diz o DG e eu, of course, comento depois.



Quem sustenta que há um baque?
O PIG e seus porta-vozes não conseguem disfarçar uma secreta euforia com o anúncio de que a ministra Dilma Rousseff teve um nódulo que foi extirpado por médicos paulistanos.Tudo o que foi anunciado e relatado sábado passado pela própria ministra e uma equipe médica do hospital Sírio-Libanês estava conjugado no pretérito, perfeito e imperfeito.Mas o PIG não está aceitando essa conjugação verbal, insiste no tempo presente e chega a arriscar cenários para o quadro eleitoral de 2010.O pretérito, como se sabe, é o que não pertence ao presente nem ao futuro, o pretérito está precisamente situado no âmbito do passado.Afirmar que um partido, ou mesmo indivíduos isolados, tenham tido um “baque” com o episódio pretérito da ministra é da exclusiva responsabilidade de quem afirma. Nenhuma declaração, gesto ou a mais vaga especulação sustenta a falsa informação da principal jornalista política do grupo RBS.A morbidez dessa gente é espantosa, e constitui – agora, sim – uma patologia a ser tratada.
Redator: Cristóvão Feil - Data:
27.4.09 1 comentários Links para esta postagem

Meu comentário:

O DG quer que explique o óbvio. Traduzindo e soletrando: A doença da Dilma é sim um baque para o PT, porque o partido não tem outro candidato com consistência e densidade eleitoral para ter chances em 2.010. E a eleição está próxima e Serra é candidatíssimo. Mas Dilma vai passar por cima e teremos bons debates entre ela e Serra no ano que vem, apesar da agenda e da proposta dos dois serem quase iguais.

O Fenômeno Susan Boyle


Sim, aparência importa
Pam Belluck no New York Times
Video de Susan Boyle aqui.


Há mais de uma semana, pessoas em ambos os lados do Atlântico têm usado a história de Susan Boyle - a solteirona escocesa desleixada que chegou à fama cantando no programa de TV "Britain's Got Talent" - como um exemplo de quão superficiais nos tornamos.

Antes de cantar, Boyle parecia uma mera voluntária de igreja desempregada e desmazelada de 47 anos que morava sozinha com seu gato, Pebbles, e que, segundo ela, nunca teria sido beijada (uma alegação que ela posteriormente retirou).


Agora, após o vídeo de sua apresentação ter se tornado viral, uma enxurrada de comentários se concentra em como estereotipamos as pessoas em categorias, como caímos vítima de preconceitos de idade e aparência, e como temos que aprender, de uma vez por todas, a não julgar os livros pela capa.


Mas muitos cientistas sociais e outros que estudam a ciência dos estereótipos dizem que há motivos para avaliarmos rapidamente as pessoas com base em sua aparência. Julgamentos rápidos a respeito das pessoas são cruciais para o modo como funcionamos, eles dizem - mesmo quando esses julgamentos são muito errados.Eles até mesmo concordam com a própria Boyle, que disse após sua apresentação que apesar da sociedade ser rápida demais em julgar as pessoas pela aparência, "não há muito o que você possa fazer a respeito; é o modo como pensam; é o modo como são".Em um nível muito básico, julgar as pessoas pela aparência significa colocá-las rapidamente em categorias impessoais, assim como decidir se um animal é um cachorro ou um gato. "Estereótipos são vistos como um mecanismo necessário para entendimento da informação", disse David Amodio, um professor assistente de psicologia da Universidade de Nova York. "Se olharmos para uma cadeira, nós podemos categorizá-la rapidamente, apesar de existirem muitos tipos diferentes de cadeiras."Eras atrás, esta capacidade era de uma importância de vida ou morte, e os seres humanos desenvolveram a capacidade de avaliar outras pessoas em segundos.


Susan Fiske, uma professora de psicologia e neurociência de Princeton, disse que tradicionalmente, a maioria dos estereótipos se divide em duas dimensões amplas: se a pessoa parece ter intenção maligna ou benigna e se a pessoa parece perigosa. "Em tempos ancestrais, era importante permanecer distante de pessoas que pareciam furiosas e dominadoras", ela disse.

As mulheres também são subdivididas em mulheres "tradicionalmente atraentes", que "não parecem dominadoras, têm traços de bebê", disse Fiske. "Elas não são ameaçadoras."De fato, a atração é uma coisa que reforça o estereótipo e faz com que se cumpra. Pessoas atraentes têm "crédito de serem socialmente hábeis", disse Fiske, e talvez sejam, porque "se uma pessoa é bonita ou simpática, as outras pessoas riem das piadas dela e interagem com ela de uma forma que facilita a interação social"."Se uma pessoa não é atraente, é mais difícil conseguir todas estas coisas porque as outras pessoas não a procuram", ela disse.


A idade também tem um papel na criação de estereótipos, com as pessoas mais velhas tradicionalmente vistas como "inofensivas e inúteis", disse Fiske. Na verdade, ela disse, as pesquisas mostraram que os estereótipos raciais e étnicos são mais fáceis de mudar ao longo do tempo do que os estereótipos de gênero e idade, que são "particularmente aderentes".Um motivo para nosso cérebro persistir em usar estereótipos, dizem os especialistas, é por frequentemente nos dar informação precisa de modo geral, mesmo que nem todos os detalhes de encaixem. A aparência de Boyle, por exemplo, telegrafou precisamente grande parte de sua biografia, incluindo seu nível socioeconômico e falta de experiência mundana.
"Britain's Got Talent"

Seu comportamento no palco reforçou uma imagem de pessoa de fora. David Berreby, autor de "Us and Them", sobre o motivo das pessoas categorizarem umas às outras, disse que os telespectadores também podem tê-la julgado severamente porque, nas provocações com os juízes antes de cantar, ela parecia estar, desajeitadamente, tentando se encaixar."Ela tentou ser divertida, e quando lhe perguntaram a sua idade, ela fez aquela dancinha", como se ela presumisse que nesses programas "você supostamente precisa ser meio sensual e elegante, mas se deu mal", disse Berreby. "Nada provoca mais nosso desprezo do que alguém tentar ser aceitável e então fracassar."Quando as pessoas não se encaixam em nossas noções pré-concebidas, nós tendemos a ignorar as contradições, até serem dramáticas demais para ignorar. Nestes casos, disse John F. Dovidio, um professor de psicologia de Yale, nós nos concentramos na contradição - a voz de Boyle, por exemplo. Apesar disso nos fazer vê-la mais como um indivíduo, nós também "encontramos uma forma do mundo fazer sentido de novo, mesmo que para isso digamos: 'Esta é uma situação excepcional'. É mais fácil para mim manter as mesmas categorias na mente do que chegar a uma explicação para as coisas que são discrepantes".Mesmo diante de múltiplas exceções ao estereótipo, nós frequentemente mantemos a categoria geral e simplesmente criamos um subtipo, disse Dovidio.Por exemplo, o presidente Barack Obama contrariou os estereótipos negativos a respeito dos negros, mas algumas pessoas podem ter criado um subtipo de negros - profissionais negros - em vez de contestar o estereótipo geral, disse Dovidio. "Esta é a solução mais simples e que economiza energia cognitivamente."Os cientistas estão descobrindo que os estereótipos não estão simplesmente armazenados no cérebro e são recuperados por ele, mas "estão associados com regiões gerais do cérebro envolvidas na memória e no planejamento de metas", disse Amodio, sugerindo que "as pessoas recrutam estereótipos para ajudá-las a planejar um mundo consistente com a meta que possam ter".A pesquisa de Fiske sugere que as pessoas de status baixo são registradas de forma diferente no cérebro. "A parte do cérebro que normalmente é ativada quando você pensa em pessoas fica surpreendentemente silenciosa quando você olha para moradores de rua", ela disse. "É uma espécie de desumanização neural. Talvez não consigamos suportar a situação horrível em que se encontram, ou não queiramos nos envolver, ou talvez tenhamos medo de nos contaminar."Mas, ela disse, a resposta neural é restaurada quando é pedido para as pessoas se concentrarem em que sopa os moradores de rua possam querer comer, algo que as faz pensar na pessoa como alguém com desejos ou metas.

O fato de podermos mudar nossas reações em relação às pessoas - o status de Boyle passou instantaneamente de baixo para alto - também tem raízes em nossa psicologia, disseram os cientistas.Dovidio disse que encontrar discrepâncias nos estereótipos provavelmente "cria um tipo de estímulo autonômico" em nosso sistema nervoso periférico, provocando picos de cortisol e outros indicadores de estresse. "O estímulo autonômico nós motivará a fazer algo naquela situação", ele disse, especialmente se a situação é perigosa.


Helen Fisher, uma professora de antropologia da Rutgers, teoriza que no caso de Boyle, os telespectadores também passaram por uma "onda de dopamina" com a surpresa agradável de ouvir a voz dela. "A novidade aumenta a dopamina no cérebro e faz você se sentir bem", ela disse.Isto pode ajudar a explicar por que tantas pessoas foram atraídas pela história de Susan Boyle. Mas o fato de aceitarem a ela e outros azarões subestimados dificilmente mudará nosso gosto pelo estereótipo.A sociedade moderna, com sua consciência dos preconceitos ao longo da história e sua capacidade sem precedente de apresentar tantos tipos diferentes de pessoas umas às outras, pode diluir ou mesmo neutralizar algumas noções pré-concebidas. Mas outras persistirão e novas surgirão, dizem os especialistas.Este pode ser o motivo para, mesmo após ter expressado a esperança de que "talvez isso possa tê-los ensinado uma lição, ou dado um exemplo", Boyle ter começado a mudar sua aparência nos últimos dias, usando maquiagem, tingindo seu cabelo grisalho e vestindo roupas mais elegantes."A matéria-prima de dizer que você está comigo e ela não está é algo que está sempre presente", disse Berreby. "Não é algo que inventamos por causa da TV ou do carro. Também não é algo ligado à vida moderna. É algo inerente à mente."

domingo, 26 de abril de 2009

Pobre Verdade


A hora da verdade pobre
José Arthur Giannotti, Caderno Mais da Folha de hoje.


Estamos acostumados à ideia de que a crise do sistema capitalista de produção é ensejo para que a sociedade capitalista se passe a limpo.Na crise, o capital mostra o que ele é: um sistema quase automático de produção de riqueza que, em seu processo de reposição, expande o crédito, incha o capital financeiro, que, chegando às alturas, estoura para que as transações econômicas voltem a tomar pé na realidade, reajustando oferta e demanda dos bens produzidos e consumidos.Não há responsabilidade pessoal no excesso. À medida que cada um trata de seus interesses, nada mais natural que procure as brechas do sistema visando a aumentar seus lucros, seu salário, os juros de seus investimentos, os benefícios sociais.Mas a famosa equação segundo a qual a trama dos interesses privados resulta no reforço dos interesses públicos se desfaz durante a crise, quando se torna do interesse público salvar o que puder dos interesses privados. Mas quais deles?A redução da economia a seu tamanho real, inclusive com queima de ativos que se mostram inadequados à retomada do círculo econômico, prejudica toda a população, mas de forma tremendamente desigual, tanto do ponto de vista econômico como do social.

Um banqueiro, um investidor, um industrial podem perder milhões, mas os assalariados perdem seus empregos. A crise econômica se transforma em crise social.Até o início do século passado, a crise social ameaçava o sistema político como um todo.O espectro do socialismo rondava a Europa, mas, no final das contas, o resultado foi sempre um reforço violento do Estado, quer sob forma mais democrática, implementando políticas keynesianas, quer simplesmente sob forma ditatorial: nazismo ou socialismo real.

Hoje em dia o panorama é diferente. Os assalariados prejudicados não se organizam como classe antagônica ao capital, mas pressionam pela manutenção dos direitos sociais adquiridos, de sorte que reforçam o Estado sem reivindicar sua transformação.Na Europa, mesmo que isso venha a prejudicar o processo de integração europeia, consolidam-se o foguetório do presidente francês Nicolas Sarkozy ou a caricatura do premiê italiano Silvio Berlusconi.Na Ásia, com algumas exceções que nada têm a ver diretamente com a crise, firmam-se a ditadura comunista ou o jogo brutal do sistema político japonês. Na América do Sul, se reforça o novo populismo, que, já antes da crise, crescia para dar conta das demandas dos menos favorecidos.

Sociedade de consumo

Para todos importa salvar a sociedade de consumo. Vale o Estado que se tem, desde que consiga colocar a economia nos eixos.Uma diferença ocorre nos Estados Unidos.Obviamente, não há demandas por transformação do Estado, mas a política de Barack Obama rompe com a política de George W. Bush, promove maciça intervenção estatal no sistema financeiro -que, se não estatiza os bancos, é porque talvez possa ter controle sobre eles sem que haja completa transferência da propriedade para as mãos do Estado.

Uma das alterações básicas na dinâmica do jogo político ocorre justamente porque a questão da propriedade deixa de ter a importância de antigamente. Os meios de produção se socializaram não porque passaram para o controle democrático da população, mas simplesmente porque caíram nas mãos das burocracias impessoais.Os bilionários do momento são apenas pontas do iceberg tecnoburocrático que conseguiram montar. Bill Gates desapareceria em pouco tempo se a Microsoft não conseguisse produzir a renovação de seus produtos no ritmo imposto por seus adversários.

O núcleo da propriedade está nos meios da renovação tecnológica que tende a se repor por si mesma.No entanto, ao menos uma mentira foi desmascarada: a pretensão neoliberal de que os mercados possam crescer sem cair no abismo. Parece-me, contudo, no sentido inverso do que se tem pretendido. Por si só o capital tende a se globalizar.Com o desenvolvimento da tecnociência, em particular com a extraordinária expansão dos meios de comunicação eletrônicos, era inevitável que o sistema produtivo globalizasse suas bases e o sistema financeiro passasse a operar continuadamente.As regulações anteriores, inclusive o acordo de Basileia [acordo de 1988 que regulamenta a atividade bancária, substituído em 2004 pelo Basileia 2; atualmente se discute a criação de um acordo de Basileia 3], se tornaram obsoletas; a inventividade dos operadores financeiros levou ao limite a expansão imaginária da riqueza social.

Esse fenômeno de autoalimentação fantasiosa do capital financeiro, que Marx admiravelmente descreveu como a forma mais perfeita da alienação do capital, caminhou por si só até que ele próprio encontrasse seus limites.As hipotecas sobre hipotecas sobre hipotecas avançaram até pôr em xeque o sistema de crédito. Quando esse faliu, a economia como um todo se travou.

Discurso e ideologia

A ideologia neoliberal, o Consenso de Washington e suas outras manifestações apenas legitimavam o que se dava per se. As políticas de contenção do crédito e de ajuste das cadeias produtivas só tiveram efeito na margem.Fosse qual fosse a ideologia dos governantes, todos eram levados pelo mesmo roldão.Exemplo significativo é o caso brasileiro, pois desde Collor [1990-92], passando por Fernando Henrique até Lula, a mesma política econômica foi mantida nas suas bases. As diferenças se deram no gogó. Agora a ideologia evaporou porque a travação imaginária do capital se colocou em xeque.Não tenho ilusões. A crise demanda intervenções políticas, que tendem a se fazer, contudo, nos quadros de um Estado preexistente. Ela passará conforme o capital for reforçado e renovado.Mas, nesse movimento de reflexão, se cria a oportunidade de reformar o sistema e o jogo políticos, à medida que eles revelam suas dimensões imaginárias e opressoras.O reforço da política, mesmo passageiro, permite que se aprofunde ou se mistifique a democracia, o controle popular dos mecanismos econômicos e da trama das instituições burocráticas.

A hora é agora. Mas não vejo no horizonte, quer na verborragia do governo Lula, quer no vazio abissal das oposições, uma brecha que de fato aumente o controle popular sobre nossos processos de governar.Pelo contrário, a política entre nós se torna uma deslavada mentira.

JOSÉ ARTHUR GIANNOTTI é professor emérito da USP e coordenador da área de filosofia do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento. Escreve na seção "Autores", do Mais!.

sexta-feira, 24 de abril de 2009

Ó, Joaquim.....


"Ó Joaquim, pára de se sentir vítima porque tu foste o primeiro negro a chegar ao STF"
Por Rui Nogueira, no Estadão:


O maior dos problemas do ministro Joaquim Barbosa no Supremo Tribunal Federal não é de relacionamento pessoal, apesar das palavras usadas no bate-boca com o presidente da corte, Gilmar Mendes. Oriundo do Ministério Público, Barbosa não gosta que o Judiciário conteste as ações dos procuradores e da Polícia Federal e acha que o STF é uma corte de "proteção dos ricos".Mendes, Cezar Peluso, Carlos Alberto Direito, Eros Grau, Celso de Mello, Marco Aurélio Mello, Ricardo Lewandowsky e Cármen Lúcia formam uma maioria absoluta que isolou Barbosa ao adotar uma linha em defesa dos direitos individuais e contra a ideia de que a PF e o Ministério Público podem investigar e processar à vontade, mesmo atropelando a lei, em nome de uma "ação justiceira contra os ricos, empresários e poderosos em geral". A ação do STF, comandada por Mendes, tem combatido, por exemplo, o que a maioria dos ministros considera "decisões abusivas" na decretação de prisões preventivas e temporárias, nas operações da PF.

Bananas

O bate-boca de quarta-feira explicitou a divisão dentro do STF e o verdadeiro conflito: a existência de um juiz disposto a exercer o ofício com base no chamado clamor popular. Para a maioria dos ministros, Barbosa reafirmou essa posição ao dizer a Mendes que ele não está em sintonia com as ruas, devendo, portanto, se pautar pelo sentimento popular.

Numa sessão de turma, longe das câmeras da TV Justiça, Barbosa teve um dos mais sérios embates com Eros Grau. Ao criticar a concessão de um habeas corpus para o advogado Arnaldo Malheiros, que atua na defesa do banqueiro Edmar Cid Ferreira, do Banco Santos, Barbosa disse que a decisão fazia do Brasil uma "república de bananas". O advogado havia tido o e-mail dele violado. A expressão irritou o ministro Eros Grau, que também naquela ocasião bateu boca com o colega.Barbosa se sente desprestigiado e desrespeitado e queixa-se frequentemente de perseguição e da maneira como é tratado pelos colegas da corte, e não apenas por Mendes. O assunto chegou a ser discutido, de maneira descontraída, em um jantar na casa de Eros Grau, na presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Brincando, Lula virou-se para Barbosa e disse: "Ó Joaquim, tu tens de superar essa mania de perseguição. Bola pra frente e para de se sentir vítima porque tu fostes o primeiro negro a chegar lá (ao STF). Eu só tenho quatro dedos, não tenho diploma universitário e não sou perseguido."

O ministro é visto pelos colegas mais como um "procurador" e menos como um "jurista". Por isso se irrita sempre que é contestado e tem os erros conceituais expostos.

Ainda as Veias Abertas


Certa esquerda entrou em delírio quando Chávez entregou o livro "Veias Abertas da América Latina" para Obama.
Leio no diario gauche de hoje e comento, of course, depois.

Dias atrás o presidente Hugo Chávez deu um mimo ao presidente Barack Obama. A obra “As veias abertas da América Latina”, editado na década de 70, e um clássico da literatura política de denúncia das mazelas do então chamado Terceiro Mundo. Hoje, essa expressão está em desuso, porque o Terceiro Mundo penetrou Nova York, em Londres, em Paris e Tóquio, ao mesmo tempo que temos Primeiro Mundo em Santiago, Rio de Janeiro, Joannesburgo ou Lima.


O livro de Galeano começa assim:

Há dois lados na divisão internacional do trabalho: um em que alguns países especializam-se em ganhar, e outro em que se especializaram em perder. Nossa comarca do mundo, que hoje chamamos de América Latina, foi precoce: especializou-se em perder desde os remotos tempos em que os europeus do Renascimento se abalançaram pelo mar e fincaram os dentes em sua garganta. Passaram os séculos, e a América Latina aperfeiçoou suas funções. Este já não é o reino das maravilhas, onde a realidade derrotava a fábula e a imaginação era humilhada pelos troféus das conquistas, as jazidas de ouro e as montanhas de prata. Mas a região continua trabalhando como um serviçal.

[...]Um texto excelente do grande escritor Eduardo Galeano, outro uruguaio genial.


Meu humilde comentário:

Veias Abertas da América Latina do Galeano foi meu livro de cabeceira no início da década de 80. Eu achava e acreditava que a culpa de todas mazelas da América Latina era dos europeus, dos americanos e da elite. E não havia concausas. A causa era essa e ponto final. E eu saia nas ruas tentando doutrinar os trabalhadores do Brasil, com panfletos do Raul Pont, dizendo: Nós somos pobres e miseráveis porque somos explorados pelos capitalistas, pela mídia, pelos banqueiros e pelas multinacionais. E acreditava também que a história da humanidade já estava determinada. Mais cedo ou mais tarde, o socialismo, a salvação de tudo e de todos, iria vencer e o mundo, finalmente, iria mudar. Eu fazia parte da grife Guevara. De fato, o mundo mudou, as pessoas mudaram, a ideologia mudou, a filosofia mudou, a história mudou, tudo mudou. O que não mudou -- e são esses os verdadeiros conservadores -- foi a cabeça do Galeano que ainda acredita que a América Latina é miserável por culpa exclusiva da exploração dos exploradores, das multinacionais, da grande mídia. E tem gente que acredita nessa velha história. E o pior, tem gente que faz da sua vida um ritual de doutrinação em torno dessa mesma e velha história.

A "Voz das Ruas"




Nessa discussão envolvendo os ministros do STF, Joaquim Barbosa e Gilmar Mendes eu fico com o Mendes. Eles estavam discutindo o provimento de um recurso pelo STF que determinou que os notários deveriam ter direito à aposentadoria do serviço público. Joaquim Barbosa -- aquele mesmo que indiciou os 40 do mensalão -- ficou irritado com a decisão e reclamou de Mendes. Que interesses, afinal, estariam por trás daquela decisão, que foi, aliás, do plenário? A discussão inicial girava em torno do processo em julgamento e foi Joaquim Barbosa que resolveu disparar a metralhadora para outros cantos, dizendo que Gilmar Mendes não ouvia a "voz das ruas". É claro, é óbvio e evidente que a prisão de um banqueiro como Daniel Dantas conta com o apoio da voz das ruas. Mas o Juiz não tem que ter ouvido apenas para a "voz das ruas", ele tem que estar atento com os documentos, os dados, os fatos que estão no processo. É assim que funciona a Justiça em toda a parte do mundo socialmente desenvolvido. O argumento da "voz das ruas" impulsionou os processos da fase do terror da revolução francesa. Cabeças inocentes subiram ao cadafalso e rolaram com o toque sutil da lâmina aguda da guilhotina. Importante lembrar que a decisão de Gilmar Mendes sobre Dantas foi, mais tarde, apreciada pelo plenário do STF e Dantas obteve os votos da grande maioria dos Ministros. Não houve, em relação ao caso Dantas, nenhuma decisão isolada do Gilmar Mendes. Todas as decisões monocráticas foram confirmadas depois pelo plenário. Não estou aqui para defender Gilmar Mendes, mas nessa briga envolvendo o Ministro Barbosa não posso deixar de reconhecer que Mendes tem razão. E mais, roupa suja se lava em casa. E fatos, meus caros, muitas vezes são criados de acordo com certos interesses. E a eleição do ano que vem está ai.

Torturas Americanas


Prisão de Guantanamo Bay.

O legado da era Bush


Lluís Bassets do El Pais

O cabo dos tormentos

Obama está prestes a dobrar esse cabo das tormentas que são os cem dias de sua presidência. A uma semana de tal feito, o oceano já começa a se mostrar tão bravio quanto exige a lenda. E não é por causa da economia, apesar de seu estado lamentável, nem pelo agitado mapa-múndi onde se desdobra a nova política americana. É pelas torturas, a ignomínia que mais sujou a presidência de George W. Bush e hipotecou a imagem de seu país no mundo.

O presidente declarou rapidamente com toda a clareza: aqui não se tortura. No segundo dia de seu mandato suspendeu todos os ditames legais que o permitiam. Na semana passada autorizou o levantamento do segredo sobre vários documentos do departamento jurídico de Bush que cobriam e autorizavam essas práticas. E esta semana deu a entender que será necessária uma investigação profunda e que não se podem descartar ações judiciais contra os juristas que fabricaram esses argumentos mentirosos para praticá-las.Obama navega entre os que querem ajustar contas com Bush e os que o criticam como tolerante com o terrorismo. Esses últimos movimentos foram acompanhados de não poucas contradições e desmentidos entre os próprios colaboradores do presidente: no princípio Obama era partidário de olhar para a frente e evitar os ajustes de contas judiciais com a administração anterior, mas nem todos são da mesma opinião, sobretudo nas fileiras democratas.E no outro campo a publicação dos documentos secretos e a eventualidade de uma investigação judicial que termine processando os advogados que fabricaram as desculpas jurídicas para as práticas ilegais está agindo como cimento aglutinador: nada produz mais coesão que o medo, neste caso dos juízes e da prisão. Antigos altos funcionários do governo Bush, encabeçados pelo vice-presidente Cheney, estão se unindo para defender a legalidade dos interrogatórios reforçados, o eufemismo no qual se inclui todo o repertório de técnicas de tormento, e advertem sobre o perigo que representa para a segurança dos EUA tanto a publicação como a investigação desse tipo de interrogatório.Tudo isso, dizem, vai desanimar os agentes da CIA e seus parceiros e colaboradores dos serviços secretos dos países aliados e amigos. Mas o maior argumento, profunda e perversamente neoconservador, considera que Washington está renunciando a uma arma dissuasiva de primeira ordem para os terroristas e para qualquer inimigo atual ou futuro: até agora sabiam que seu governo estava disposto a fazer qualquer coisa, legal ou ilegal, em nome da segurança; a partir de agora sabem que é mais vulnerável porque impõe limites a si próprio.A direita atribui a culpa de tudo isso a Obama. Alguma ele deve ter, sobretudo na clareza de suas ideias e na vontade de aplicá-las. Mas não é toda sua, e inclusive se fosse não estaríamos onde estamos agora, com um horizonte certamente cheio de nuvens pesadas para os torturadores. Obama, de disposição moderada e centrista, quer resolver as contas pendentes, mas quer fazê-lo de forma controlada e evitando danos colaterais.A publicação dos memorandos sobre torturas não foi uma decisão fácil; em suas palavras, "uma das mais duras que tive de tomar como presidente". A culpa se espalha dentro e inclusive fora dos EUA. O próprio governo republicano começou a afrouxar nos últimos meses, quando o diretor do departamento jurídico de Bush, Steven Bradbury, autor de vários relatórios secretos, reconheceu em dois deles que as opiniões sobre os interrogatórios, as entregas extraordinárias de detidos a terceiros países e a detenção sem garantias "não deveriam ser consideradas como fonte de autoridade em nenhum sentido".Em vários países europeus, entre os quais se destaca a Espanha, foram tentados processos legais contra os advogados da Casa Branca e outros funcionários que autorizaram as torturas. Um deles, Jay Bybee, atualmente juiz de apelações, se transformou em alvo de associações de direitos humanos que defendem sua demissão. Outras associações pedem o processamento de médicos e psicólogos que ajudaram a realizar os interrogatórios. No próprio Congresso há investigações em curso sobre todo o caso. A ONU também está tomando posição no assunto, na medida em que os EUA são signatários das convenções contra a tortura.Embora o presidente tenha sido muito claro desde o primeiro dia, não se pode dizer o mesmo de seus colaboradores. Seu chefe de gabinete, Rahm Emmanuel, não queria saber nada de investigações nem de processos. O diretor da CIA, Leon Panetta, não excluiu que em algum momento tivesse de pedir permissão presidencial para atuações excepcionais do mesmo tipo. O diretor nacional de Inteligência, Dennis Blair, admitiu que as torturas tinham produzido resultados valiosos.Também não se deve esquecer que o Congresso - inclusive a atual presidente da Câmara, Nancy Pelosi - foi informado de tais práticas pelo governo anterior. A iniciativa atual de Obama tem como efeito imediato amarrar as mãos dos que poderiam conservar o propósito de manter alguma das práticas de legalidade duvidosa do governo anterior, tal como lhe censuraram explicitamente o ex-diretor da CIA, Michael Hayden, e o ex-ministro da Justiça, Michael Mukasey, em um artigo conjunto no "Wall Street Journal". É um momento certamente decisivo, talvez o mais crucial dos cem dias, quando o barco presidencial se prepara para dobrar o cabo não das tormentas, mas dos tormentos.

Com Celular Na Mão uma Faxineira É Uma Empresa


Onde está o Adair?
Crônica de David Coimbra hoje na Zero Hora

De ônibus vou meio cochilando, meio lendo, meio bebendo a paisagem que passa atrás do vidro, se é que é possível haver três meios numa única viagem. Pois viajava num interestadual, dias atrás, e lia um pequeno livro que madame Adèle Toussaint-Samson escreveu com muita graça em meados do século 19. Essa francesa viveu na corte do imperador Dom Pedro II e fez um delicioso relato sobre o Brasil de então. Lia-o, portanto, quando um grito me sobressaltou:

– Onde é que tu tá, Adair???
Era o passageiro do banco da frente falando ao celular. Pronunciava Adair com sotaque do interior paulista. Adaiur. As pessoas falam alto ao celular, realmente. Não tenho certeza de que seja necessário – a tecnologia das telecomunicações está tão desenvolvida... Mas talvez o Adair sofresse de problemas auditivos, porque nem bem voltei a me concentrar na leitura e o amigo dele repetiu:

– Certo! Mas me diz onde tu tá, Adair!
A nova interrupção me fez refletir sobre a revolução da telefonia móvel. Porque não é a internet a grande mudança do novo mundo. A internet ainda se restringe à elite. A mudança de comportamento, de hábitos e de possibilidades foi causada pelo celular. Com um celular na mão, um filho está sempre em lugar sabido, o socorro é imediato e, o principal, uma faxineira é uma empresa. Seguiria em frente com as considerações filosóficas sobre a importância do celular para a democracia, só que o passageiro da frente berrou outra vez:–


Ô, Adair! Onde é que tu tá, Adair???
Continuava dizendo Adaiur.Aquilo me causou certa aflição. Por que, afinal, o Adair não revelava ao seu amigo onde ele, Adair, se encontrava? Seria um local proibido? Um local de pecado? Provavelmente não. Estávamos no meio da manhã, horário impróprio para a lascívia.– Ei, Adair! – agora o amigo do Adair falava ainda mais alto.

– Onde é que tu tá, Adair???
Talvez o Adair seja daquelas pessoas que não ouvem as outras. Muito comum isso. Você chega para o seu amigo e tenta desabafar:– Puxa, cara, estou com um problema aí que...Ele interrompe:– É mesmo?!? Que coincidência! Eu também estou com um problema! Olha só:...E desanda a falar do problema dele. Esse certamente é o Adair. Há gente demais assim, no mundo de hoje. Autocentrados, para não dizer egoístas.
– MÁ ONDE TU TÁ, ADAIURRR???Ele berrava, mas não parecia irritado. Devia estar acostumado com a falta de atenção do Adair. Depois dessa última interrogação, a conversa deles teve breve prosseguimento. Trocaram mais duas ou três frases. Não prestei atenção nelas, pensava onde o Adair poderia estar. Até que o amigo do Adair desligou. Suspirei. Voltei à leitura. Evoluí um capítulo. E o celular do passageiro da frente tocou de novo, e de novo ele atendeu aos gritos:
– ALÔ???
Estaquei no meio de um parágrafo. Prestei atenção. Quem seria agora? O que ouvi a seguir me deixou perplexo:
– Adair?
O assunto entre os amigos ainda não se esgotara, para minha angústia. Mas o que se seguiu é que me deixou em pânico. O amigo do Adair perguntou com aquele seu sotaque de Piracicaba:
– Me diz: onde é que tu tá, Adair?

quarta-feira, 22 de abril de 2009

Obama e as Américas




Dei boas risadas lendo este artigo de Miguel Ángel Bastenier publicado no El Pais.

As Américas de Obama
Na Cúpula das Américas realizada no fim de semana em Port of Spain não houve avanços materiais no tão esperado encontro oficial e assembleia entre o presidente americano, Barack Obama, e a América Latina; mas houve vários momentos simbólicos, de modo que o que não aconteceu teve mais importância do que as coisas que de fato aconteceram.

Primeiro houve a estreia de uma nova América Latina, que, embora já fosse conhecida, só poderia ser formalizada diante do líder de todas as Américas, o homem de Washington, na função de mestre de cerimônias. Uma América original em todas as suas dimensões antropológicas, porque quando se reuniram na chefia de outros tantos Estados latino-americanos um militar golpista, Hugo Chávez na Venezuela; um ex-guerrilheiro, Daniel Ortega na Nicarágua; um jornalista porta-voz de outra ex-guerrilha, Mauricio Funes em El Salvador; um ex-bispo, pai de família ao que parece numerosa, Fernando Lugo no Paraguai; um índio que não fala nenhuma língua indígena, Evo Morales na Bolívia; o filho de um operário metalúrgico [sic], Luiz Inácio Lula da Silva no Brasil; um ex-fugitivo, Alan García no Peru; um sacerdote maia, Álvaro Colom na Guatemala; um mulato educado nas melhores universidades americanas, Leonel Fernández na República Dominicana; e duas mulheres, Cristina Kirchner na Argentina e Michelle Bachelet no Chile?

Todos eles recuperáveis para alguma versão da esquerda. Não em vão a direita produz ocupações mais clássicas como "sitiante" para Álvaro Uribe na Colômbia e o tecnocrata Felipe Calderón no México.Depois há a destreza política de Obama, que ficou clara pela finura com que desinflou a fanfarronice cubana que Chávez tinha preparado para exigir o regresso de Havana à OEA. A mão estendida do presidente, mas pedindo a Cuba que oferecesse algo em troca do levantamento de algumas restrições ao comércio com a ilha, satisfez a todos os que não querem mais espetáculos bolivarianos dos inevitáveis.Em terceiro, o presidente democrata prestou um grande serviço de asseio intelectual ao continente. Como disse Marta Lagos, diretora do Latinobarómetro, na apresentação do livro de Javier Noya "Imagen de España en América Latina" [Imagem da Espanha na América Latina], Obama quer apagar o quanto antes os EUA da lista de culpados pelos males que atingem esses países. Desde as independências, a intricada desordem latino-americana contou com dois grandes bodes expiatórios. Um cósmico, a Espanha, como codificou modernamente um uruguaio sem mãe-pátria, Eduardo Galeano, em "As Veias Abertas da América Latina", e outro mais terreno, imediato e ameaçador, os EUA.
E não é que ambas as potências não tenham sua responsabilidade, a primeira pelo sangue e a segunda pelo dólar, no desastre dos séculos 19 e 20 que nos contemplam, mas a letania tantas vezes repetida, começando pela Cuba castrista e seu embargo, é só uma desculpa.

E por último notem-se as dificuldades que Obama pode estar criando ao maior problema de Washington na região, não Cuba, mas a Venezuela. Havana não tem nada a oferecer à América Latina, a experiência de justiça social em liberdade fracassou e o castrismo hoje é um "comercial" do que não se deve fazer com um país.
Mas a Venezuela é diferente. Chávez está reduzindo o campo do pluralismo, utilizando uma legalidade amestrada para hipotecar a vida política a seus adversários, mas cabe que, inclusive apesar da queda dos preços do petróleo devido à crise, seu regime esteja melhor armado que os do capitalismo "como de hábito" para proteger os desfavorecidos.
E Obama estava muito mais no papel que convém a Chávez, definindo distâncias mais que aproximações. Não é impossível estabelecer uma convivência civilizada entre Washington e Caracas, mas pouco mais, porque o chavismo põe em perigo qualquer tentativa de restabelecimento da hegemonia americana na região, mesmo que seja à guisa de "aliança entre iguais". Em todo caso, os limites ao radicalismo de Obama estão à vista: embora condenem e proíbam a tortura, os funcionários da CIA que a praticaram não pagarão por isso e os EUA não foram à conferência de Genebra sobre o racismo devido ao clima anti-israelense. Contra Bush os bolivarianos viviam melhor.
Os gestos para a reconciliação promovidos pelo presidente americano não preenchem, porém, as brechas internas entre as duas ou mesmo três esquerdas e pelo menos uma direita renovada nestas Américas Latinas. E Obama não pode ser amigo de todas

Nossas Picaretagens












O Exílio de Rosales


Rosales; acusações contra opositores na Justiça têm crescido

Nas últimas eleições para presidente, Hugo Chávez venceu Manuel Rosales, candidato da oposição. Hoje Rosales está exilado no Peru. Dizem que Rosales é corrupto, que enriqueceu muito quando era governador da província de Zúlia. O Ministério Público ingressou com 26 processos contra ele. Não sei se Manuel Rosales é bandido ou mocinho. O que sei é que todos os chamados corruptos são opositores a Chávez que controla a polícia, o ministério público e o judiciário. Na Venezuela de Chávez os bonzinhos são os que estão do lado do presidente. Quem está do outro lado são os corruptos. O interessante é que nenhum político alinhado com Chávez está envolvido com corrupção. É importante lembrar que um fato obscuro ocorreu no aeroporto de Ezeiza, na Argentina, na época da eleição de Cristina Kirchner, quando foram apreendidos 700 mil dólares, destinado a campanha da atual presidenta, em avião da PDVSA. Por que o tão eficiente Ministério Público da Venezuela Bolivariana não investigou a origem desse dinheiro enviado ilicitamente ao exterior?

Matéria da Folha de hoje.
Ameaçado de prisão na Venezuela, o líder opositor Manuel Rosales solicitou asilo político ontem em Lima, sob a alegação de estar sendo perseguido pelo governo Hugo Chávez. Em resposta, o Ministério do Interior anunciou que pedirá a sua "captura internacional".
A solicitação, formalizada na Chancelaria peruana, ocorreu um dia depois de Rosales ter faltado a uma audiência que julgaria um pedido de prisão do Ministério Público. Agora, o Peru deve responder o pedido em até dois meses, segundo o advogado do venezuelano em Lima, Javier Valle Riestra.
Rosales entrou no Peru como turista, já que ainda não é considerado foragido da Justiça- a audiência de anteontem acabou cancelada e foi remarcada para 11 de maio.
Se o Peru, do presidente direitista Alan García, aceitar o pedido de Rosales, ele não será o primeiro opositor venezuelano a se asilar ali. O ex-governador Eduardo Lapi obteve esse status em 2006 após fugir de um presídio onde estava preventivamente por corrupção.
García é um dos presidentes mais distantes de Chávez na região, já que o venezuelano apoiou publicamente o nacionalista Ollanta Humala na eleição de 2006. Após a posse, os dois mantêm relações cordiais.
"Rosales não se entregaria à Justiça, mas a Hugo Chávez", disse à Folha Omar Barboza, presidente do UNT (Um Novo Tempo, centro), o partido do prefeito licenciado. "Ele só voltará quando se restabelecer o Estado de direito no país."

26 processos

O prefeito licenciado de Maracaibo é acusado de enriquecimento ilícito durante o período em que foi governador de Zulia (2000-08). Ele enfrenta 26 processos do Ministério Público, que o acusa de não justificar sua renda entre 2002 e 2004.
O líder oposicionista nega as irregularidades e acusa Chávez de manipular as instituições para persegui-lo.
O ministro do Interior, Tareck el Aissami, previu que em que breve haverá uma ordem de captura contra Rosales. "Se não se submeter aos tribunais competentes, será um foragido da Justiça e, em consequência, serão ativados os mecanismos legais para a sua captura internacional", afirmou, durante entrevista coletiva ontem.
O ministro negou que o processo contra Rosales seja de "natureza política": "São delitos comuns, de corrupção".
Os processos judiciais contra Rosales ganharam velocidade logo após Chávez anunciar uma "operação" para prendê-lo em outubro, durante a campanha para as eleições regionais. O presidente acusou o rival de corrupto e de tentar matá-lo.
Principal candidato da oposição nas eleições presidenciais de 2006, Rosales, 56, saiu fortalecido do pleito regional de novembro ao eleger seu sucessor em Zulia, Estado mais rico do país por concentrar a indústria petroleira, e vencer na segunda maior cidade venezuelana.
Com a saída de Rosales do país, o CNE (Conselho Nacional Eleitoral) deve convocar novas eleições para Maracaibo ainda neste semestre. Dentro da oposição, o nome mais cotado é o da atual primeira-dama, Evelyn Trejo de Rosales.
Outros opositores também têm enfrentado problemas na Justiça. Recentemente, o ex-ministro da Defesa Raúl Baduel foi preso, acusado de corrupção. No ano passado, Leopoldo López não pôde concorrer ao governo distrital de Caracas, para o qual era favorito, após ser declarado inelegível também sob alegação de corrupção.

Africa do Sul e o Governo de Partido Único


Jacob Zuma (esquerda) com Nelson Mandela. Zuma deve ser eleito hoje presidente da Africa do Sul.

Maldição do partido único
Editorial da Folha de hoje.

A África do Sul, democracia mais pujante do continente, elege hoje seu terceiro presidente após o fim do apartheid. Tudo indica que o Congresso Nacional Africano, o partido de Nelson Mandela, manterá intacta a hegemonia que assegura desde o início do regime multirracial, em 1994.

Jacob Zuma, que foi companheiro de Mandela na prisão e chefiou o serviço de inteligência do CNA, será o provável vitorioso. No modelo sul-africano, o eleitor vota em listas fechadas, elaboradas pelos partidos, e assim define o Congresso, o qual por sua vez elege o presidente.


Apesar dos avanços econômicos e sociais ocorridos no governo do CNA, os efeitos colaterais de 15 anos de mando -período prestes a ser estendido por mais cinco- começam a ter peso importante na balança. O próprio Zuma, acusado de ter recebido propina sistematicamente, ficou livre dos processos numa manobra que abalou a credibilidade do Ministério Público sul-africano.

O episódio reforça a percepção de que o aparelhamento do Estado se espraia, num país conhecido por suas instituições relativamente fortes e autônomas. Outro passivo do CNA está na saúde pública. Durante anos seus líderes negaram o vínculo entre HIV e Aids, enquanto a epidemia se alastrava e reduzia a expectativa de vida do sul-africano -de 64 anos, em 1994, para 49, hoje.


A África do Sul, no entanto, é o único país a ostentar uma rede de proteção social no continente, por conta de programas deslanchados nos últimos 15 anos. Políticas assistenciais de transferência de dinheiro, semelhantes ao Bolsa Família, atingem um habitante em cada grupo de quatro. A economia, que se expandiu 4,7% ao ano, em média, na última meia década, também explica o forte apoio popular ao CNA.

Mas eis que surge, neste pleito, uma novidade interessante. Uma dissidência do partido de Mandela, chamada Congresso do Povo, começa a quebrar o monopólio do CNA como representante de um país com 79% de negros na população.As pesquisas não conferem ao Cope, liderado pelo bispo metodista Mvune Dandala, mais de 15% das intenções de voto. Mas nasce, sem dúvida, uma força capaz de oxigenar a democracia da África do Sul -e, quem sabe, livrá-la no futuro da maldição do governo de partido único.

segunda-feira, 20 de abril de 2009

Carlos Lacerda e os Muros das Favelas




Juro que fiquei interessado pelo assunto da construção de muros nas favelas do Rio de Janeiro. Curioso, visitei alguns blogs de esquerda para ver como eles estão tratando do assunto. No Vi o Mundo, do Luiz Carlos Azenha tem uma uma matéria com uma tal de Vera Malaguti, ela é socióloga e o discurso manjado e simplório é sempre o mesmo. É a velha tese da luta de classes em ação. Os ricos e a classe média estão querendo dizimar os pobres.



Diz a matéria. Eu comento depois.

Estamos na porta de entrada de tempos (ainda mais) difíceis no país. Com crise, desemprego e muita violência nas grandes cidades, os políticos, sem romper seus pactos, precisam apresentar soluções para combater tal quadro. Dessa forma, é produzida uma série de medidas que mais combatem os pobres do que a pobreza. Pintam as paredes, mas não mexem na estrutura interna do ‘prédio’.Por conta disso, o Rio de Janeiro vem sendo palco de seguidas políticas de limpeza e segregação social, como mostram os choques de ordem e agora o levantamento de muros no entorno de favelas, levados a cabo por prefeitura e governo do estado, respectivamente.Para a socióloga Vera Malaguti, do Instituto de Criminologia Carioca, o que vemos é a expressão de um fascismo estatal mancomunado com grandes interesses econômicos. O governo pretende levantar 11 mil metros de muros, com 3m de altura, começando pela zona sul, cuja expansão de favelas não chegou à metade do aferido na zona oeste, de 11,5% - dados do Instituto Pereira Passos.Malaguti aponta que os pobres no Rio de Janeiro são vítimas de crescente truculência oficial e vistos como ‘lixo humano’ que precisa ser removido da cidade, uma vez que a presença dessa parcela da população é prejudicial aos grandes negócios e à especulação imobiliária.Correio da Cidadania: Como você vê a idéia do governo local de construir muros no entorno de favelas, sob a alegação de preservar algumas áreas verdes da cidade?Vera Malaguti: É um absurdo e vem junto do circo de horrores do qual vem sendo palco o Rio de Janeiro, através de extermínios da polícia (a que mais mata no mundo), das remoções dos pobres, demolição de casas em áreas populares ilegais...Enfim, é todo um festival de truculência, em articulação da prefeitura com o governo do estado, completamente ligados aos grandes negócios privados, como os esportivos, e impondo um cerco fascista sobre os pobres. E, além do muro, que é uma vergonha, as remoções voltaram à pauta.Todo o processo é capitaneado pelas Organizações Globo, com campanha diária no RJTV, no jornal O Globo, sempre focalizando a pobreza como detrito, como algo que conspurca o ambiente. E tudo em nome dos grandes negócios privados, uma vergonha.O Rio de Janeiro talvez esteja passando pelo seu pior momento desde Lacerda. Parece uma volta com força total da UDN, terrível.

Meu comentário: Sobrou para o Lacerda. As pessoas têm que viver com dignidade e muitas dessas favelas não existe a mínima condição para esse tipo de convívio. A construção de muros é um limite para que a favela não se expanda, ameaçando, inclusive, o meio ambiente. Por exemplo, da Lagoa Rodrigo de Freitas, na zona sul do Rio dá para se ver a favela da Rocinha chegando aos recantos da Gávea. E dona Vera ataca o governo Carlos Lacerda no Rio de Janeiro. Ele foi o primeiro governador da Guanabara após a inauguração de Brasília, em 1960 e, em sua gestão, foram removidas 12 favelas na zona norte e uma na zona sul do Rio. Lacerda construiu a Cidade de Deus para assentar os favelados. O modelo, como bem se sabe, não deu certo.
Todavia, é inquestionável que Lacerda foi um grande gestor e construtor de obras públicas.

Obras de Lacerda:

Construção da 2ª Adutora do Guandu, considerada a "Obra do Século", em defesa da qual amargou a adversidade e a ação negativa do governo federal, por exclusivas razões de cunho partidário.
No setor viário, a construção do Rebouças, o maior túnel urbano do mundo, e do túnel Rubens Vaz; o término do túnel Santa Bárbara há 14 anos inconcluso; a implantação dos viadutos dos Fuzileiros, Marinheiros, DeI Castilho, Cintra Vidal João XIII, Laranjeiras, Lagoa, Cosme Velho, Rio Comprido, Benfica, e o Park-way Faria Timbó.
Contratação do famoso urbanista grego Doxíadis, que apresentou um Plano de Urbanização, do qual resultou a concepção das vias expressas denominadas linhas policrômicas (vermelha, amarela, verde, etc) e elaboração de projeto da estrada litorânea Rio - Santos, num traçado que se desenvolve numa das regiões panorâmicas mais belas do mundo.
A conclusão das obras do Estádio do Maracanã, a criação do Fundo de Garantia do Atleta Profissional - FUGAP, e a recuperação do Teatro Municipal, realizações que tivemos a honra de dirigir.
Dentre incontáveis obras de reurbanização, a construção do maior parque urbano da América do Sul, com 1.200.000 m2 de área, no Aterro do Flamengo; do Parque Ari Barroso na Penha; do Parque Lage, preservado e tornado acessível ao público; da recuperação da Quinta da Boa Vista, do Jardim Zoológico e das praias de Ramos, Cocotá, Botafogo e FIamengo, bem como o asfaltamento de 830 km de ruas da cidade e o lançamento de 700 km de esgotos sanitários.
A área cultural foi aquinhoada, entre outras, com a construção da Sala Cecília Meirelles e do Museu da Imagem e do Som.
No campo da política habitacional, a construção das Vilas Kennedy, Aliança e Esperança, que possibilitou a aquisição de casa própria a 44.000 ex-favelados, e dos conjuntos residenciais de Marquês de São Vicente, Álvaro Ramos e Santo Amaro e conclusão do de Vila Isabel.
Remoção parcial de 16 e total de 12 favelas, com remanejamento de 5.966 famílias, merecendo registro a transformação da favela do Esqueleto no "campus" da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ e o desmonte da favela do Pasmado, medidas corajosas que caracterizaram uma política eficaz, que se não houvesse sofrido solução de continuidade, sem dúvida os graves problemas de segurança que hoje afligem a população carioca não teriam atingido o grau de calamidade a que hoje assistimos.
O setor de Educação foi contemplado com a criação da Fundação Otávio Mangabeira - FOM, que propiciou a construção de 230 escolas de nível primário, abrigando 446.844 alunos, e de 40 ginásios de ensino médio, acrescendo-se 53.726 postos de matrícula, a par da concessão de 43.000 bolsas escolares e 3.195 matrículas no ensino normal.
Criação da Cia. de Transportes Coletivos - CTC, com recuperação de 160 ônibus elétricos, aquisição de 400 ônibus Diesel e racionalização do trânsito de veículos, projeto que teve repercussão internacional.
Implantação da CETEL, cobrindo área majoritária da cidade não atendida pela concessionária, Cia. Telefônica Brasileira, e criação da Cia. Progresso do Estado da Guanabara - COPEG, que proporcionou auxilio financeiro a 121 indústrias e emprego a milhares de trabalhadores cariocas.
Na área da Saúde, um substancial aumento de 1.309 leitos, resultante da construção de novos anexos dos hospitais Miguel Couto, Souza Aguiar, Moncorro Filho, Getúlio Vargas, Rocha Faria, Salgado Filho, Oliveira Kramer, Instituto de Cardiologia Eduardo Rabelo e Maternidade Herculano Carneiro, obras secundadas pela reforma em toda a rede hospitalar do Estado.
Recuperação econômico-financeira do antigo Banco da Prefeitura, transformado em Banco do Estado da Guanabara - BEG, na época, a oitava instituição bancária do país, tendo sido construído um moderno prédio para sua sede e instaladas 36 agências, com filiais em São Paulo, Belo Horizonte e Niterói.
Remodelação do corpo marítimo de salvamento e modernização dos equipamentos do Corpo de Bombeiros.
Construção de usinas para industrialização do lixo, em Bangu e Irajá, e substituição da frota de veículos coletores de lixo, possibilitando a normalização dos serviços de limpeza pública.
No campo administrativo, foram implantadas as Regiões Administrativas, visando a um processo de descentralização da gestão governamental; foi adotada a oficialização da Justiça e estabelecido o sistema de mérito no Estado, com a realização de mais de 200 concursos para ingresso no Serviço Público Estadual, tendo sido criada para isso, a Fundação Escola do Serviço Público - FESP.


Na Veja on line descubro o seguinte:

Em 1960, a cidade tinha 3,3 milhões de habitantes e crescera quase 40% nos dez anos anteriores. Havia 147 favelas, onde viviam 10% da população. A precariedade era retratada com bom humor em ditos como "Rio, cidade que me seduz, de dia falta água e de noite falta luz", mas a insatisfação era crescente. Lacerda fez seu plano de governo baseado na pauta que estava evidente desde o início dos anos 50. "Não houve nenhuma solução genial", diz Perez.
Na Tupi, em um dos inúmeros pronunciamentos pela TV: o dom da oratória como arma no governo
O dinheiro para essa montoeira de obras não veio do exterior, como se costuma alardear. O Banco Mundial financiou 42% da adutora de Guandu, ainda hoje responsável pela maior parte do abastecimento de água da cidade – o restante foi pago pela correção da tarifa, congelada desde 1947. Também não veio de nenhum tarifaço, e sim do prosseguimento da correção de impostos que começou na década anterior, como demonstra Perez em inúmeros gráficos e tabelas. A educação mereceu atenção especial. No governo Lacerda, construíram-se escolas e contrataram-se professores em ritmo acelerado. O resultado foi o fim do déficit de vagas no ensino primário, algo inédito nos anos 60. O governador comemorou com um decreto que previa processo contra os pais que não matriculassem seus filhos na escola.
A remoção de favelas é o capítulo mais polêmico da administração Lacerda. Em seu governo, foram removidas doze favelas, a maior parte na Zona Norte da cidade, e apenas uma na Zona Sul. Numericamente é pouco, e ele não foi o primeiro governante a tomar essa acertada medida. Mas não há dúvida de que foi durante seu mandato que essa política ganhou impulso, inclusive com a construção de seu mais conhecido símbolo: a Cidade de Deus, conjunto habitacional que sintetiza todas as mazelas desse modelo. Foi erguida numa região distante do centro do Rio, sem infra-estrutura alguma de transporte, demonstrando a despreocupação com esse aspecto. Evidentemente não se pode atribuir a Lacerda total responsabilidade pelos problemas atuais, num estado em que a decadência econômica e a demagogia dos governantes só agravaram o problema habitacional. Mas esse é um ponto importante e relativamente pouco analisado no texto – talvez porque pertença a uma seara urbanística com forte componente ideológico na qual o autor se sente menos à vontade. "Pretendi apenas mostrar que ele não era um demônio", diz Perez.


Os Muros da Favela


Operário em obra do muro no Morro Dona Marta: paredões de 3 metros contra invasões

A favela no limite
Revista Veja desta semana
A foto acima mostra um marco histórico. Feita no alto do Morro Dona Marta, em Botafogo, na Zona Sul do Rio de Janeiro, ela retrata uma radical mudança de atitude do poder público em relação às favelas. O governo do estado decidiu erguer muros de 3 metros de altura para impedir que os barracos avancem em direção à mata ou se dependurem em áreas de risco. Não demorou para que a iniciativa fosse crivada de críticas, dando conta de que a intenção das autoridades só poderia ser segregar os pobres. O caso ganhou repercussão internacional. Surgiram comparações com o Muro de Berlim e o da Palestina, para ficar em apenas dois exemplos citados em seu blog pelo escritor português José Saramago. E disseminou-se a ideia estapafúrdia de que as favelas seriam integralmente cercadas, ganhando feições de cidadela medieval. O suplemento de turismo do jornal espanhol El País chegou a publicar que os muros têm por objetivo esconder as favelas, e uma jornalista francesa procurou assessores do governo para saber que tamanho teriam os portões de acesso aos morros. Houve quem se preocupasse com o aspecto mais formal da história, defendendo a substituição dos muros por cercas vivas, e estabeleceu-se uma celeuma em torno de que espécie de planta seria mais adequada para essa finalidade. Nesse campo fértil para desvarios, a discussão ganhou um viés ideológico que desviou a questão de seu foco principal: a necessidade de conter o avanço das favelas.
Os que são contrários à ideia lembram que as favelas, principalmente as da Zona Sul, crescem pouco para os lados. A maior expansão dá-se verticalmente – há edifícios de mais de dez pavimentos em algumas delas. As que foram selecionadas para o projeto realmente aumentaram muito pouco sua área. Avançaram apenas 1,18% entre 1999 e 2008, segundo o Instituto Pereira Passos (IPP), ligado à prefeitura do Rio. O que não se leva em conta nesse raciocínio é que essa expansão ocorreu em favelas enormes, infladas por anos de descaso. E que qualquer crescimento é prejudicial à cidade. "A sensação de expansão da desordem produz um prejuízo gigantesco para o Rio. O fato de a favela estar avançando causa insegurança e desvaloriza o patrimônio da cidade como um todo", avalia o economista Sérgio Besserman, ex-presidente do IPP. Não se trata, portanto, de ser contra ou a favor do muro em si. É óbvio que seria muito melhor se ele não fosse necessário, assim como é óbvio que, se não houver fiscalização, nenhuma barreira física impedirá novas invasões. O que o muro simboliza é a decisão de encarar com a devida seriedade o problema das favelas.


O CAOS AVANÇA Barracos tomam conta da paisagem no Morro Dois Irmãos: prejuízo para a imagem do Rio de Janeiro.

Pesquisa do instituto Datafolha divulgada na semana passada mostrou que os cariocas entenderam muito bem a ideia central da empreitada. A maioria (60%) não caiu na esparrela de que o objetivo do muro é separar ricos e pobres. E 51% dos entrevistados de menor poder aquisitivo aprovam o muro, enquanto no resultado geral 47% são a favor do projeto e 44% contra – um empate técnico, em razão da margem de erro. Na primeira etapa do projeto, estão previstos 14,6 quilômetros de muro – pouco mais que a extensão da Ponte Rio-Niterói – e serão contempladas treze favelas (veja o quadro). Os paredões seguirão o mesmo traçado dos chamados ecolimites, definidos há quinze anos. Em favelas como a Rocinha, eles foram solenemente ignorados. Existem mais de 400 barracos fora da cerca que demarca os ecolimites, num desrespeito que prejudica não só o meio ambiente, mas também a qualidade de vida dos moradores. Não há como planejar saneamento, abastecimento de água, fornecimento de energia ou dimensionar a coleta de lixo se os barracos continuarem se alastrando.
Esta não é a primeira vez que se fala em murar as favelas do Rio. Em 2004, após uma guerra entre traficantes na Rocinha, o então vice-governador Luiz Paulo Conde defendeu a construção de paredões de 3 metros de altura em quatro favelas. O objetivo era proteger o meio ambiente e evitar que bandidos fugissem pela mata durante as ações policiais. Enfraquecido pelas críticas que recebeu, Conde recuou. Se tivesse levado o plano adiante, talvez os 89 barracos que naquela época ultrapassavam os ecolimites da Rocinha não tivessem chegado aos 415 de hoje. Outros governantes nem sequer tentaram conter o avanço. Ao contrário, por décadas o que houve foi estímulo à ocupação irregular da cidade. Esse ciclo perverso se acentuou nos anos 80, principalmente a partir da gestão Leonel Brizola, que defendeu a manutenção dos barracos e concedeu indistintamente títulos de propriedade a favelados, numa política movida pelo espírito nefasto de que favela não é problema, é solução. A partir daí, a favelização ganhou tamanho impulso que se transformou num negócio lucrativo para aproveitadores em geral e políticos em particular. Tal negócio se baseia numa lógica cruel, que mantém a população na miséria e rende dividendos aos espertalhões. Os políticos fazem questão de manter serviços públicos precários ali, porque montam centros assistencialistas e ganham votos. E os "donos" das favelas – que podem ser traficantes ou grupos chamados de milícias – se valem de seu poder de fogo para praticar toda sorte de ilegalidades e manter os moradores sob seu domínio.

O escritor José Saramago atacou o projeto: viés ideológico

O comportamento irresponsável dos governantes tem sido motivo de queixas ouvidas pelo prefeito da cidade, Eduardo Paes. Segundo ele, moradores de bairros contíguos aos morros reclamam que o poder público historicamente faz melhorias em favelas e negligencia a cidade que paga impostos. "Com isso, áreas degradadas avançam sobre o tecido urbano consolidado e o destroem. É preciso inverter esse fluxo, fazer com que a ordem existente na cidade formal se estenda às favelas", diz. Esse quadro só será mudado quando essas áreas estiverem sujeitas às mesmas regras que valem para o restante da cidade. Integrar as favelas, portanto, é um desafio que passa pelo estabelecimento de normas. Para se ter uma ideia do trabalho que há pela frente, apenas 23 das quase 1 000 favelas do Rio têm regras para construção estabelecidas pela prefeitura. Felizmente, parece ter chegado a hora de começar a mudar essa triste realidade. Tanto a prefeitura do Rio quanto o governo estadual vêm demonstrando coragem para enfrentar sem demagogia o grave problema das favelas. Diz o governador Sérgio Cabral: "Esse é o muro da inclusão, e não da segregação. Ele significa o fim da omissão do poder público".