Diversidade, Liberdade e Inclusão Social

Foto: Obama, Cameron e Helle Thorning-Schmidt


sábado, 27 de dezembro de 2008

Feliz 2009


Estou indo para La Praia. Pode ser que eu blogue. Pode ser que não. Quem sabe?
Ontem estive no Museu Iberê. Que espaço legal. Tirei fotos. Vou publicar por aqui.
Se eu não aparecer até o Reveillon desejo a todos um maravilhoso e feliz 2009.
Que seja melhor que 2008, 2007, 2006, 2005.....


sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Charges Natalinas


Angeli




Glauco








A Culpa é do Bloqueio


Fidel em janeiro de 1959. Ele continua no poder. A desculpa é a mesma de sempre: o bloqueio.

Concordo integralmente com esse artigo do Kennedy Alencar publicado ontem na Folha. O bloqueio americano a Cuba é a justificativa que a dinastia Castro tem para manter a ditadura. O fim do bloqueio pode significar o fim da .... ditadura.

Cuba Libre

O fim do bloqueio americano a Cuba é parte da estratégia brasileira para fortalecer sua liderança na América Latina. Ao fazer apelos a Barack Obama para encerrar o embargo à ilha caribenha, Lula mira sobretudo vizinhos do barulho, como o boliviano Evo Morales, o equatoriano Rafael Corrêa e o venezuelano Hugo Chávez.

Um gesto do novo presidente americano em relação a Cuba desarmaria espíritos. Tiraria gás do espírito antiamericano turbinado pelos oito anos de George W. Bush. Daí a aposta do governo brasileiro, vista por muitos como uma injustificada defesa de uma ditadura.
Para início de conversa, convém cobrar que Cuba pare de desrespeitar direitos humanos, libertando presos políticos e deixando de sufocar a oposição. Lula tem dado conselhos reservados para que Raúl Castro, sucessor do irmão Fidel, caminhe nessa direção. No entanto, a falta de liberdade em Cuba não é motivo razoável para sustentar um embargo criado em 1962.
Os EUA mantêm em Guantánamo uma máquina de tortura que afronta todo o sistema jurídico internacional. Afronta valores fundacionais do grande país que os EUA são. A doutrina de combate ao terror de Bush, além de equivocada, porque invadiu um país errado pelos motivos errados, é tão recriminável sob a ótica dos direitos humanos quanto a ditadura castrista.
Sustentar o bloqueio reforça o discurso Davi contra Golias que o regime usa para estimular a "resistência psicológica" da população. O fim do embargo reduziria a dependência dos petrodólares de Chávez e geraria uma prosperidade eficaz para democratizar Cuba.O fim do embargo não é esquerdismo romântico. Obama tomaria um decisão de estadista, acabando com algo que prejudica mais o povo do que o governo. Fortaleceria na América Latina a liderança do Brasil, um aliado maduro. Começaria 2009 à altura de seus desafios.

Investindo em C & T


A crise e a pesquisa industrial

Luiz Eugenio Araújo de Moraes Mello

Poucos sabem, mas Basf e AGFA tem "anilina" no nome. Ambas surgiram como produtoras de corantes à base de anilina durante a revolução industrial, que teve origem no final do século 19 e que fomentou pela primeira vez no mundo a pesquisa na indústria.

No entanto, apesar de "anilina" constar do nome de ambas, é pouco provável que alguém que esteja lendo este texto tenha comprado anilina desses fabricantes. Como muitas outras indústrias, ao longo do tempo, Basf e AGFA se adaptaram aos novos mercados. Modificaram seu leque de produtos em consonância com as necessidades dos mercados e dos novos tempos.

Pesquisa industrial por si só não é garantia de sobrevivência para nenhuma empresa no mundo moderno. Mesmo ampla em termos de aporte financeiro e da qualificação de cientistas envolvidos, a pesquisa industrial feita pela RCA e pela Westinghouse não impediu que ambas fossem deslocadas por companhias mais eficientes e competitivas. Por outro lado, não foi a presença da pesquisa nessas empresas que as eliminou do mercado.


Já a ausência de pesquisa industrial parece ter sido um componente importante para a extinção da indústria siderúrgica norte-americana.Em 1960, convidado a falar em uma reunião anual da indústria siderúrgica norte-americana, o assessor cientifico da Presidência dos Estados Unidos vaticinou: "Não entendo por que vocês me convidaram para falar sobre pesquisa, tendo em vista que vocês não fazem nada nesse sentido" (referindo-se a pesquisas de relevância)."No ritmo atual e caso não ocorram mudanças, vocês estarão fora do negócio em 20 anos".


De fato, no início da década de 1980, cerca de 320 mil funcionários das companhias siderúrgicas norte-americanas (75% do total) haviam perdido seus empregos.Não é fácil para uma empresa, entre ações de efeitos imediatos e palpáveis e investimentos em um futuro aparentemente incerto, decidir-se pelo último cenário.Os cortes anunciados pelas diversas empresas no Brasil e no mundo são certamente uma parte necessária do ajuste essencial para sobrevivência em um cenário de diferentes níveis de demandas, preços e taxas de câmbio.Ainda no caso norte-americano, não deixa de ser notável que uma das promessas da General Motors para se habilitar a novo aporte de recurso do governo dos EUA seja um carro híbrido elétrico/gasolina.Nesse caso, fica claro que o fiador do empréstimo de US$ 25 bilhões é, em última análise, fruto do investimento da companhia em ciência e tecnologia (C&T) realizado em anos anteriores.O investimento empresarial em ciência e tecnologia empreendido no Japão, na Coréia, em Cingapura e nos Estados Unidos é sempre significativamente maior que o investimento governamental.

No Brasil, essa situação é invertida. Aqui, como porcentagem do PIB, esse montante é três vezes menor que em Cingapura e quase sete vezes menor que no Japão.Em virtude disso, não é estranho estarmos tão distantes em depósitos de patentes nos EUA quando comparados com esses países. Mesmo na sempre surpreendente China, o setor empresarial investe mais que o dobro em C&T do que o governo chinês.

Investir em C&T não é a garantia de sobrevivência para nenhum empreendimento. Não investir em C&T é certamente uma sentença de morte para qualquer empreendimento que pretenda manter-se ativo em longo prazo.Os cortes de curto prazo das indústrias no Brasil deveriam ser acompanhados de uma revisão nas suas estratégias de C&T no longo prazo. As profecias do assessor científico de J. F. Kennedy parecem ser tão válidas hoje como há quase 50 anos.


Artigo publicado na Folha de hoje de LUIZ EUGENIO ARAÚJO DE MORAES MELLO , 51, graduado em medicina, mestre e doutor em biologia molecular, com pós-doutorado em neurofisiologia pela Universidade da Califórnia, em Los Angeles (EUA), é pesquisador da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), presidente da Federação de Sociedades de Biologia Experimental (FeSBE) e membro titular da Academia de Ciências do Estado de São Paulo.

O Mundo Nâo É Mais O Que Era Antigamente


Quem diria, 2008

Fernando Gabeira


Todos os anos faço um balanço, tiro conclusões. Em 2008 fico devendo. Depois de uma campanha eleitoral de seis meses, parei alguns dias para estudar e concluí: o mundo em que vivia, sob muitos aspectos, já não existe mais.


Todos prevíamos um tipo de crise. Aterrissagem suave ou dura nos EUA? Até que ponto vão se endividar mais? Não previ o quase colapso do sistema. Não vou me culpar por isso; os economistas também falharam. Há sempre a tentação de empurrar a própria agenda na crise.


Energia, sustentabilidade, redução de emissões.

Os que optam pelo Estado anunciam sua volta triunfal. Lembram-me um ministro húngaro: antes uns fanáticos nos garantiam que o Estado resolve tudo; agora vieram outros fanáticos, dizendo que o mercado resolve tudo. É a melhor combinação dos dois que está em jogo.Se a economia nos chocou, a política nos encheu de esperança. Teremos de novo os Estados Unidos na luta contra o aquecimento, renovando em energia, empenhando-se conosco nas soluções diplomáticas para os conflitos no mundo. Obama escolheu dois homens capazes para ciência e para energia.Evitei discutir 68. Indiretamente, acertei. Tanto falamos de 68 em 2008 e não sabíamos ainda do surgimento de uma crise que só acontece duas vezes num século. Talvez tenhamos de começar a contar também os aniversários desse ano. Nele as coisas vieram da economia, que mexe com a sobrevivência. Em 68, emergiam as questões ligadas à liberdade. Necessidade e liberdade, outra combinação delicada.Obama é uma referência mundial. Até que ponto vai domar a crise, achar novos caminhos, combinar a necessidade de decidir com o reconhecimento de que nem tudo está claro? Tarefas para um novo tempo. E um novo tipo de governo: mais aberto à vida real.
Folha de hoje.

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Queime Depois de Ler







Todo mundo me disse que é um filmaço. Eu estava cheio de expectativa. O cinema é novo do tipo arena. Quem fica no meio assiste a tela bem em frente. O volume do som passa dos limites, mas tudo bem. Vivemos mesmo num mundo de surdos. Gosto muito dos irmãos Cohen. "Onde os fracos não tem vez" é dez. Entrei no cinema escolhi uma cadeira legal e pensei: "Queime depois de ler" deve ser um filmão.

Nem tanto, nem tanto. O filme é bom. É uma trama. Ela se enrola. O Malkovich é um agente da CIA e pede demissão (na verdade, é demitido) e resolve escrever suas memórias. O casamento dele não anda legal. Sua mulher, a Tilda Swinton é amante do George Clooney que tem várias amantes, uma delas é a Frances McDormand que é amiga do Brad Pitt. Frances e Brad trabalham numa academia e o CD das memórias do Malkovich aparece no banheiro da academia.

São informações relevantes e importantes. Frances sonha em fazer várias plásticas. É a chance de ganhar dinheiro.... O fim é trágico porque as pessoas morrem. Todos morrem nos filmes dos Cohen. Eles gostam de jogar com o lado trágico e cômico da morte.

Sai do cinema meio confuso. Era quase meia noite e as lojas do novo shopping estavam abertas.

Um Post Natalício




Pensei em escrever uma mensagem de natal. Mas está difícil bloguear. A pior coisa do mundo é você fazer um post e não conseguir postar. É terrível. E quando se aperta o botão "publicar postagem" dá uma mensagem de ERRO - Não foi possível processar sua solicitação. Tente novamente. Dá uma raiva tremenda. Mas hoje é véspera de natal e é dia de festa. É dia de comer bem, beber bem e comemorar. E, portanto, já que está difícil bloguear hoje eu desejo a todos um feliz natal. Aproveitem a festa. E tenham juízo.

Angeli


Vestibular Ideológico


Márcio Pochmann, presidente do IPEA

Ipea sob risco

Concurso com viés ideológico coroa mudanças negativas que colocam em risco a credibilidade do instituto.

Caminha a passos largos a reformulação do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), abrigado na Secretaria de Assuntos Estratégicos, do ministro Roberto Mangabeira Unger. Infelizmente trata-se de uma mudança para pior.


Desde a posse do economista Marcio Pochmann na presidência do órgão, em agosto de 2007, diversas medidas ameaçam a imagem de isenção e excelência técnica da repartição governamental, que conta com mais de 40 anos de tradição.


Publicações de referência foram modificadas -como o Boletim de Conjuntura. Foram afastados economistas que não se alinhavam à doutrina de Pochmann. O último lance nessa direção foi o recente concurso público para a seleção de 62 novos pesquisadores.

Em vez de ater-se a conteúdos objetivos, a prova incluiu testes que requeriam posicionamento ideológico sobre projetos defendidos pelo governo e pelo PT. Candidatos deveriam aderir a pregações contra o "neoliberalismo" e a globalização.


As transformações implementadas por Pochmann têm outros aspectos questionáveis. Com remunerações generosas oferecidas aos ingressantes, os princípios de progressão na carreira ou de promoção baseada em mérito ficam prejudicados.

Salários iniciais de R$ 10,9 mil deixam pouca margem para a evolução na carreira. A remuneração atraiu grande número de interessados, mas não necessariamente familiarizados com as exigências de um instituto de pesquisa econômica: o pré-requisito da seleção era o diploma de graduação em qualquer área de conhecimento.
Assim, o maior e mais heterodoxo concurso da história da instituição reuniu quase 13 mil inscritos. Para um dos 15 cargos oferecidos, houve 308 candidatos por vaga.
A introdução de um filtro ideológico para a admissão à instituição se opõe ao espírito de impessoalidade e profissionalismo que deve reger a administração pública. O Ipea é um órgão técnico destinado à análise metódica de problemas econômicos e sociais, capaz de respaldar a formulação de políticas públicas. Deve privilegiar a excelência na formação de seus quadros, independentemente de afinidades partidárias ou convicções dogmáticas.O corpo de economistas e analistas de um instituto de pesquisa econômica e social aplicada precisa ser plural, gozar de autonomia e liberdade de pensamento. A natureza de seu trabalho é incompatível com a censura ou a implantação de uma única linha de pensamento.


Com a mudança em curso, a direção do Ipea coloca em risco um prolongado investimento institucional, responsável pela credibilidade que o órgão granjeou.
Editorial da Folha de hoje.

Déficit Zero e as Pressões das Minorias Participativas




É alto o custo político de equilibrar as finanças públicas. Governo que busca austeridade contraria os eternos interesses das minorias corporativas. São grupos que possuem poderes políticos muito maiores do que sua relevância social, são as chamadas "minorias participativas". Esses grupos têm poder sobre o parlamento e sobre o Executivo. Eles são grupos de pressão. Quando o Estado não tem grana é a sociedade como um todo que perde. Deve interessar a alguém o desequilíbrio fiscal. Quem? Nenhum governo no RS, nos últimos 20 anos, tentou enfrentar de cara a grave crise fiscal. Ela não é virtual, ela existe, ela impede de pagar salários dignos para professores, profissionais de saúde, brigadianos. Ela limita os investimentos, impede a construção de nossa infra estrutura, atrasa as obras. E o pior de tudo, o déficit fiscal impede o Estado de ser eficiente no serviço público à população mais carente. Governos fracos têm menor controle sobre os gastos e freqüentemente acabam por desistir do equilíbrio fiscal para sobreviver eleitoralmente. Um marketing bem feito pelos grupos de interesse faz a opinião pública acreditar que ajuste fiscal é algo socialmente danoso. Nossos gastos com custeio de pessoal são altíssimos. Existem muitas excentricidades e injustiças nas contas públicas. Elas são como caixas pretas, onde não se pode mexer. Elas devem permanecer intactas, segundo os defensores do status quo. Quando se prioriza o gasto corrente em detrimento de investimentos, deixa-se uma dívida injusta para as gerações futuras, que não estão aqui para se defender de tais irresponsabilidades intertemporais.Mas o RS está mudando. As pessoas estão tomando consciência desses fatos. Estamos conseguindo um certo amadurecimento democrático. A sociedade está começando a entender esse conflito de interesses entre a burocracia estatal e o setor produtivo e já não tem tolerado tanto falsos discursos “em defesa do interesse público”, que na prática geralmente oneram o contribuinte. Neste sentido o déficit zero representa um avanço institucional de fato. O custo político no curto prazo é elevado, mas, se mantido, mostrará que os ganhos sociais compensam no longo prazo.





Para escrever este post contei com a ajuda de artigo do Eduardo Lamas publicado na ZH.

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Marxistas, Marxianos e Marxólogos


O Marxólogo Raymond Aron (1905/1983)

Você sabe a diferença entre Marxista, Marxiano e Marxólogo?

Marxista - São os ortodoxos. Aqueles que acreditam piamente na dialética da luta de classes.

Marxiano - É o indíviduo ou proposição que se remete ao pensamento de Marx sem pertencer à interpretação ortodoxa do marxismo.

Marxólogo - Os especialistas no conhecimento e na interpretação científica do pensamento de Marx.

Fonte: O Marxismo de Marx do Raymond Aron.

O Suplício do Papai Noel




A Cosac Naify acaba de publicar, oportunamente para as festas de fim de ano, um ensaio inédito em português do antropólogo francês Claude Lévi-Strauss sobre o significado de Papai Noel e do Natal. A empreitada pode parecer simpática, porém prosaica, à primeira vista. Trata-se, no entanto, de um lance de enorme pretensão de um dos maiores pensadores do século 20. Publicado em 1952, "O Suplício do Papai Noel" procura aplicar os princípios metodológicos da antropologia estrutural, criada e testada na lida com outras sociedades, a uma prática moderna e ocidental.


Claude Lévi- Strauss


Lévi-Strauss antecipava-se assim, em décadas, ao projeto de pensar as sociedades industrias a partir de suas relações e diferenças com as chamadas sociedades "primitivas" ou "tradicionais", projeto que tem sido levado à frente, mais recentemente, por figuras de ponta da disciplina, como o norte-americano Roy Wagner e a britânica Marilyn Strathern. Papai Noel surge no início do ensaio, em notícia de jornal, com as barbas e o resto do corpo queimados. A Igreja Católica francesa, pouco depois do final da Segunda Guerra e incomodada com o crescimento em importância desta figura ao mesmo tempo pagã e norte-americana, andou promovendo umas cerimônias curiosas, em que ateava fogo ao barbudo, dentro de igrejas e diante de criancinhas órfãs.


Importância


A igreja, com sua experiência no assunto, não costuma errar ao atribuir valores significativos a manifestações sociais, diz o antropólogo francês. E o significado de Papai Noel e do Natal moderno são capitais, ele diz. Como compreendê-lo? Primeira operação: nas festas natalinas, desde os tempos das comemorações pagãs em celebração do solstício de inverno e da "volta" gradual da vida após o auge da escuridão, as sociedades costumam perder, ao menos simbolicamente, a divisão tradicional que as caracteriza -em classes ou grupos sociais hierarquicamente diferenciados. Trata-se, afinal, de uma festa de "reunião e comunhão". Lévi-Strauss faz aqui, explicitamente, uma aproximação entre o Natal e o Carnaval, no abandono temporário, ainda que simbólico e parcial, das distinções "verticais" de uma sociedade, o que pode em princípio causar alguma estranheza. É interessante, por isso mesmo, encontrar aproximação semelhante num artigo de 1940 escrito por Graciliano Ramos, recolhido no livro "Viventes das Alagoas" (Record). "No interior, tudo é diferente", ele escreve. "Nem francês de barbas, nem árvore com frutos enrolados em papel de seda, poucas mesas fartas, ausência de piedade". Após chamar o Natal sertanejo de "festa profana", o escritor alagoano a descreve assim: "Uma grande feira, tem muito do carnaval e dos torneios artísticos".


Troca de distinções


Pois bem, em lugar da divisão socioeconômica e hierárquica, continua Lévi-Strauss, lança-se mão temporariamente de uma nova divisão simbólica: desta vez entre crianças, que receberão os presentes, e adultos, que trabalharão para a manutenção do segredo que cerca a não-existência de Papai Noel. Cumpre ao velhinho, portanto, ao mesmo tempo separar (uns, adultos, conhecem a sua não-existência; outros, crianças, nele acreditam) e unir esses dois grupos (os presentes passarão de uns a outros por suas mãos). Segunda operação: encontrar outras relações, diferentes da divisão original promovida por Papai Noel, que com ela se relacionarão, que darão sentido a essa divisão entre crianças e adultos. É isso, uma analogia, de certo modo a forma geral de qualquer significado, para Lévi-Strauss. Na troca de presentes, crianças e adultos estão em relação com o quê? Com a morte e com a vida, para dizer de uma vez. Trata-se de uma questão desta magnitude, segundo o antropólogo. O trabalho do artigo será mostrar que as crianças podem justamente significar a morte (usando exemplos de outros costumes e festas, mas também apoiado na lógica de que ambos são figuras de um "outro", de uma alteridade em relação aos adultos, passando pela representação, mais fácil, de pequenos anjinhos), e que há um sentido em lhes dar presentes. Colocando-as nesse "lugar simbólico", lugar que fica no além, garantimos, ainda que precariamente, nossa vaga do lado de cá, e reforçamos, digamos assim, nossa relação com a vida, esse valor constantemente ameaçado. "Sem dúvida, há uma grande distância entre a prece aos mortos e a prece repleta de conjurações que, todos os anos e cada vez mais, dirigimos às crianças -encarnação tradicional dos mortos- para que, acreditando no Papai Noel, elas consintam em nos ajudar a acreditar na vida", escreve o antropólogo. "A crença que inculcamos em nossos filhos de que os brinquedos vêm do além oferece um álibi ao movimento secreto que nos leva a ofertá-los ao além, sob o pretexto de dá-los às crianças. Dessa maneira, os presentes de Natal continuam a ser um verdadeiro sacrifício à doçura de viver, que consiste, em primeiro lugar, em não morrer." Que lição se pode ainda extrair desse estranho conto de Natal? Lévi-Strauss nos apresenta, aqui e em toda a sua obra, uma dialética que não comporta síntese. O significado sempre une sem igualar, e distingue sem cindir. O encontro final entre termos, idéias e grupos relacionados -ou seja, o fim da diferença entre eles- representaria o fim da possibilidade de sentido ou, dito de forma mais dramática, a morte. Gente que leu Lévi-Strauss a sério nos oferece hoje, tantos anos depois desse ensaio, as mais interessantes propostas interpretativas das sociedades industriais. Leituras que conseguem evitar a pulsão de morte de certas dialéticas -de direita ou de esquerda- que buscam ou, pior, já encontraram, algum fim para a história.


Artigo de Rafael Cariello na Folha de hoje.

Show da Xuxa Para Marmanjos?


"Like a virgin"
Fernando de Barros e Silva

Tudo bem, eu confesso: fui ver Madonna. O ingresso dizia que o espetáculo era proibido para menores de 12 anos, mas a idade mental de tudo aquilo parecia pertencer à mesma faixa etária. Tive a sensação de participar de um show da Xuxa para marmanjos.Do começo ao fim, o deleite do público é moderado. Nada de multidão em fúria, explosões de alegria ou agressividade. A histeria é pouca e localizada. Não há pessoas em transe ou ápices de prazer. Na festa comportada de Madonna, Dionísio foi barrado. O verbo entreter nunca soou tão adequado.Ambulantes passam vendendo cerveja em lata, coca-cola, picolé: "Tudo cinco real, dotô. Preço tabelado". O que são "cinco real" para quem pagou 160, 300, 600 reais para ter acesso ao Playcenter? Afundo feliz no meu Chica-Bon tabelado.As pessoas se divertem enquanto Madonna trabalha. E isso significa menos cantar do que queimar calorias. Além da parafernália de luzes e efeitos visuais, da estética monumental e kitsch do espetáculo, dos clichês interativos, o que mais chama a atenção é a performance física de Madonna. Aos 50, sugere ter 20.Como Michael Jackson se transfigurou para evitar o mundo adulto, Madonna se recusa a envelhecer. Impõe a si mesma uma rotina de monge aeróbico. O que em Jackson denota loucura, nela surge como resultado de uma vida sã. Ela não é "sarada"? No palco, parece a professora exercitando alunos fora de forma. É a atleta da indústria cultural.O público a filma sem parar com câmeras e celulares, lembrando turistas japoneses no Louvre. Querem guardar antes de ver. No camarote de uma empresa de telefonia, políticos se juntam a artistas e colunáveis. Oposição e governo se confraternizam na quizumba vip. A imagem dos namorados Manuela D'Ávila e José Eduardo Cardozo com a camiseta da Claro é chocante. Ela é do PC do B. Ele é do PT, "ala ética". Tudo bem, o governo acaba de facilitar a vida da BrOi, e isso aqui é só diversão. "Like a virgin..."
Folha de hoje.
Meu comentário: Eu gosto da Madonna. Infelizmente não fui ao show dela. Fernando de Barros e Silva tem suas excentricidades, como se vê.

E tem gente que apoia!


Chávez manda expropriar shopping center


Na volta do seu programa dominical "Alô, Presidente", Hugo Chávez determinou ontem a expropriação de um grande shopping center em construção no centro de Caracas. "Em plena Candelária, vão fazer um Sambil [a maior cadeia de shoppings da Venezuela]? Não, não e não. Quem agüenta o tráfego?", disse. "Vamos revisar tudo isso e expropriar."Chávez disse que, após a "nacionalização", o edifício abrigará um hospital, uma universidade ou uma escola. Segundo ele, a construção de um shopping ali é um "crime" e será necessário tirá-lo do governo para consegui-lo.Com seis andares, o Sambil La Candelária está quase concluído e foi projetado para ser um dos maiores shopping centers do país, com 273 lojas e dez salas de cinema.Chávez disse ainda que quer que o referendo sobre a emenda da reeleição presidencial indefinida ocorra em 15 de fevereiro.

Folha de hoje.

O "Segundo Mundo"



Falta ambição para Brasil se tornar superpotência
Parag Khanna


Entrevista do consultor de política externa de Barack Obama.



Folha de hoje.

FOLHA - O sr. defende a redefinição dos termos Primeiro, Segundo e Terceiro mundos. Chama os que fazem parte do grupo do meio de "países em transição", como o Brasil. Pode ampliar o conceito?

PARAG KHANNA - Os países do Segundo Mundo estão presos nesse grupo em termos socioeconômicos. O que os define é como lidam com a globalização, se são capazes de capitalizar as oportunidades do mercado global -como acredito que o Brasil é- ou se são vitimados por esse mercado global -como acredito que muitos países são.Os países de Segundo Mundo são os que têm divisões internas, com características de Primeiro Mundo e de Terceiro Mundo, como China e Brasil.Ambos são parte do mesmo grupo, mas a diferença é que a China tem ambições globais. Competir com os EUA e a Europa faz dela uma superpotência. Sim, você pode ter superpotências de Segundo Mundo. Para ser uma, não é preciso ser rico -a China não é rica internamente, mas poderosa.


FOLHA - O fato de um país ter ou não ambição global o define?
KHANNA - Sim. Mas a relação entre eles também é importante. A China e os EUA são superpotências, o Brasil não. Mas, se o Brasil decidir rejeitar as ofertas da China em termos de comércio e investimento, isso vai prejudicar as ambições globais chinesas.Do mesmo modo, se o Brasil decidir não cooperar com os EUA na América Latina, então as políticas dos EUA para a região serão ainda mais fracassadas do que são hoje. Meu ponto é que países de Segundo Mundo como o Brasil têm influência sobre o sucesso das superpotências, por isso têm poder.

FOLHA - Como esse conceito de Segundo Mundo difere do conceito de Brics [acrônimo criado pelo Goldman Sachs em 2001 que agrupa as potências emergentes Brasil, Rússia, Índia e China], por exemplo?

KHANNA - Há muitos problemas com o conceito de Brics. Em primeiro lugar, ele faz uma projeção para 40 anos, o que não pode ser exato por definição, especialmente no momento atual. Ele olha tão longe que é impossível refutar, mas é impossível validar também. Em segundo lugar, são apenas quatro países. Mesmo quando se diz Brics + 11, como tem acontecido ultimamente, são 15 países. Eu falo de 40 países no Segundo Mundo.Esse conceito é falho ao não levar em conta diplomacia, estratégias política e militar.

FOLHA - Um dos capítulos mais longos de seu livro o sr. dedica ao Brasil, onde já esteve. Qual sua impressão?
KHANNA - Muito favorável. A força do país está em sua economia diversificada, não só baseada nos recursos naturais mas também muito industrializada e com inovações em alguns setores. Além disso, acho positivo algumas políticas de desenvolvimento do governo. Programas como o Bolsa Família, por exemplo, são inovadores e difíceis de implantar.Na verdade, não encontrei nada similar, com tamanho sucesso, em nenhum outro lugar do mundo, com exceção talvez da China. Os dois países estão criando um mercado interno muito forte por conta disso.Por fim, a diplomacia: acho o Itamaraty incrivelmente sofisticado, a maneira com que lida com questões de comércio.
FOLHA - O sr. é um dos defensores do mundo multipolar, em que os EUA perdem poder absoluto em favor de mais participantes no diálogo mundial. Em relatório recente, a comunidade de inteligência norte-americana admite pela primeira vez esse cenário, para 2025. Eles estão finalmente ouvindo o que a intelligentsia vem dizendo há anos?
KHANNA - Você é que está dizendo que eles estão nos ouvindo, mas, se você comparar os ponto-chave deles e os do meu livro, eu escrevi antes (risos). Fui uma das pessoas ouvidas pelo relatório, na verdade. Mas pode ser que eles estivessem atrás no conceito e agora estão chegando lá.
FOLHA - Os EUA estão preparados para esse cenário?
KHANNA - O relatório aponta que em 2025 os EUA ainda serão o país mais poderoso do mundo. Diz também que o mundo será um lugar muito difícil de ser governado, que a noção de comunidade internacional será enfraquecida e que não haverá um líder definitivo.
FOLHA - Mas o sr. diz que os EUA correm o risco de se tornarem um país de Segundo Mundo...
KHANNA - Sim. Se você ligasse a TV agora e assistisse às três maiores montadoras norte-americanas de pires na mão, sendo socorridas pelo governo, discordaria de mim?
FOLHA - Nesse sentido, é bom ou ruim o fato de Barack Obama se tornar o novo presidente?
KHANNA - Bom, principalmente por conta da situação econômica e de como ela afetará o poder de ação dos EUA no mundo. Com o agravamento da crise, será cada vez mais difícil contar com corporações, ONGs, entidades beneficentes e assistência internacional -instrumentos de "soft power" que a política externa norte-americana usa para compensar a estratégia militar, que é um fracasso.
FOLHA - Que tipo de capitalismo sairá dessa crise?
KHANNA - Um capitalismo como o europeu, isso é inegável. Um modelo de capitalismo de Estado, bem regulado, mas bem dirigido, com grandes e importantes indústrias.
FOLHA - O sr. é um dos consultores do presidente eleito para o Sudeste Asiático. O que acha da promessa que fez na campanha, de ser mais agressivo em relação ao Paquistão? Prometeu, por exemplo, fazer ataques pontuais dentro do país.
KHANNA - Esses ataques já estão acontecendo sob George W. Bush, então não vejo uma grande mudança de tática. Não acho que será tão controverso assim, pelo menos não em termos de realidade política americana.

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Este País é uma Islíndia




Desigualdade faz Brasil ter índice de "Islíndia"
Elite do país vive com padrão superior ao Islândia, enquanto os mais pobres têm qualidade de vida semelhante à da Índia

Pela primeira vez, Brasil aparece no relatório da ONU como o melhor dos Brics, grupo que também inclui a Rússia, a Índia e a China

Na década de 70, o economista Edmar Bacha utilizou o termo Belíndia (mistura de Bélgica e Índia) para descrever a desigualdade brasileira. No relatório deste ano, a ONU confirma que a elite do país vive num padrão até superior ao da média da Bélgica, enquanto os mais pobres se igualam à Índia.

Se fossem considerados apenas os brasileiros que se encontram entre os 20% mais ricos, o país teria IDH superior ao da média da Islândia, país de maior desenvolvimento humano, e seu índice bateria no topo da escala: 1,000.Já considerando apenas os 20% mais pobres, o IDH do Brasil estaria no mesmo patamar do verificado, na média, para a Índia (0,600).Analisando apenas a elite, os 20% mais ricos brasileiros chegam a ter um patamar de IDH superior até ao dos 20% mais ricos da Espanha, que não chegam a atingir o topo da escala.

Em compensação, os 20% mais pobres da Espanha têm padrão de desenvolvimento humano próximo ao da média de Cuba, país com IDH de 0,855, o que significa que, na Espanha, os dois extremos se encontram num patamar de alto desenvolvimento humano, fato que não ocorre no Brasil.

O relatório deste ano alerta também que países como Índia e China, que têm verificado forte expansão de sua economia, crescem num padrão de aumento significativo da desigualdade.

Extremos

A Islândia apareceu mais uma vez no Relatório de Desenvolvimento Humano da ONU como país mais avançado, enquanto Serra Leoa foi o país com pior índice.Neste ano, o Brasil apareceu pela primeira vez como o melhor dos Brics, sigla de Brasil, Rússia, Índia e China usada para designar os países com potencial de se transformar em potências mundiais em 2020.O relatório da ONU destaca o fato de o Brasil ainda ter níveis de desigualdades altos e de Índia e China estarem crescendo economicamente, mas aumentando sua desigualdade.A análise dos indicadores IDH mostra ainda que a riqueza nem sempre é compatível com o nível de desenvolvimento humano. Os Estados Unidos, por exemplo, vêm apresentando nos últimos 26 anos avanços pífios em seu IDH.Comparando apenas o grupo de 75 nações para as quais há dados comparáveis de 1980 a 2006, os Estados Unidos caem da quarta posição no ranking de 1980 para a 14ª em 2006.

Artigo publicado na Folha de hoje.

Comentário do Blogueiro
Não foi a Islândia o país que faliu com a crise internacional????

Embriaguez Precoce


A Ira das Vinhas

"Ora, vindo a faltar o vinho, diz a mãe de Jesus para ele: "Não têm mais vinho"."(João 2,3)

A constatação não se restringe à sociedade brasileira: o consumo excessivo de álcool cada vez mais cedo é de âmbito global.

Em São Paulo, as noites de sexta a domingo testemunham multidões de jovens consumidores em suas baladas à alegria. Abastecem-se e aquecem-se nos postos de gasolina e supermercados, espalham-se brindando pelas ruas e calçadas vizinhas a casas noturnas e lotam os bares. Há as festas e raves, que só freqüentamos perplexos por meio de relatos dos filhos. Mesmo a planilha de inocentes churrascos calcula a quantidade de cerveja multiplicando-se o número de pessoas por dúzias, em vez de unidades.

Não fora a associação com o carro, que agride o direito à vida e pode tornar motoristas em homicidas, talvez tivéssemos tolerado a embriaguez precoce como o mal do novo século. O debate está instaurado, é legítimo e importa que não se arrefeça assim que se perder o impacto da novidade.

Porém, esse movimento, tal como é exposto pela mídia, pode permanecer no rodapé do problema. A análise tende ao tipo digital (sim/não) e opinativo (concordo/não concordo). É imprescindível introduzir consistência e argumentos mais complexos, na tentativa de desenhar um projeto não exclusivo da lei e da pena, mas que interaja com princípios de outra ordem. A vida de cada um e a de todos se nutre de planos direcionados ao futuro, mas o que nos permite compreender a realidade e sustentar tais projetos é o apoio no passado, na história humana que nos gerou e na cultura que nos constitui. A tradição hebraico-cristã, por exemplo, modelou padrões e valores que os presentes sucessivos se encarregam de rechaçar ou confirmar, reinterpretar e transfigurar em hábito, moral e poesia.

O primeiro milagre de Jesus, de acordo com o Evangelho de João, foi transformar água em vinho, a pedido de Maria, para que as bodas em Caná pudessem cumprir seu ritual de alegria. Deve haver na literatura bíblica críticas à embriaguez; mas em suas páginas também cabe o elogio ao prazer de viver, amar e compartilhar simbolizado pelo vinho do Cântico dos Cânticos e da Santa Ceia.

Do sábio sabor do brinde ao retrato caricato dos excessos, séculos de arte traduzem o melhor e o pior das ações humanas, mais que do álcool. Este contracena com a fragilidade do homem, com sua inquietação e liberdade, sua graça e desespero. Depois da segunda dose -diz a anedota-, qualquer um começa a sentir-se interessante; depois da terceira, crê plenamente em sua capacidade de decidir e continuar dirigindo.

Houve épocas e sociedades em que a tradição esteve apta a oferecer referências, fronteiras e respostas. Esta, em que vivemos, carece de certezas: nem fé, nem razão, nem cidadania estabilizam o desencanto nos valores e o mal-estar coletivo.É uma sociedade logicamente inconsistente, construída sobre contradições sem síntese possível.

É permissiva e superprotetora com crianças e jovens, o que adia a autonomia e a responsabilidade; a moeda corrente é o excesso, enquanto prega a virtude da temperança; cria necessidades e as descarta rapidamente; reitera o bordão do sucesso a qualquer preço e não ensina a frustração; declara a meta da felicidade coletiva e suprime que viver é viver a dificuldade; apela à força das leis e dos deveres como recurso para o caos e as adapta à interpretação individual plena de direitos.

Na confluência contemporânea entre homem e álcool -essa droga lícita e cultural-, o embate talvez só possa ser evitado por meio da educação.Educar é a possibilidade limite da humanização. Ela prevê norma e restrição, mas acredita, sobretudo, na razão e na construção do livre pensar.O homem é feito de interrogações perenes, que buscam sentido e certeza, que por sua vez se afastam ou se refazem em novas perguntas.Essa condição inquieta e livre impõe ao educador procedimentos de formação da consciência, e não apenas da contenção externa. Não há dúvidas de que as regras asseguram as condições para a socialização e o aprendizado; mas deve haver uma construção interna de valores, capaz de criar uma pessoa convicta, cujas ações são uma adesão livre ao convívio e à coletividade. A consciência implica essa adesão de dentro para fora, e tal processo é lento.A força da lei e suas sanções detêm a transgressão, mas, sozinhas, não consolidam uma ética. Não parece eficaz impedir sem motivar, sem orientar e permitir a escolha com base em um ideal de vida e sociedade.Jovens precisam sobrevoar sozinhos o espaço próximo de seus ninhos, discutir sua experiência e questionar a de seus pais e pares, para poder crescer e alçar com menor risco altitudes e longitudes novas.


Artigo de Cristine Conforti, mestre e doutora em educação pela USP, é diretora do colégio Santa Cruz, de São Paulo (educação infantil e ensino fundamental 1).

Artigo publicado na Folha de hoje.

Cheiro de Sapato Sujo


Angeli

Nossa Eterna Lentidão


Chovendo no Molhado

Fernando Gabeira


Fiz uma rápida viagem a Santa Catarina e Campos (RJ) para aprender como estamos reagindo às enchentes. Ainda há muito que estudar.Em Campos, soube que 119 casas populares, inacabadas, foram invadidas pelos desabrigados. Acontece que foram construídas para os que perderam suas casas nas enchentes anteriores.Tanto em Santa Catarina como em Campos o problema é comum: a ajuda federal custa tanto a chegar que só consegue alcançar o próximo desastre. Qual o caminho para superar este problema? Uma das fórmulas é criar um fundo nacional, evitando responder com medidas provisórias cada vez que caem as grandes chuvas.Tanto Santa Catarina como Campos têm tradição de desastres naturais. Os catarinenses produziram um atlas das principais catástrofes.Mas em nenhum lugar onde houve grandes chuvas vêem-se obras planejadas de prevenção. Uma lacuna. Outra lacuna: as forças políticas continuam considerando um humanismo lutar para que as famílias continuem morando em lugares perigosos.No auge das chuvas aqui, foi criado na Polônia um fundo internacional para adaptação das mudanças climáticas. Será gerido pelo Banco Mundial e é uma fonte para planos nacionais.Só em fevereiro/março teremos um balanço completo do que se passou no país. Uma coisa ficou clara em Campos. Quando não crê nos políticos, a população se distancia. O prefeito desapareceu e a sucessora teve suas contas bloqueadas.Sem governos respeitados, será difícil um plano nacional de adaptação e mitigação. Na verdade, tudo será difícil, pois a maioria acha essa conversa sobre prevenção uma nova versão da ecochatice. As chuvas de verão são a chance de colocar o problema na agenda. Antes do próximo desastre.

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

A Fragmentação da Revolta


Imagem do jogo Bush Shoe Throw.

Leio no Diário Gauche de hoje o seguint post. Comento depois.

A menina morta de Bagdá

No dia 29 de abril de 2008, a capital do Iraque, Bagdá, foi bombardeada pela aviação do exército norte-americano de ocupação. O bombardeio visava principalmente alvos civis, uma vez que o serviço de inteligência das tropas de ocupação supunham que aqueles locais-alvos eram os esconderijos de perigosos terroristas iraquianos. Não eram. Era apenas a casa da menina morta de Bagdá , em registro da fotógrafa Kareem Raheen da agência inglesa Reuters.

Corte rápido.

Nesta semana, quando um lúcido jornalista iraquiano tentou atingir o presidente Bush com os próprios sapatos muitos riram e taxaram-no de “iraquiano fanático”.Logo, a máquina de fazer doido do “american way of life” tratou de desconstituir o gesto altamente politizado do jornalista iraquiano produzindo games eletrônicos em massa com a temática do arremesso de sapatos. É instantâneo e mecânico: uma despolitização da revolta e a subseqüente confecção de um gadget para valor de troca no mercado da idiotice de massas.Bush sabe porque levou a sapatada. Nós sabemos porque Bush levou a sapatada.Por que, como disse o poeta John Donne (1572-1631):Se o gênero humano perde um homem [uma menina, no caso],Todo o gênero humano perde e se sente diminuído,Por issonão me perguntem por quem os sinos dobram. Eles dobram por ti.

Meu comentário:
Daqui a um ano alguém vai fazer a seguinte pergunta: quem é Muntandhar Al-Zaidi ? A maioria vai esquecer. Um vai lembrar, foi o carinha que atirou o sapato no troglodita. O outro vai se questionar, pois é, onde mesmo aconteceu aquilo? O tempo passa e os pontos da história ficam. Será que ficam? O bloqueiro critica a despolitização da revolta pela máquina de "fazer doido" do american way of life. A frase é notável e o assunto é bom. A revolta, as manifestações, as insurgências se diluem pelos "gadgets da vida, pelos nossos compromissos, pela omissão. É impossível hoje fazer revolução como nos velhos tempos, porque as pequenas e médias revoltas se fragmentam. Eis, meus senhores e senhoras, a característica fundamental da nossa época de pós modernidade.

Crimes Contra a Confiança


Calculando os danos
Contardo Calligaris


Todo crime é também crime contra a confiança, sem a qual qualquer coletividade se desfaz
A confiança, como mostrou Francis Fukuyama em livro de 1995 ("Confiança", Rocco), é a pedra angular da sociedade moderna, o que faz com que a convivência social seja minimamente harmônica, próspera e capaz de garantir o bem-estar (não só econômico) dos que vivem sob um mesmo céu. Confiança no quê? A confiança recíproca entre os cidadãos alimenta a confiança de todos na existência de uma coletividade.


Pois bem, nestes dias, a Justiça italiana levou a sério Fukuyama e o espírito natalino, reconhecendo oficialmente que, numa sociedade moderna, o crime não prejudica apenas suas vítimas imediatas, mas lesa muito concretamente a própria coletividade. Aqui vão os fatos, relatados pelo "Corriere Della Sera".


Em junho passado, em Milão, foi decretada a prisão de um grupo que dirigia uma clínica particular: o dono da clínica, médicos, cirurgiões etc. A gangue efetuava procedimentos médicos e cirúrgicos desnecessários, mesmo se danosos e cruéis, nos pacientes mais indefesos, idosos, doentes terminais etc.

Com isso, os criminosos da clínica Santa Rita inflavam o volume dos reembolsos que lhes eram devidos pelo Estado.Até aqui, nada que nos surpreenda, não é? Mas eis que a procuradoria italiana acaba de apresentar a conta dos danos que os acusados (cujos bens já foram bloqueados) deverão compensar. Trata-se de dinheiro que eles devem à Fazenda -fora a reparação dos danos morais e materiais das vítimas diretas.

A clínica Santa Rita recebeu do Estado italiano, por tratamentos desnecessários, pouco menos de 2,7 milhões (R$ 8,5 milhões), que devem ser devolvidos. Mas a procuradoria pede também o valor de 10,8 milhões (R$ 32 milhões, quatro vezes o valor da falcatrua) não como punição abstrata, mas como compensação pelo dano que foi sofrido pela imagem do sistema sanitário italiano, pela imagem da própria Itália e pela comunidade dos cidadãos italianos.


Claro, a gangue da clínica Santa Rita infligiu perda financeira à coletividade sanitária, pois é presumível que o escândalo desencoraje os clientes estrangeiros que, sem isso, escolheriam se curar na Itália. Além disso, é possível que a notícia, circulando, desgaste a imagem do país, com conseqüências nefastas para o valor do "Made in Italy".Da mesma forma, um assaltante da orla carioca produz um dano que vai além do relógio ou da carteira que ele rouba. A reputação da cidade piora, o turismo diminui, e, enfim, o crime prejudica a imagem do Brasil, cujo apreço internacional afeta o valor de tudo o que é brasileiro: pessoas, objetos manufaturados, investimentos possíveis etc.


Mas o pedido da procuradoria milanesa vai mais fundo; ele tenta quantificar também outro prejuízo, menos material, mas não menos importante: o prejuízo que a própria comunidade sofre pela erosão da confiança que é a condição de sua existência.


Cada crime, além dos danos quantificáveis que produz, também destrói aos poucos a confiança que permite que haja comunidade. O assalto na esquina nos rouba a todos a confiança necessária para passear na rua numa noite de verão ou para manter os vidros do carro abertos e conversar com a criança que vende chicletes no farol.O crime da clínica Santa Rita roubou aos milaneses a confiança na medicina à qual eles devem recorrer a cada dia.O administrador e o político corruptos nos roubam a confiança na existência de uma coisa pública e na possibilidade de inventarmos formas melhores de convivência.Em suma, o pedido da procuradoria italiana nos lembra de que todo crime contra as pessoas ou o contra o patrimônio é também (se não sobre tudo) um crime contra a confiança, sem a qual, a longo prazo, qualquer coletividade se desfaz.Para todos, meus votos de boas festas, ou seja, de ao menos uma semana durante a qual possamos fazer de conta que é possível confiar.


Artigo publicado na Folha de hoje.

Na Coréia do Sul é Crime




A atriz sul-coreana Ok So-ri reage ao deixar tribunal na cidade de Goyang. Ela foi condenada a 8 meses de prisão por adultério. A atriz havia sido sentenciada a 2 anos de detenção anteriormente, mas admitiu o crime e teve a pena reduzida. So-ri é uma das atrizes mais famosas do país.


Terra Fotos 24 Horas

Venezuela Próxima do Mercosul




A Câmara dos Deputados brasileira aprovou na noite de ontem, por 265 votos favoráveis e 61 contrários, a adesão da Venezuela ao Mercosul, bloco regional formado por Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. O protocolo de adesão, assinado em julho de 2006, ainda precisa ser aprovado pelo Senado para entrar em vigor. Os Congressos do Uruguai, Argentina e da própria Venezuela já votaram pela entrada do país no Mercosul. Apenas o Paraguai e o Brasil ainda não chancelaram o acordo.Diferentemente do ocorrido em outras comissões, a votação no plenário da Câmara foi calma ontem, enquanto os líderes do Mercosul estavam reunidos na cúpula de Costa do Sauípe (Bahia), que condensou encontros regionais. Houve apenas manifestações contrárias isoladas de deputados do PSDB.Dados da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional mostram que a entrada do país resultará em um bloco com mais de 250 milhões de habitantes, área de 12,7 milhões de km, PIB superior a U$ 1 trilhão (aproximadamente 76% do PIB da América do Sul) e comércio global superior a US$ 300 bilhões.O PSDB foi o único partido a orientar a votação contrária. O deputado Arnaldo Madeira (PSDB-SP) argumentou que a ingressão da Venezuela no bloco pode ser prejudicial para a economia da região, graças a postura polêmica do atual presidente do país, Hugo Chávez. "Nós temos hoje um forte antagonismo entre o presidente da Venezuela e vários parceiros da região e isso poderá dificultar a integração com outros blocos econômicos. Votamos contra por razões de ordem econômica e não ideológica", disse.Antônio Carlos Pannunzio (PSDB-SP) lembrou ainda que a Venezuela deixou de cumprir diversos requisitos estabelecidos do protocolo de adesão. O líder do DEM, deputado Antônio Carlos Magalhães Neto (BA) liberou a bancada na votação de ontem no plenário.Deputados do PT saíram em defesa do país. José Genoíno (PT-SP) disse que o isolamento da Venezuela poderia levar a uma crise e a um fundamentalismo. "A integração entre países é pluralista. Não podemos fazer o crivo ideológico sobre quem está na Presidência da República para realizar a integração", disse.




Folha de hoje.

Glauco


quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Trilha Sonora da Série Capitu

Beirut - Elephant Gun




Black Sabbath - Iron Man



Cocorosie - Jesus Loves Me




Cocorosie - Brasilian Sun




Manacá - Diabo



Marcelo D2 - Desabafo




Pink Floyd - Money




Janis Joplin - Mercedes Benz

O Retorno do "Z"





Essa crise grega faz lembrar - um pouco - o filme "Z" do Costa Gavras, produção de 1969 sobre episódio ocorrido em 1963. No início deste ano num balaio de DVD tinha uma oferta desse filme por cerca de R$ 10,00, quase o preço de uma locação.



Crise grega expõe falhas do Estado em cativar jovens
Kerin Hope do "FINANCIAL TIMES"

Constantine Karamanlis, o mais bem-sucedido dos premiês gregos do século 20, disse certa vez que "governar a Grécia pode ser quase impossível". A declaração dele parecia muito atual nos últimos dias, enquanto seu sobrinho Costas Karamanlis batalhava para impor a autoridade do governo grego depois de dias de batalhas de rua, incêndios criminosos e saques na região central de Atenas.
O governo direitista do primeiro-ministro parecia ter perdido o controle, diante da inquietação intensa despertada quando a polícia abateu a tiros há oito dias o estudante Alexis Grigorópulos, 15.
A tentativa de Karamanlis de promover um consenso logo fracassou. Em lugar disso, ele teve de reagir a pedidos de eleições antecipadas. Os líderes da oposição populista grega exacerbaram as tensões ao convocar imensas manifestações de rua, em lugar de pedir por calma e reflexão.
A violência coloca em destaque a incapacidade de sucessivos governos de atender às preocupações dos jovens, que variam da baixa qualidade de ensino oferecida pelo sistema universitário profundamente politizado à frustração pela falta de oportunidades de emprego.
Muitos jovens gregos se sentem excluídos diante de um sistema político e econômico que põe elos familiares sobre qualificações profissionais. As universidades estatais, que controlam completamente o ensino superior grego, contam com quadros e verbas insuficientes. A despeito dos índices elevados de crescimento econômico que o país vem registrando desde a metade dos anos 90, o investimento do governo no ensino superior é de menos de 5.000 anuais por aluno, o menor da zona do euro, -20% inferior ao português e 25% menor que espanhol.
O desemprego entre os recém-formados aparentemente supera os 20%, ainda que o índice geral de desemprego no país tenha mantido média inferior a 8% nos últimos dois anos. A tentativa de Karamanlis de modernizar o ensino superior, dois anos atrás, foi bloqueada por três meses de manifestações de rua dos estudantes, apoiados pelos professores. Karamanlis também não conseguiu o apoio de outros partidos para suspender a proibição constitucional a ações policiais nas universidades.
Os estudantes desfrutam de status privilegiado na sociedade grega por seu papel na rebelião contra a ditadura militar no país em 1973, que conduziu ao colapso do regime no ano seguinte. Como resultado, os políticos não se dispõem a reprimir os manifestantes e os extremistas que exploram as "leis de asilo em campus", que integram a Constituição. Na semana passada, estudantes que se declaram anarquistas montaram barricadas no interior da Politécnica de Atenas e estão acumulando estoques de bombas incendiárias e outros projéteis, seguros de que a polícia não pode interferir com suas atividades. Dadas as ordens rigorosas para que os policiais não utilizem armas de fogo contra manifestantes, os extremistas obtiveram vantagem.
"Os estudantes protestam e vão para casa. Depois chegam anarquistas e destroem a cidade", disse Taki Michas, colunista do "Eleftherotypia", diário ateniense de esquerda.
Tradução de PAULO MIGLIACCI na Folha.

Alegorias Tributárias




Tenho algumas ressalvas sobre o artigo abaixo que trata da reforma tributária que parece vai ser aprovada pelo Congresso, com a criação de mais duas faixas de incidência do Imposto de Renda. O articulista entende que a alíquota de 27,5% é baixa comparada a de outros países como Holanda (60%), França (57%), Alemanha (53%), Chile (45%) e EUA (39,6%). Todos esses países, a exceção do Chile que caminha na frente do Brasil faz muito tempo, oferece uma contrapartida ao cidadão, um bom serviço público, uma boa educação, saúde e segurança. O Brasil precisa é fazer uma revolução no Estado brasileiro para fazer com que ele funcione. O resto são apenas alegorias.





Uma reforma impostora
Almir Teubl Sanches

O pacote anunciado pelo governo na última semana parece intuir o problema da injustiça de nosso sistema tributário. Mas, acanhado, contenta-se em tangenciá-lo, sem buscar solução definitiva.Nosso sistema tributário pode ser estudado como um exemplo de como o mundo jurídico descola-se da realidade, produzindo normas, especialmente as constitucionais, que são tornadas letra morta por distorções cuidadosamente orquestradas.Teoricamente, nossa Constituição assenta tal sistema sobre as bases do princípio da capacidade contributiva, segundo o qual os impostos deverão ser, sempre que possível, graduados pela capacidade econômica do contribuinte. Aquele que participa de maior parte da riqueza produzida pelo país deve contribuir proporcionalmente mais. Em outras palavras, quem tem mais deve pagar mais.

Na prática, entretanto, o arcabouço em que se funda o sistema tributário é extremamente injusto, configurando verdadeira inversão do princípio da capacidade contributiva.Recente pesquisa do Ipea mostra que os 10% mais pobres da população brasileira sofrem tributação total de 32,8% da sua renda, enquanto os 10% mais ricos contribuem com 22,7%. Proporcionalmente, os mais pobres pagam até 44,5% mais tributos.A principal razão para essa inominável injustiça é o fato de, no Brasil, existir maior tributação sobre o consumo (tributos indiretos) do que sobre a renda e o patrimônio (tributos diretos). Como os mais pobres comprometem maior parte da renda consumindo produtos indispensáveis à sobrevivência, eles pagam proporcionalmente mais tributos. Levados em conta só os tributos indiretos, os 10% mais pobres pagam 29,1% de sua renda total, e os mais ricos, apenas 10,7%.


A tributação sobre o consumo, como se vê, impõe o desvirtuamento do princípio da capacidade contributiva, pois dificilmente seria possível cobrar mais pelo consumo daqueles que podem pagar mais.

A solução para essa grave injustiça seria a diminuição dos tributos indiretos (consumo) e o aumento dos tributos diretos (renda e patrimônio), sobretudo dos que incidem sobre a renda dos que mais ganham.Tal reformulação passaria necessariamente pela reestruturação do principal tributo direto brasileiro: o Imposto de Renda. E é exatamente aqui, no ponto nevrálgico da questão, que a reforma se acanhou e mostrou-se paliativa, amedrontada diante dos interesses que uma solução definitiva precisaria afrontar.


A favor da reforma, é preciso dizer que a criação de duas novas faixas de incidência atende a uma necessidade de maior proporcionalidade do IR há muito almejada. O Ipea recentemente pesquisou 26 países e descobriu que, além do Brasil, só Peru e Barbados mantinham meras duas faixas de incidência. Assim, o salto para quatro faixas parece ser inegável progresso, muito embora a média entre os países pesquisados seja de cinco faixas.


Entretanto, um exame um pouco mais detido desvela um progresso quase ilusório, tímido demais para ser festejado. Com efeito, a reforma não cuidou de ampliar a faixa de isenção para os que possuem menor renda.Tampouco criou nova alíquota para incidir sobre as maiores rendas, de forma que os atuais 27,5% continuarão valendo tanto para quem receber R$ 3.853 mensais quanto para quem tiver renda mensal de centenas de milhares (ou milhões) de reais.A experiência internacional mostra que nossa alíquota máxima (27,5%) é baixa. Entre os 26 países pesquisados pelo Ipea, só o Peru possui alíquota máxima menor que a nossa (20%).


A média aritmética das alíquotas cobradas das maiores rendas nos países pesquisados fica em 42,2%. Holanda (60%), França (57%), Alemanha (53%), Chile (45%) e EUA (39,6%) são exemplos de países que cobram mais de seus ricos do que o Brasil.


Caso cobrasse maiores alíquotas sobre as grandes rendas, a conseqüente folga arrecadatória garantiria ao governo verdadeiro arsenal de medidas tendentes a tornar mais justo o sistema tributário, como o fim de boa parte dos tributos indiretos.Um estudo mostra que, se o IR tivesse 12 faixas, com alíquotas variando de 5% a 60% (esta para rendas acima de R$ 50.000), seria possível extinguir a Cofins. Tal extinção, segundo o estudo, resultaria em uma redução da desigualdade de renda equivalente a três programas Bolsa Família, diminuindo em 10,2% a pobreza do país, o que corresponde a retirar dessa condição 6,4 milhões de pessoas.Nas palavras de Hannah Arendt, é nos momentos de crise que podemos intervir mais efetivamente no sentido de mudar o mundo. Com o pacote tributário anunciado, o Brasil desperdiça uma oportunidade de fazer uma reforma estrutural efetiva. Contenta-se, assim, com soluções paliativas que não fazem mais que salvar um modelo que agora se mostra ineficiente, mas sempre se soube injusto.

ALMIR TEUBL SANCHES , 29, mestre em filosofia do direito pela USP, é procurador da Fazenda Nacional. Artigo publicado na Folha de hoje.

As Flutuações do Capitalismo


Muito bom o artigo do Delfim Netto publicado hoje na Folha. Recomendooooo.

Cuidado
Não deixa de ser um pouco assustadora a facilidade com que se fala em "refundar" o capitalismo como resposta à crise que o laxismo dos Bancos Centrais e a imoralidade de agentes do sistema financeiro depositaram sobre a economia real.


"Capitalismo" é o codinome de um sistema de organização econômica apoiado no livre funcionamento dos mercados. Nele há uma clara separação entre os detentores do capital (os empresários) que correm os riscos da produção e os trabalhadores que eles empregam com o pagamento de salários fixados pelo mercado. É possível (e até necessário) discutir a qualidade dessa organização e sugerir-lhe alternativas. O difícil é negar a sua eficiência, a sua convivência com a liberdade individual e os dramáticos resultados que desta última emergiram a partir dos meados do século 18.


Depois de uma estagnação milenar, nos últimos 250 anos ela permitiu a multiplicação por seis da população mundial, multiplicou por dez a sua produção per capita e elevou de 30 para 60 anos a expectativa de vida do homem, o que não é pouco.Certamente ela não é perfeita.Tem, por exemplo, uma tendência a produzir uma detestável desigualdade. Mas o seu problema mais grave -conhecido desde sempre- é a sua ínsita tendência à flutuação (em períodos e amplitudes variáveis) com repercussões sobre o emprego e a segurança econômica dos cidadãos.


Quando se trata das flutuações macroeconômicas e da desigualdade, os economistas se dividem em duas tribos: uma crê que o sistema de economia de mercado, deixado a si mesmo e com tempo suficiente, resolve os dois problemas. Logo, ela dá ênfase à estabilidade monetária, fundamental para o bom funcionamento dos mercados. A outra crê que a solução exige uma intervenção inteligente, cuidadosa e firme do Estado que corrija a desigualdade de oportunidades e mantenha a demanda global. Logo, ela dá ênfase à estabilidade do emprego no nível mais alto possível.A tentativa (de falsa inspiração keynesiana) patrocinada pelo Partido Trabalhista inglês depois da Segunda Guerra, de produzir simultaneamente a estabilidade monetária e o pleno emprego, terminou, como todos sabemos, num Estado-corporativo ineficiente, cuja desmontagem foi iniciada por Thatcher.


As implicações políticas (na organização do Estado) e econômicas (na limitação da liberdade de iniciativa produtora das inovações) da "refundação" do capitalismo para eliminar as "crises" são muito mais sérias do que supõe a vã filosofia de alguns trêfegos passageiros do G20. Como diriam os romanos: Cuidado, o cachorro é perigoso!