Diversidade, Liberdade e Inclusão Social

Foto: Obama, Cameron e Helle Thorning-Schmidt


segunda-feira, 20 de abril de 2009

Os Muros da Favela


Operário em obra do muro no Morro Dona Marta: paredões de 3 metros contra invasões

A favela no limite
Revista Veja desta semana
A foto acima mostra um marco histórico. Feita no alto do Morro Dona Marta, em Botafogo, na Zona Sul do Rio de Janeiro, ela retrata uma radical mudança de atitude do poder público em relação às favelas. O governo do estado decidiu erguer muros de 3 metros de altura para impedir que os barracos avancem em direção à mata ou se dependurem em áreas de risco. Não demorou para que a iniciativa fosse crivada de críticas, dando conta de que a intenção das autoridades só poderia ser segregar os pobres. O caso ganhou repercussão internacional. Surgiram comparações com o Muro de Berlim e o da Palestina, para ficar em apenas dois exemplos citados em seu blog pelo escritor português José Saramago. E disseminou-se a ideia estapafúrdia de que as favelas seriam integralmente cercadas, ganhando feições de cidadela medieval. O suplemento de turismo do jornal espanhol El País chegou a publicar que os muros têm por objetivo esconder as favelas, e uma jornalista francesa procurou assessores do governo para saber que tamanho teriam os portões de acesso aos morros. Houve quem se preocupasse com o aspecto mais formal da história, defendendo a substituição dos muros por cercas vivas, e estabeleceu-se uma celeuma em torno de que espécie de planta seria mais adequada para essa finalidade. Nesse campo fértil para desvarios, a discussão ganhou um viés ideológico que desviou a questão de seu foco principal: a necessidade de conter o avanço das favelas.
Os que são contrários à ideia lembram que as favelas, principalmente as da Zona Sul, crescem pouco para os lados. A maior expansão dá-se verticalmente – há edifícios de mais de dez pavimentos em algumas delas. As que foram selecionadas para o projeto realmente aumentaram muito pouco sua área. Avançaram apenas 1,18% entre 1999 e 2008, segundo o Instituto Pereira Passos (IPP), ligado à prefeitura do Rio. O que não se leva em conta nesse raciocínio é que essa expansão ocorreu em favelas enormes, infladas por anos de descaso. E que qualquer crescimento é prejudicial à cidade. "A sensação de expansão da desordem produz um prejuízo gigantesco para o Rio. O fato de a favela estar avançando causa insegurança e desvaloriza o patrimônio da cidade como um todo", avalia o economista Sérgio Besserman, ex-presidente do IPP. Não se trata, portanto, de ser contra ou a favor do muro em si. É óbvio que seria muito melhor se ele não fosse necessário, assim como é óbvio que, se não houver fiscalização, nenhuma barreira física impedirá novas invasões. O que o muro simboliza é a decisão de encarar com a devida seriedade o problema das favelas.


O CAOS AVANÇA Barracos tomam conta da paisagem no Morro Dois Irmãos: prejuízo para a imagem do Rio de Janeiro.

Pesquisa do instituto Datafolha divulgada na semana passada mostrou que os cariocas entenderam muito bem a ideia central da empreitada. A maioria (60%) não caiu na esparrela de que o objetivo do muro é separar ricos e pobres. E 51% dos entrevistados de menor poder aquisitivo aprovam o muro, enquanto no resultado geral 47% são a favor do projeto e 44% contra – um empate técnico, em razão da margem de erro. Na primeira etapa do projeto, estão previstos 14,6 quilômetros de muro – pouco mais que a extensão da Ponte Rio-Niterói – e serão contempladas treze favelas (veja o quadro). Os paredões seguirão o mesmo traçado dos chamados ecolimites, definidos há quinze anos. Em favelas como a Rocinha, eles foram solenemente ignorados. Existem mais de 400 barracos fora da cerca que demarca os ecolimites, num desrespeito que prejudica não só o meio ambiente, mas também a qualidade de vida dos moradores. Não há como planejar saneamento, abastecimento de água, fornecimento de energia ou dimensionar a coleta de lixo se os barracos continuarem se alastrando.
Esta não é a primeira vez que se fala em murar as favelas do Rio. Em 2004, após uma guerra entre traficantes na Rocinha, o então vice-governador Luiz Paulo Conde defendeu a construção de paredões de 3 metros de altura em quatro favelas. O objetivo era proteger o meio ambiente e evitar que bandidos fugissem pela mata durante as ações policiais. Enfraquecido pelas críticas que recebeu, Conde recuou. Se tivesse levado o plano adiante, talvez os 89 barracos que naquela época ultrapassavam os ecolimites da Rocinha não tivessem chegado aos 415 de hoje. Outros governantes nem sequer tentaram conter o avanço. Ao contrário, por décadas o que houve foi estímulo à ocupação irregular da cidade. Esse ciclo perverso se acentuou nos anos 80, principalmente a partir da gestão Leonel Brizola, que defendeu a manutenção dos barracos e concedeu indistintamente títulos de propriedade a favelados, numa política movida pelo espírito nefasto de que favela não é problema, é solução. A partir daí, a favelização ganhou tamanho impulso que se transformou num negócio lucrativo para aproveitadores em geral e políticos em particular. Tal negócio se baseia numa lógica cruel, que mantém a população na miséria e rende dividendos aos espertalhões. Os políticos fazem questão de manter serviços públicos precários ali, porque montam centros assistencialistas e ganham votos. E os "donos" das favelas – que podem ser traficantes ou grupos chamados de milícias – se valem de seu poder de fogo para praticar toda sorte de ilegalidades e manter os moradores sob seu domínio.

O escritor José Saramago atacou o projeto: viés ideológico

O comportamento irresponsável dos governantes tem sido motivo de queixas ouvidas pelo prefeito da cidade, Eduardo Paes. Segundo ele, moradores de bairros contíguos aos morros reclamam que o poder público historicamente faz melhorias em favelas e negligencia a cidade que paga impostos. "Com isso, áreas degradadas avançam sobre o tecido urbano consolidado e o destroem. É preciso inverter esse fluxo, fazer com que a ordem existente na cidade formal se estenda às favelas", diz. Esse quadro só será mudado quando essas áreas estiverem sujeitas às mesmas regras que valem para o restante da cidade. Integrar as favelas, portanto, é um desafio que passa pelo estabelecimento de normas. Para se ter uma ideia do trabalho que há pela frente, apenas 23 das quase 1 000 favelas do Rio têm regras para construção estabelecidas pela prefeitura. Felizmente, parece ter chegado a hora de começar a mudar essa triste realidade. Tanto a prefeitura do Rio quanto o governo estadual vêm demonstrando coragem para enfrentar sem demagogia o grave problema das favelas. Diz o governador Sérgio Cabral: "Esse é o muro da inclusão, e não da segregação. Ele significa o fim da omissão do poder público".

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