NA ÚLTIMA sexta-feira, a notícia de que o Brasil tornou-se credor líquido internacional foi recebida com júbilo. Meu colega no Fundo Monetário Internacional, Paulo Nogueira Batista Jr., chegou a afirmar, com razão, que nenhum economista de sua geração poderia imaginar presenciar esse fato. Já o presidente Lula saudou o momento, mas defendeu a polêmica idéia de que o país deveria voltar a endividar-se para financiar a crescente demanda por infra-estrutura e integração regional. Frente a essa declaração, fui questionado por alguns amigos se faz sentido endividar-se mais neste momento. Minha resposta tem sido sim. Por motivos distintos: puramente financeiros, de desenvolvimento econômico e mesmo para gerar uma economia menos vulnerável a crises financeiras externas no futuro. Gostaria de tentar aqui rapidamente explicar por quê. Do ponto de vista financeiro, o fato de estarmos em situação confortável nos possibilita barganhar melhores condições de financiamento (taxas de juros mais reduzidas e vencimentos mais alongados para o pagamento dos passivos). O leitor pode perguntar: mas isso é factível em um momento de crise financeira internacional? Sim, eu diria. Não há dúvida agora de que a crise afetará a liquidez financeira internacional, mas, ao contrário do que ocorreu com as crises anteriores, com epicentro em países em desenvolvimento, esta crise nasceu nos Estados Unidos, se alastra pela Europa e Japão. Nesse sentido, a "fuga para a qualidade", desta vez, poderá beneficiar países como o Brasil, que tem demonstrado resistência a crises financeiras e reconhecidamente tem melhorado muitíssimo seus indicadores macroeconômicos. Por outro lado, no que tange ao investimento estrangeiro produtivo, o fato de o Brasil ter um crescimento mais sólido e sustentável o torna também um ímã para quem foge das incertezas sobre o crescimento das economias nacionais. No tocante ao desenvolvimento econômico, dois dos principais gargalos para o crescimento sustentado do nosso país são uma infra-estrutura precária e um mercado doméstico relativamente reduzido para o potencial produtivo brasileiro. Os investimentos previstos pelo PAC são significativos, mas, para que alcancemos o salto necessário de melhoria, o setor privado tem de assumir uma posição de destaque nos investimentos em infra-estrutura. Entretanto, se as expectativas empresariais sobre o futuro do Brasil são positivas, a oferta de financiamento de longo prazo no país continua limitada, tanto em volume quanto em diversidade de instrumentos, ao BNDES. Este tem crescido de maneira impressionante, e, por isso mesmo, sua capacidade de expansão futura parece muito aquém das necessidades de financiamento para o setor privado. Por fim, como argumentou a ministra Dilma Rousseff recentemente ao defender os investimentos do PAC (numa situação financeira internacional em deterioração), uma economia real sólida com um mercado doméstico em expansão é menos vulnerável a oscilações financeiras ou de demanda externa. Não é preciso ser "cepalino" (mas ajudaria) para aceitar essa tese: basta acompanhar o debate atual sobre o possível "descasamento" da China e da Índia num contexto de retração da economia mundial. Todos que crêem que seja possível esse descasamento baseiam seus argumentos no potencial de expansão dos mercados domésticos. Por sinal, o Brasil tem condições ainda melhores do que China e Índia para seguir uma trajetória descasada da conjuntura de menor dinamismo da economia mundial, porque o crescimento de seu mercado interno tem sido calcado num salutar crescimento do consumo de massa e de expansão de crédito. Ou seja, endividar-se mais agora para financiar infra-estrutura pode paradoxalmente reduzir nossa vulnerabilidade a futuras turbulências dos mercados internacionais, financeiros e de comércio. Esse é um dos pilares do conceito de "mercado de consumo de massa", que muitos economistas progressistas defendem há muitos anos e que tem sido, corretamente, um dos vértices da política econômica brasileira nos últimos anos (por meio dos exitosos programas de inclusão social e econômica). Em suma, o presidente Lula acerta em dizer que o Brasil tem condições e deve aproveitar o momento para se endividar mais. Desta vez, deve fazê-lo de maneira mais seletiva (no que tange às condições de risco), de forma mais cautelosa e voltada principalmente para complementar as necessidades de financiamento de infra-estrutura e integração regional.
Artigo de Rogério Studart, 46, doutor em economia pela Universidade de Londres, é diretor-executivo do Banco Mundial para Brasil, Colômbia, Equador, Filipinas, Haiti, Panamá, Suriname e Trinidad e Tobago, publicado na Folha de hoje.
* foto de Claudia Andujar
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