Diversidade, Liberdade e Inclusão Social
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sábado, 14 de maio de 2011
Foucault - O Mestre dos "Perfeitos Idiotas"
O Irã e as surpresas do filósofo
Livro compila e analisa artigos sobre a Revolução Iraniana que Michel Foucault produziu a partir de visitas ao país como enviado de revista e jornais europeusEm 1978, quando os protestos contra o governo do Xá Reza Pahlavi, no Irã, estavam atingindo um ponto crítico, o filósofo Michel Foucault foi convidado a viajar várias vezes ao país como correspondente do jornal italiano Corriere de la Serra, da revista francesa Le Nouvel Observateur e do jornal francês Le Monde, dando início a uma improvável – mas verdadeira e contraditória – relação entre o pensamento de um dos maiores filósofos do século 20, que analisou como nenhum outro as relações de poder-saber constituídas a partir da modernidade, com os ditames de um religioso asceta encarnado na figura de Aiatolá Khomeini.
Nessa inédita atuação enquanto jornalista, Foucault produziu artigos sobre os eventos que culminaram na ascensão de Khomeini ao poder, nunca escondendo o fascínio acerca do que concebia como o nascimento de uma nova “dimensão espiritual da política”. Para a historiadora Janet Afary e o sociólogo Kevin B. Anderson, autores do livro Foucault e a Revolução Iraniana, ambos ligados aos estudos feministas, o apoio de Foucault a um regime intolerante para com sexualidades ditas desviantes e expressões diversas de liberdade civil era contraditório em relação ao que ele escrevera antes e que inspirara movimentos sociais libertários em todo o mundo. Lançado em 2005, nos Estados Unidos, este volume que agora chega ao Brasil busca compreender algumas razões do apoio irrestrito de Foucault à Revolução Iraniana que, de acordo com os autores, acaba sendo surpreendentemente coerente com o seu pensamento e vida privada.
Fartamente documentado, o livro apresenta praticamente tudo o que Foucault escreveu e declarou sobre a revolução, bem como as réplicas virulentas dos intelectuais que, em uníssono, condenaram o seu engajamento pró-Islã. Foucault se encontrava solitário em suas posições. Diversos autores, entre eles Edward Said, o acusaram de acreditar num orientalismo ingênuo que ignorava a magnitude das forças reacionárias em jogo. Foucault acreditava que a dimensão espiritual e revolucionária no Irã, que unia marxistas e muçulmanos em um objetivo comum, podia ser exportada para o resto da Europa secular. Em artigo publicado no Le Monde em outubro de 1978, intitulado Os Iranianos Sonham com o Quê?, Foucault sustenta que um governo islâmico não significaria um regime político no qual os clérigos supervisionassem e controlassem tudo. Para ele, um governo islâmico se constituía como um “ideal” e uma “utopia” que ultrapassava os conceitos democráticos que, no Ocidente, se dividiam entre burgueses e revolucionários. Neste que é um de seus principais artigos sobre o tema e, em tantos, Foucault repete frases que os Aiatolás lhe passaram sobre um Islã místico e carregado de simbolismos que o remetiam à antiguidade clássica que Foucault ouvia de forma ingênua e deslumbrada, como apontaram seus críticos posteriormente.
Foucault teve encontros com vários líderes religiosos do Irã. Mas o encontro com o Aiatolá Khomeini, em seu exílio na França, o impressionou fortemente, levando-o a declarar que Khomeini personificava a “vontade de poder” nietzschiana. Aproveitando-se do aval precioso de um dos maiores filósofos ocidentais, Khomeini, tanto quanto outros Aiatolás entrevistados por Foucault, ocultava o conteúdo mais radical de seu discurso, dando a Foucault o que este queria ouvir e retroalimentando, como consequência, as suas ilusões orientalistas.
Ao tentarem entender o ponto de união entre Foucault e o Islã, os autores destacam a orientação homossexual do filósofo como um dado importante para a compreensão de tal fenômeno. De acordo com Foucault, a modernidade foi responsável pela mudança de “arte erótica” para uma “ciência sexual” que estabeleceu, através dos discursos de poder da medicina, da psicologia e do cristianismo, um “regime de verdade” sobre o sexo, punindo os desviantes e normatizando o casal heterossexual. Foucault via no Islã a preservação dessa arte erótica que permanecia no âmbito do privado. Chamou-lhe a atenção um artigo do Aiatolá Khomeini que orientava os sodomitas a purificarem o corpo e praticarem a caridade em uma relação direta com o divino, sem a mediação de instâncias de poder. Entretanto, os autores ressaltam que Foucault nunca deu muita importância à sexualidade feminina em suas obras, acusando-o de “androcentrista” e insinuando certa misoginia em sua fascinação pelos arranjos pré-modernos em que o contrato social preponderava sobre o amor romântico, que de certa forma ainda predomina no Islã. Para as feministas, essa era uma situação que outorgava às mulheres o mero papel de mantenedoras de uma ordem social hipócrita. O modelo grego descrito por Foucault no segundo volume da História da Sexualidade, quando esse analisa a pederastia e a liberdade sexual entre as elites helênicas, não seriam mais do que sinais de seu desprezo pelo feminino, relegado a um papel secundário em seus escritos.
Os autores acusam Foucault de não se limitar à crítica de certos aspectos da modernidade, mas sim de seus próprios princípios, os quais deveriam ser rejeitados no Irã em prol daquilo que Foucault considerava menos danoso, ou seja, o Islã idealizado que o absorvia apaixonadamente naquele momento. Em 6 de novembro de 1978, uma leitora anônima do Nouvel Observateur, intitulada Atoussa H., cuja identidade é desconhecida até hoje, escreveu uma carta em resposta a Foucault criticando veementemente a ideia de que um governo islâmico poderia substituir a sangrenta ditadura de Reza Pahlavi, na medida em que “a esquerda liberal do ocidente precisa saber que a lei islâmica se torna um peso morto em sociedades famintas por mudanças. A esquerda deve não se deixar seduzir por uma cura que talvez seja pior do que a própria doença”. Embora muitos intelectuais franceses da época tenham igualmente se entusiasmado com a situação revolucionária iraniana, nenhum deles acompanhou Foucault em seu apoio ao Islã em detrimento do Marxismo secular e da esquerda nacionalista.
Janet Afary e Kevin B. Anderson são particularmente cruéis com Foucault no epílogo do livro, colocando-o como o inspirador de uma linhagem de pensadores que procuram negar a cultura ocidental, tais como Sartre, Chomsky e Baudrillard, e apelando para os perigos do relativismo absoluto pós-estruturalista. Khomeini empreendeu violenta perseguição a todas as vozes moderadas que o haviam auxiliado na revolução, sendo que muitos foram exilados ou morreram nesse processo. A aventura intelectual de Foucault, segundo os autores, lhe custou amigos e quase a reputação, sendo que este declarou ter saído muito “machucado” desse processo, optando pelo silêncio a partir de então.
Por fim, concebendo que Foucault tenha, de fato, incorrido nas contradições apontadas pelos autores ele, que era um grande leitor de Hegel, nunca se furtou a estas, internalizando a relação dialética que supõe a formação de um sujeito dinâmico cujas contradições são parte de seu próprio processo de desenvolvimento intelectual. No entanto, a minuciosa desconstrução de um mito intelectual contemporâneo do porte de Foucault vale a leitura do livro que desde já se insere como fundamental para quem deseja se aprofundar no pensamento foucaultiano.
POR CLÁUDIO CÉSAR DUTRA DE SOUZA MESTRE EM SOCIOLOGIA POR PARIS X
MICHEL FOUCAULT (1926 1984)
Foi um dos principais filósofos do século 20, tendo escrito e se tornado referência em assuntos como as relações entre poder e conhecimento, o discurso e instituições sociais como a psiquiatria, a medicina, as prisões e a sexualidade. Suas teorias sobre o saber, o poder e o homem social romperam com as concepções modernas destes termos, motivo pelo qual ele é considerado por alguns estudiosos de sua obra como pós-moderno – embora, para muitos outros, trate-se de um filósofo essencialmente estruturalista, ou ainda pós-estruturalista. “História da Loucura” (1961), “As Palavras e as Coisas” (1966), “Arqueologia do Saber” (1969), “Vigiar e Punir” (1975), “Microfísica do Poder” (1979) e “História da Sexualidade” (1976-84) estão entre as suas obras mais conhecidas.
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