É uma sociedade que está muito perto de oferecer oportunidades iguais aos seus cidadãos. O fato de um afrodescendente ocupar a Casa Branca é uma ilustração disso. Ele chegou a essa posição por um sistema que leva em conta a meritocracia. Portanto, nós temos o que aprender com os Estados Unidos.
Em relação ao antiamericanismo dominante na América Latina ele foi muito feliz ao dizer: o Brasil é o que tem menos razão para se ressentir dos americanos, por ter uma história muito parecida com a deles.
De fato, o Brasil é um país muiiiito parecido com os EUA e estamos, apesar de tudo, trilhando os mesmos caminhos e respirando os mesmos ares, apesar dos neuróticos ressentimentos antiamericanos de alguns. Ponto para a nossa gerenta Dilma.
A entrevista completa de Patriota está abaixo. O fato de Patriota ter viajado para Caracas esta semana não tem nenhuma contradição com o que está dito acima.
Em todos os seus anos como diplomata profissional, que imagem o senhor formou dos Estados Unidos?
É difícil falar de maneira objetiva, porque tenho. um envolvimento emocional com os Estados Unidos, através da minha família, da minha mulher, da família dela. Há aspectos da sociedade americana que eu admiro muito. É uma sociedade que está muito perto de oferecer oportunidades iguais aos seus cidadãos. O fato de um afrodescendente ocupar a Casa Branca é uma ilustração disso. Ele chegou a essa posição por um sistema que leva em conta a meritocracia. Portanto, nós temos o que aprender com os Estados Unidos. Agora, para falar a partir da minha experiência em Washington como embaixador, é difícil deixar de constatar o lado polarizado do espectro político americano. É difícil fazer uma síntese global do que são os Estados Unidos. Existe um hiato enorme entre uma política como a republicana Sarah Palin e o democrata Barack Obama. Eles têm visões de mundo diferentes, experiências de vida diferentes.
O antiamericanismo é um sentimento prevalente na América Latina, afetando também a diplomacia brasileira. Qual a razão?
Isso tem muito a ver com a história da América Latina, das intervenções dos Estados Unidos em assuntos internos dos países, como no Panamá e na Colômbia. Houve também a ocupação de países como o Haiti. O embaixador Araújo Castro (João Augusto de Araújo Castro, ministro das Relações Exteriores do governo João Goulart), um grande chanceler, dizia que, entre os países latino-americanos, o Brasil é o que tem menos razão para se ressentir dos americanos, por ter uma história muito parecida com a deles.
Sua nomeação é sinal de que haverá uma distensão nas relações entre o Brasil e os Estados Unidos?
Sinto-me muito confortável nos Estados Unidos. Passei muitos anos da minha vida lá, quase três anos como embaixador em Washington, onde estabeleci bons contatos com uma diversidade de interlocutores no Executivo, no Congresso e entre os chamados think tanks, os institutos de análise política. Na minha experiência nos Estados Unidos, sempre senti que as portas estavam abertas para a nossa interlocução. Isso não significa que concordemos em tudo sempre, mas há um respeito mútuo, que vem do fato de sermos as duas maiores democracias multiétnicas das Américas. No governo passado, havia uma interlocução boa, natural. Pode ter ocorrido aqui e ali uma dificuldade pontual, mas que nunca contaminou o conjunto do diálogo. Aliás, dificuldades pontuais são características das relações entre os países.
O que muda na diplomacia brasileira no governo de Dilma Rousseff?
Tive apenas duas reuniões com a presidente. É pouco para responder a sua pergunta. Estive muito envolvido com a administração anterior e me identifico muito com sua orientação geral. Mas continuar não é repetir. Podemos esperar nuances, ênfases e desafios novos. O próprio Brasil está hoje num patamar muito diferente daquele em que estava em 2003. Naquele ano, era prioridade que o presidente fosse a Davos (reunião anual do Fórum Econômico Mundial realizada na cidade suíça de Davos) com o objetivo de se apresentar e tranquilizar a comunidade internacional. A presidente Dilma Rousseff decidiu não ir a Davos em 2011. Estritamente falando, não há necessidade de apresentar a nova presidente do Brasil à comunidade internacional. Ela já é muito conhecida.
A aspiração brasileira a uma cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU continua sendo prioridade?
Esse assunto não vai sair da agenda internacional. Estamos vivendo um momento de grandes transformações geopolíticas. As potências tradicionais continuam tendo muita influência, mas é uma influência que é compartilhada cada vez mais com um número maior de atores. Isso leva ao debate sobre governança global, e as mudanças nela se observam em todas as esferas. O Conselho de Segurança está sendo forçado a mudar nessa direção. Aliás, 2011 será um ano fascinante porque foram eleitos como membros não permanentes vários países que estão moldando esses novos mecanismos. Estarão presentes o Brasil, a Índia e a África do Sul. Será uma espécie de laboratório para examinar como o conselho pode funcionar com a participação desses novos atores.
A Itália anunciou que pretende denunciar o Brasil na Corte Internacional de Haia, por causa da recusa em extraditar o terrorista Cesare Battisti. O senhor vê condições de o Brasil defender a permanência de Battisti sob a alegação absurda de que ele sofre perseguição política na Itália?
Essa não é uma discussão que envolva o Itamaraty. É uma discussão que foi levada para o Supremo, depois transferida para o presidente. E uma decisão da administração que se encerrou em 31 de dezembro, e eu vou lidar com ela na medida em que crie algum mal-estar diplomático entre Brasil e Itália, mas, como disse o próprio primeiro-ministro Silvio Berlusconi, essa é uma questão judicial. Dar um tratamento judicial à questão é um sinal muito positivo da parte do governo italiano.
Os vazamentos das mensagens diplomáticas americanas pelo WikiLeaks alteraram de alguma forma o diálogo entre a diplomacia dos países?
Minha resposta tende a ser sim. Obviamente, o trabalho diplomático envolve diferentes graus de confidencialidade. Isso faz parte do ofício da diplomacia e é da mesma forma em todos os países. A perspectiva de que uma conversa confidencial, uma conversa reservada, possa ser divulgada sem que se tenha controle algum sobre essa divulgação é uma coisa que não pode deixar de ter um impacto sobre o profissional da diplomacia. Acho que se tomará mais cuidado em todos os lugares, sobretudo nos Estados Unidos. O WikiLeaks não criou embaraços a maiores para o Brasil, mas é um fenômeno que deve ser objeto de reflexão em todas as chancelarias mundiais.
Como o senhor analisa a postura dos diplomatas americanos a partir dos documentos revelados?
Você chega à conclusão de que as chancelarias todas se assemelham muito. O tipo de narração, de análise, se parece muito com o tipo de narração que nós fazemos. Se vazassem documentos brasileiros, encontraríamos coisas semelhantes. Faz parte da cultura da diplomacia.
O senhor é citado em um dos documentos como fonte de um comentário segundo o qual não havia confiança plena do governo brasileiro na sinceridade do governo iraniano em relação ao programa nuclear. Se não havia essa confiança, por que o Brasil se colocou como intermediário da negociação?
O Brasil e a Turquia foram estimulados a ir adiante na negociação até a última hora. Vocês conhecem a história da carta do presidente Obama ao presidente Lula e ao primeiro-ministro da Turquia. Existia uma expectativa de que valia a pena, era interessante, embora houvesse muito ceticismo. Quanto ao meu comentário específico, eu me reservaria o direito de não comentar. Em circunstâncias normais, essa conversa não deveria ser vazada. O que posso dizer é que uma medida de desconfiança sempre existe na relação com diferentes parceiros. Além disso, esse comentário retratado no WikiLeaks foi feito em fevereiro de 2009 e depois disso, a confiança foi crescendo, aumentando gradativamente. Tanto que produziu um acordo.
A presidente Dilma concedeu uma entrevista em que afirmou discordar da posição brasileira em não condenar o Irã por violação de direitos humanos.
A presidente Dilma é muito sensível a isso, como deve ser. Eu me identifico plenamente com essa posição. A questão da ameaça de apedrejamento da iraniana obviamente vai contra tudo o que nós representamos. Somos um país onde não há pena de morte, e o Brasil é muito ativo na condenação internacional desse recurso punitivo, onde quer que ele seja utilizado. Não nos esqueçamos de que há pena de morte existe nos Estados Unidos, e no Irã.
O senhor conversou sobre isso com a presidente?
Ela deixou muito claro que seu engajamento com a promoção os direitos humanos envolve a visão de que todas as violações, todos os abusos devem ser tratados de maneira equânime. Não podemos cair na distorção de condenar um país e calar sobre outro. Acho que vai haver uma reflexão interna sobre essa questão dos direitos humanos. Agora, não quero adiantar em que direção, ou quais serão os matizes.
O regime venezuelano contribuiu para o enfraquecimento da democracia na América Latina?
Se nós olharmos ao redor do globo, a América do Sul é a única região do mundo em desenvolvimento onde todos os governos são democraticamente eleitos e se preocupam muito com a redução da concentração de renda. Isso é uma coisa positiva. Agora, há diferentes experimentos políticos. Alguns enfrentam obstáculos que têm a ver com a história, com a evolução interna. A Venezuela se polarizou muito, a ponto de a oposição ter tentado dar um golpe no presidente Hugo Chávez em abril de 2002. Para que a democracia realmente aprofunde suas raízes, esse é um projeto da sociedade como um rodo, do governo, da oposição.
Uma das criticas mais frequentes que se faziam no governo passado era sobre as sucessivas interferências do professor Marco Aurélio Garcia em assuntos diplomáticos. Ele continua no cargo de assessor da presidente. Qual a sua relação com ele?
Muito amigável, de muito respeito mútuo. Eu converso frequentemente com ele. Já participei de muitas reuniões com ele. Antevejo uma parceria muito boa.
O senhor não teme o duplo comando?
Eu vejo a oportunidade de complementaridade. Ele conhece como poucos a realidade política dos países vizinhos, é um homem culto, de conhecimento amplo. Facilita nosso trabalho o fato de eu o conhecer bem e de haver uma empatia. O ministro Amorim dizia sempre que, se o professor Marco Aurélio quisesse interferir em questões internas do Itamaraty, ele poderia ter feito isso., mas jamais tomou atitude alguma nesse sentido. Há um respeito muito grande pela instituição que o Itamaraty representa.
Continua então a "visão ideológica" na diplomacia brasileira?
A utilização da palavra "ideológica" é um problema, pois ela é usada de maneira diferente por diferentes interlocutores. Para Evo Morales, ser ideológico é ser neoliberal. Para países mais alinhados com os EUA, ser ideológico é ter uma política de esquerda, socialista. O correto é ter uma área de convergência em torno de objetivos e valores permanentes, como a democracia, a luta contra o preconceito, a busca de formas de cooperação internacional equânimes.
3 comentários:
O governo Dilma tem uma cara bem melhor que o governo Lula... apesar de tudo!
Aparentemente, continuamos com um sério problema nas relações internacionais. O braço direito de Dilma, Gilberto Carvalho, andou dizendo bobagens a respeito da instabilidade do Egito. Não sei se Patriota falou algo sobre isto, mas deveria! Afinal, ele é o responsável pela política externa. Ou não?
Fábio, estou gostando dos primeiros dias da Dilma. Espero que ela continue assim,
Popa, acho que está melhor. Esse Patriota mostrou ser uma pessoa sensata e sem preconceitos, sobretudo com os EUA. Ele é o chanceler e, como tal, é o que deve mandar nas relações internacionais.
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