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Foto: Obama, Cameron e Helle Thorning-Schmidt


quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Guerra Perdida

Traficantes de drogas do Complexo do Alemão posam para foto na zona oeste do Rio de Janeiro, um pouco antes da ocupação daquela comunidade pela polícia, foto de 7 de novembro de 2010, Felipe Dana.

Os estados nacionais deveriam mudar a estratégia em relação ao combate ao tráfico de drogas. Perde-se muita grana e muito tempo combatendo titiquinhas, como as marijuanas da vida. A nossa sociedade está se viciando no crack - pasta derivada da cocaina - e isso tem de ser combatido. O foco deve ser esse.

Sobre esse assunto matéria do Financial Times, traduzida pelo UOL:

Fracasso na luta contra o tráfico de drogas é crescente na América Latina

O aumento estonteante dos preços das commodities nos últimos dez anos teve duas exceções notáveis: a heroína e a cocaína.
Ambos os produtos desafiaram a inflação de uma forma só equiparável aos microprocessadores de computadores: os narcóticos estão mais baratos em valores reais do que estavam 20 anos atrás.
Esta é apenas uma ilustração de um fracasso global da tentativa de restringir a oferta de drogas ilegais. Embora a luta tenha custado bilhões de dólares e milhares de vidas, o negócio – e os seus efeitos sobre aqueles que consomem esses produtos – praticamente não foi afetado. A produção aumentou, e o consumo global cresceu com ela. Dos cerca de 272 milhões de consumidores mundiais de drogas ilegais, aproximadamente 250 mil morrem por ano.



Os Estados Unidos continuam sendo o maior consumidor de drogas do mundo, e a Europa está ganhando terreno rapidamente. Está ficando cada vez mais claro que a política de proibição conhecida como “guerra às drogas” lançada 40 anos atrás pelo presidente dos Estados Unidos Richard Nixon “fracassou” - conforme anunciou secamente um relatório recente da Comissão Global para Políticas sobre as Drogas (endossado por três ex-presidentes latino-americanos, por um ex-diretor da Organização das Nações Unidas e por um ex-presidente do Federal Reserve, o banco central dos Estados Unidos).
Isso está provocando ansiedade em Washington e em outras capitais ocidentais. Mas, na América Latina, o maior centro de produção e de comércio de drogas, as consequências desse fracasso continuam se acumulando de uma maneira que é mal percebida em outros lugares.
Cerca de 40 mil pessoas foram assassinadas no México, em sua maioria por cartéis de narcotraficantes, desde que o presidente Felipe Calderon lançou uma ofensiva contra o crime organizado em torno do narcotráfico, há quatro anos e meio. Na América Central, os índices de violência são, segundo algumas estimativas, piores do que no Afeganistão ou no Iraque.
A paz social e política está ameaçada. “Um tsunami do narcotráfico se abateu sobre a região”, diz Kevin Casas-Zamora, ex-vice-presidente da Costa Rica e atualmente analista da Brookings, uma instituição de pesquisa com sede em Washington. O general Douglas Fraser, chefe do Comando Sul dos Estados Unidos, afirmou que o crime organizado alimentado pelo tráfico de drogas na América Central é a mais grave das ameaças.
Pouca gente sugere que a região esteja prestes a transformar-se em um amontoado de “narco-estados” nos quais os governos são usurpados pelos cartéis da droga, embora possa haver um risco no caso da Guatemala, de Honduras e de El Salvador, os países centro-americanos mais afetados. A maior parte das economias de um continente cuja imagem no passado estava associada a moratórias de dívidas externas e à hiperinflação está atualmente em franco processo de crescimento. Enquanto os países desenvolvidos enfrentam altos níveis de endividamento e um crescimento lento, a América Latina transformou-se em um motor da economia mundial, mais conhecido pelas suas economias dinâmicas do que pelo tráfico de cocaína.
Mesmo assim, a maioria das democracias latino-americanas é jovem. O México, a segunda maior economia da América Latina, fez a sua transição democrática há apenas dez anos; o Brasil, a maior economia da região, há apenas 25 anos. Isso faz com que essas nações sejam especialmente vulneráveis à corrupção e à violência.
Pelo menos aquela época em que os Estados Unidos “certificavam” países com base nas suas capacidades de coibir a produção de drogas pertence ao passado. A maconha é atualmente a maior cultura agrícola da Califórnia em termos econômicos, gerando vendas de US$ 14 bilhões por ano. E a maior parte dos 10 mil laboratórios ilegais de produção de metanfetaminas apreendidos em todo o mundo em 2009 ficava também nos Estados Unidos.
Mesmo assim, o Ocidente continua a impor uma pressão considerável sobre a região. Os latino-americanos têm motivos convincentes próprios para fortalecer o estado de direito. Os benefícios econômicos e políticos disso “seriam enormes”, afirma Agustin Carstens, diretor do banco central do México. O Banco Mundial calcula que o crime e a violência custam à América Central 8% do seu produto interno bruto.
Mas muita gente na região passou a desconfiar da abordagem tradicional, que se concentra na criminalização e na repressão, e que não apresenta grandes resultados. De fato, o consumo local de drogas está aumentando; o uso da cocaína na América Latina é hoje em dia quase equivalente aos níveis europeus, embora ainda seja a metade do nível registrado nos Estados Unidos. Os problemas são vários.
Primeiro, a intensidade da violência que sempre acompanha o narcotráfico e que procura contê-lo é grotesca: decapitações, esquartejamentos e o massacre aleatório de inocentes. El Salvador, o país mais violento da região, registrou 71 homicídios por 100 mil habitantes em 2010, segundo estatísticas nacionais. No Brasil, esse índice foi de 25 por 100 mil habitantes. Em comparação, o índice de homicídios nos Estados Unidos ficou em menos de seis por 100 mil habitantes, e na Europa em menos de dois.
Segundo, o combate aos narcotraficantes é um grande peso para países que carecem daqueles recursos que o mundo desenvolvido considera normais. A América Latina continua sendo uma das regiões de maior desigualdade econômica do mundo. Até mesmo no México, um membro da Organização para Cooperação Econômica e Desenvolvimento, o clube dos países ricos, o governo estima que o seu índice de pobreza seja de 46%.
Terceiro, isso sobrecarrega as instituições policiais para além da capacidade de enfrentar o problema. A polícia mexicana foi de fato balcanizada pela constituição do país, de forma que atualmente existem forças separadas para cada um dos 32 Estados, e para cada um dos 2,3 mil municípios. Em algumas forças centro-americanas, os policiais têm que comprar munição com dinheiro do próprio bolso.
Muitas instituições nas nações ricas teriam dificuldades para enfrentar uma indústria transnacional altamente sofisticada e violenta que, segundo estimativas da Organização das Nações Unidas, gera lucros anuais de US$ 85 bilhões apenas com a cocaína – um valor que equivale a seis vezes o lucro bruto total da Coca-Cola no ano passado.
“Combater a corrupção e as drogas é como usar uma borracha de apagar feita com látex de uma falsa seringueira”, diz Malcolm Deas, da Universidade de Oxford, um historiador especializado na Colômbia que assessorou presidentes daquele país. “A borracha vai ficar sempre suja, e parte dela se fragmentará”.
Em todo o mundo começa-se a perceber que as políticas de proibição do século passado não surtiram efeito – e que enquanto as drogas que as pessoas desejam consumir foram ilegais, o que faz com que elas sejam fornecidas por empresários do crime, é improvável que tais políticas funcionem.
Nem mesmo a presença de 100 mil dos mais bem treinados soldados munidos com os armamentos mais sofisticados contribuiu muito para interromper o fluxo de opiáceos do Afeganistão, que responde por cerca de dois terços da produção global de heroína. No ano passado as condições climáticas desfavoráveis e as doenças contribuíram mais para reduzir a produção da droga do que as operações das tropas lideradas pela Organização do Atlântico Norte e da polícia afegã.
Quanto à América Latina, a única história de sucesso até agora é a Colômbia, e somente quando a avaliação é feita com base na queda do índice de homicídios, e não na exportação de drogas ilegais. Além do mais, o sucesso de Bogotá deve-se a situações que não têm como se repetir em outros lugares.
Primeiro, houve um enorme financiamento por parte dos Estados Unidos. Os US$ 6 bilhões gastos com o programa de auxílio ao combate à insurgência e ao narcotráfico, conhecido como Plano Colômbia, correspondeu a cerca de 6% do produto interno bruto colombiano em 2000 (o ano em que o programa teve início). Em contraste com isso, a iniciativa equivalente dos Estados Unidos no México foi no valor de US$ 1,4 bilhão, o que correspondeu a menos de 0,2% do Produto Interno Bruto mexicano em 2010.
Segundo, nos últimos 20 anos Bogotá tem feito um esforço contínuo e quase sobre-humano, que custou as vidas de uma grande quantidade de policiais e juízes. O país se beneficiou do fato de contar com uma força policial unificada quando começou a enfrentar seriamente o problema do crime organizado – algo que não ocorre em vários outros países. “Se uma força policial estiver fragmentada, os narcotraficantes vão simplesmente atacar seletivamente”, observa o general Oscar Naranjo, comandante da polícia da Colômbia.
Terceiro, os Estados Unidos e a Europa forneceram treinamento e inteligência à Colômbia, algo que não seria possível na maior parte da América Latina. Quando Alvaro Uribe, o então presidente da Colômbia, concordou em 2009 em permitir que as forças armadas dos Estados Unidos utilizassem as bases aéreas do país para ajudar as forças locais a combater os narcotraficantes, isso gerou protestos na região contra o “imperialismo ianque”. A constituição do México proíbe tropas estrangeiras de atuar no país, embora alguns oficiais da reserva do exército dos Estados Unidos tenham sido recentemente enviados para lá a fim de driblar tais leis, segundo noticiou o “New York Times”.
Finalmente, mesmo quando uma operação repressiva é bem sucedida, ela simplesmente desloca o problema para outros países. “Quanto mais sucesso temos com a repressão, mais o crime organizado segue para outros locais”, diz Laura Chinchilla, a presidente da Costa Rica.
Um número cada vez maior de pessoas, e não apenas libertários e hippies, está pedindo uma reavaliação radical da política para as drogas. Os Estados Unidos, por exemplo, foram capazes de ignorar os piores efeitos do seu problema durante vários anos. Na prática, a mentalidade adotada era de que, contanto que bombas não explodissem nem balas zunissem em Washington, em Nova York ou em Los Angeles, a violência não tinha importância. Mas, em um mundo mais globalizado, e com balas sendo disparadas em grande quantidade no vizinho México, Washington vê-se em uma situação cada vez mais difícil, e depara-se com a possibilidade de a violência cruzar a fronteira.
Não se sabe ao certo que medida deveria ser tomada. É altamente improvável que se invista mais dinheiro no combate ao problema, ao se levar em conta a situação em que se encontram as finanças dos Estados Unidos. As campanhas de prevenção do uso de drogas também não tiveram bons resultados, apesar das expectativas persistentemente elevadas. “Elas são economicamente eficientes, mas não geram muitos resultados concretos”, afirma Mark Kleiman, professor da Universidade da Califórnia em Los Angeles e autor do livro recém-publicado “Drugs and Drug Policy: What Everyone Needs to Know” (“Drogas e Políticas de Combate a Drogas: O que Todos Precisam Saber”). O debate sobre a legalização está sendo prejudicado por temores legítimos quanto ao risco do aumento dos índices de vício; serão necessários anos de estudo para que se entenda melhor esse fenômeno.
Uma alternativa promissora e barata seria reduzir o fluxo de armas para os países ao sul dos Estados Unidos. O presidente colombiano Juan Manuel Santos lamentou recentemente o fato de armas desmontadas serem despachadas pelo Federal Express para o seu país, onde elas são remontadas. No México, até 70% das armas apreendidas vêm dos Estados Unidos.
Mas esse debate nunca vai adiante devido à natureza sensível da questão para muitos norte-americanos que reiteram o seu direito constitucional de portar armas. Conforme o presidente Calderon disse em março durante uma visita a Washington: “Eu respeito a Segunda Emenda, mas nós estamos pedindo: não vendam armas a criminosos mexicanos”.
Algumas pessoas na região acreditam que, embora tome medidas para lidar com o problema, o Ocidente parece menos disposto a fazer sacrifícios. O México, por exemplo, adotou reformas policiais que exigirão uma mudança constitucional para que sejam implementadas, enquanto que uma proibição nos Estados Unidos da venda doméstica de fuzis semiautomáticos que expirou em 2004 ainda não foi reinstituída. Muitos acreditam que o Ocidente fracassou na tarefa de coibir a lavagem de dinheiro. Conforme observou Carlos Slim, o magnata mexicano do setor de telecomunicações que é o homem mais rico do mundo: “É uma injustiça o fato de os países produtores de droga ficarem com todos os problemas, e as nações consumidoras com todos os lucros”.
Não existe nenhuma solução mágica para o problema das drogas. Mas muita gente na região acredita que quanto mais os países consumidores ocidentais deixarem de assumir um papel significativo para a redução da violência extrema vinculada às tentativas de conter o desejo dos seus cidadãos de consumir drogas ilícitas, mais óbvio ficará que esses países têm as mãos sujas de sangue. As forças de segurança e os narcotraficantes engajaram-se em uma espécie de “corrida armamentista”, conforme disse o relatório da Comissão Global para Políticas sobre as Drogas. “Quebrem o tabu quanto ao debate e às reformas. O momento para agir é agora”.

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