No fim de julho de 2011, 250.000 pessoas invadem a avenida Rothschild, uma das principais vias de Tel Aviv, para protestar contra o aumento no preço dos aluguéis e o corte de benefícios sociais. |
Do New York Times
Protestos forçam Israel a confrontar a desigualdade de riqueza
Ethan Bronner
Em Tel Aviv (Israel)
Eles são presença constante nas páginas sociais e nas revistas. Alguns são elogiados pelas alas de hospitais que construíram, outros são alvos de fofoca por suas peculiaridades.
Mas atualmente, o punhado de famílias ricas que domina a economia israelense está assumindo um novo papel: o de principais alvos dos manifestantes acampados, que têm sacudido Israel no último mês.
Os “magnatas”, como são conhecidos mesmo em hebraico, repentinamente passaram a sofrer um escrutínio enfurecido por parte das famílias de classe média, que se queixam de que um país antes visto como exemplo de igualdade agora apresenta uma das maiores desigualdades de renda do mundo industrializado.
Os manifestantes acampados, que mudaram o discurso público exigindo moradias a preços acessíveis e outros bens essenciais, emitiram um documento nesta semana pedindo uma nova agenda sócio-econômica. A principal de suas metas: “a redução das desigualdades sociais”.
“O que está mantendo as pessoas nas ruas é a pergunta: se todos nós estamos enfrentando dificuldades e estamos todos trabalhando e pagando impostos, quem está lucrando?” disse Daphni Leef, a cineasta de 25 anos que iniciou este movimento com uma postagem no Facebook e permanece em seu centro. “Nós sabemos que existem certas famílias que têm muito dinheiro e muita influência, e que não há transparência. As pessoas se sentem enganadas.”
Essas famílias –os Ofers, os Dankners, os Tshuvas, os Fishmans e outros– são responsáveis pelos 10 maiores grupos empresariais no país e juntas controlam aproximadamente 30% da economia. Elas sem dúvida estão entre os alvos de outra série de manifestações de rua, planejadas para a noite de sábado.
“Está ficando mais claro para mais e mais pessoas que esta questão da concentração de renda se tornou mais importante”, disse Einat Wilf, uma legisladora que apresentou no ano passado um projeto de lei para tratar do assunto. “Em consequência dos protestos, há uma maior vontade política de combatê-la do que no passado.”
Outros rebatem que a concentração de renda é apenas um dos vários fatores que contribuem para o atual lamento da classe média, e que se concentrar exclusivamente nela desvia a atenção de outros assuntos igualmente importantes. Eles apontam para o orçamento inchado da defesa, os subsídios para os ultraortodoxos e o custo dos assentamentos na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental, onde o Ministério do Interior disse na quinta-feira que construiria 1.600 moradias e anunciou planos para 2.700 adicionais. Mas a questão tem forte apelo populista.
Apesar da economia de Israel ser forte, os dados sobre concentração de riqueza, publicados pelo Banco de Israel, são incômodos. Um pequeno grupo de empresas de propriedade familiar controla os bancos, redes de supermercados e empresas de mídia, telefonia celular e seguradoras. Elas tomam empréstimos em peso, colocando a economia como um todo em risco e, por meio de uma rede de empresas interligadas, dificultam para outros ingressarem nos mercados que dominam.
“Estes são os chamados esquemas de pirâmide, porque por meio das ações de uma empresa elas assumem o controle de uma segunda empresa e, por meio desta, de mais outra, em uma cadeia de propriedades”, disse Eytan Sheshinski, um economista da Universidade Hebraica de Jerusalém. “Elas conseguem mover os lucros pela pirâmide, o que não acontece nos Estados Unidos, devido ao sistema tributário de lá.”
Mesmo assim, o estudo do Banco de Israel mostra que apesar dos Estados Unidos, Reino Unido e Alemanha terem menos concentração de renda do que em Israel, ele não é muito diferente de várias outras democracias. Com base nas empresas das 10 maiores famílias empresariais, Israel está mais ou menos na mesma situação que a Suíça, França e Bélgica, e sua riqueza é bem menos concentrada do que no caso da Suécia.
No ano passado, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu formou um comitê para examinar a concentração de renda e encontrar formas de reduzir o poder dos monopólios.
“Uma pirâmide é uma ferramenta para alavancar em peso seu capital e manter o controle sobre grandes entidades econômicas”, disse o professor Eugene Kandel, o assessor econômico chefe de Netanyahu, em uma entrevista. “Nós sabemos ao olhar para outros países que grandes grupos empresariais alavancados podem desacelerar o crescimento, causar instabilidade e obstruir a concorrência. O comitê nomeado pelo primeiro-ministro Netanyahu trabalha para impedir que isto cresça em um programa de grande escala em Israel.”
Daniel Doron, que dirige o Israel Center for Social and Economic Progress, uma organização de pesquisa pró-mercado, disse estar convencido de que a forma como os ativos estatais deficitários foram privatizados nos anos 80 e 90 levou a uma consolidação perigosa, assim como ocorreu na antiga União Soviética e em alguns países árabes, como o Egito e a Síria. Bancos, construtoras e mineradoras, todos de propriedade do Estado e em diversos graus de dificuldades, foram vendidos para aqueles que podiam comprá-los.
“Foi basicamente uma venda de ativos para amigos”, disse Doron. Assim que a economia começou a crescer no final dos anos 90, essas empresas usaram suas poderosas posições de mercado para aumentar acentuadamente suas taxas, ele disse, acrescentando: “Hoje, toda a economia israelense é composta por elites exploradoras e consumidores espoliados”.
Na época das privatizações, dizem alguns, a direita as apoiava por motivos ideológicos, enquanto a esquerda queria tirar a economia das mãos do governo, que a direita frequentemente controlava.
O resultado –um número limitado de indivíduos com controle de muitos ativos nacionais– preocupa os israelenses, tanto da esquerda quanto da direita.
Talvez o melhor exemplo seja Nochi Dankner, presidente da IDB Holdings. Seu grupo controla a Super-Sol, a maior rede de supermercados, a Cellcom, a maior empresa de telefonia celular, a Netvision, uma das maiores empresas de Internet, e a Clal Finance, uma das maiores instituições financeiras. Ele acabou de comprar o controle acionário do “Maariv”, um dos maiores jornais. Dankner se recusou a comentar para este artigo.
O controle de empresas de mídia, especialmente ao se tornarem menos lucrativas, é um aspecto da concentração de renda que deixa muitos particularmente preocupados. As emissoras de TV comerciais já são parcialmente de propriedade dos magnatas, assim como vários jornais. Sheldon Adelson, um proprietário de cassino judeu-americano e amigo de Netanyahu, publica um jornal israelense gratuito, amplamente visto como promotor da agenda do primeiro-ministro.
Guy Rolnik, editor do “The Marker”, um jornal financeiro de propriedade do “Haaretz” que tem atacado a concentração de riqueza, disse que a questão não tem recebido atenção na mídia devido a quem é dono das empresas e pelo temor de perda de receita publicitária. Os jornais com frequência parecem ser ferramentas de magnatas enfrentando uns aos outros, assim como certas figuras políticas.
Um repórter de televisão, que falou sob a condição de anonimato devido à delicadeza do assunto, disse que sua emissora provavelmente não faria um programa a respeito da concentração de renda, para evitar incomodar os proprietários da emissora.
Mas muitos dos magnatas estão um pouco à esquerda de Netanyahu em política exterior, e seus jornais podem ser impiedosos contra ele. Outros jornais acusam o primeiro-ministro de estar na cama com os ricos. Outros dizem que o foco nos magnatas é uma tentativa de desviar a atenção do custo dos assentamentos e das políticas de paz fracassadas.
O comitê de Netanyahu deverá fazer recomendações daqui a um ou dois meses. Elas poderão incluir uma mudança no código tributário para as empresas, assim como regulamentações antitruste, dificultando ou tornando ilegal a propriedade em diversos setores, lembrando os passos adotados nos Estados Unidos na primeira metade do século 20. Mas elas não recomendarão o tipo de redistribuição de renda que muitos manifestantes estão pedindo.
“Antes era politicamente impossível atacar os cartéis, mas agora que 300 mil pessoas foram às ruas, nós temos um mandado”, disse um assessor de Netanyahu. “Mas o primeiro-ministro não transformará novamente esta nação em um país socialista.”
Tradução: George El Khouri Andolfato
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