As fotos são do Boston Globe |
Qual será o futuro da Tunísia?
Prova cabal de que as eleições e a democracia em grande parte do mundo muçulmano não funcionam é que o ditador deposto da Tunísia, Zine el Abidine Ben Ali, havia sido eleito para a Presidência pela última das cinco vezes com 89,62% dos votos. Isso foi em 2009. No pleito anterior, obtivera 94,49%.
Ben Ali não é um caso isolado. Na Síria, Bashar al Assad ungiu-se em 2007 para mais sete anos de mandato com o apoio de 97,2% de seus concidadãos. No Egito, o eterno presidente Hosni Mubarak obteve em 2005 seu quinto mandato consecutivo, com 88,6% dos votos.
Saddam Hussein também era um sujeito popular. Em 1995 ele fora aprovado por 99,96% dos iraquianos e, em 2002, conseguiu atingir a notável marca dos 100%, como referiu Hélio Schwartsman em sua coluna na Folha da última terça.
O futuro da Tunisia permanece incerto após a renúncia do ditador Ben Ali, e a derrocada de uma ditadura de 23 anos.
E o que fez derrubar o regime? Uma revolta popular, a chamada Revolução de Jasmin, apelido dado pelos tunisianos em referência à flor símbolo do país e logo encampado pela mídia ocidental, eclodiu quando um homem de 26 anos, de formação universitária, ateou fogo ao corpo em protesto pela apreensão de sua barraca de frutas (abaixo).
Ditador Ben Ali visita o comerciante que ateou fogo em seu corpo em protesto contra o governo. |
O gesto desesperado calou fundo numa nação em que a taxa oficial de desemprego está em 14%, mas chega a atingir 60% entre os jovens, em algumas áreas. A corrupção endêmica, que vinha ganhando contornos ainda mais escandalosos com atividades de membros do clã da primeira-dama, Leila Trabelsi, serviu de combustível para a revolta.
A absoluta falta de espaço para o dissenso e o número recorde de prisioneiros políticos também contribuíram para elevar a fervura do caldeirão de descontentamento -apesar de o país viver situação razoável do ponto de vista econômico, com crescimento médio de 5% até a crise de 2008.
Os protestos ganharam força impulsionados pelo uso da internet, mas também pela ampla cobertura de veículos tradicionais, como a TV Al Jazeera. A violenta repressão deixou cerca de 80 mortos na conta oficial -e mais de cem segundo entidades de direitos humanos. A reação do governo seguiu o roteiro de sempre, o desfecho não. Quando percebeu que os protestos não cederiam, o ditador tentou negociar. Era tarde.
A queda do déspota traz uma série de questões para a ex-colônia francesa de 10,5 milhões de habitantes no norte da África.
"Nosso povo é digno de uma vida evoluída e institucional fundada sobre um autêntico pluripartidarismo e organização de massas", discursou Ben Ali em 1987, ao assumir o poder no golpe que derrubou seu antecessor, Habib Bourguiba, líder desde a independência, em 1956. A partir de então, reelegeu-se sempre com mais de 90% dos votos -índice que revela o vazio de suas palavras.
Desta vez, as primeiras medidas são auspiciosas. O primeiro-ministro, Mohamed Ghanuchi, disse que vai legalizar todos os partidos políticos, prometeu eleições em seis meses e anunciou a libertação dos prisioneiros de consciência.
Um dos maiores desafios será isolar os radicalismos islâmicos e manter a secularidade do país, onde as mulheres podem andar de cabeça descoberta e desempenhar funções de relevo. As ameaças extremistas de ordem nacionalista também são um risco.
Pela ótica externa, a repercussão da reviravolta colocou os ditadores da região em alerta. No Egito, comandado por Hosni Mubarak desde 1981, um homem se autoimolou diante do Parlamento. Na Argélia, onde Abdelaziz Bouteflika assumiu o poder em 1999, foram quatro episódios semelhantes. Houve movimentação também na Líbia, de Muammar Gaddafi, no controle desde 1969.
Ainda que seja improvável uma onda de democracia na região, a Tunísia, a depender da evolução dos acontecimentos, poderá representar uma saudável novidade no autocrático mundo árabe.
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