Diversidade, Liberdade e Inclusão Social

Foto: Obama, Cameron e Helle Thorning-Schmidt


quinta-feira, 5 de março de 2009

Ditadura ou Ditabranda?


O jornal alternativo Pasquim que circulava na época da ditadura (ou ditabranda) militar brasileira.
Nas ditaduras da Argentina e do Chile, das décadas de 60 e 70, não havia esse tipo de mídia.

Ditadura à brasileira

Marco Antonio Villa
Folha de hoje

É rotineira a associação do regime militar brasileiro com as ditaduras do Cone Sul (Argentina, Uruguai, Chile e Paraguai). Nada mais falso
O regime militar brasileiro teve características próprias, independentes até da Guerra Fria. Fez parte de uma tradição anti- democrática solidamente enraizada e que nasceu com o positivismo, no final do Império. O desprezo pela democracia foi um espectro que rondou o nosso país durante cem anos de república. Tanto os setores conservadores como os chamados progressistas transformaram a democracia em um obstáculo à solução dos grandes problemas nacionais, especialmente nos momentos de crise política.

O regime militar brasileiro não foi uma ditadura de 21 anos. Não é possível chamar de ditadura o período 1964-1968 (até o AI-5), com toda a movimentação político-cultural. Muito menos os anos 1979-1985, com a aprovação da Lei de Anistia e as eleições para os governos estaduais em 1982. Mas as diferenças são maiores.

Enquanto a ditadura argentina fechou cursos universitários, no Brasil ocorreu justamente o contrário. Houve uma expansão do ensino público de terceiro grau por meio das universidades federais, sem esquecer várias universidades públicas estaduais que foram criadas no período, como a Unicamp e a Unesp, em São Paulo. Ocorreu enorme expansão na pós-graduação por meio da ação do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), especialmente, e da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), em São Paulo.

Ou seja, os governos militares incentivaram a formação de quadros científicos em todas as áreas do conhecimento concedendo bolsas de estudos no Brasil e no exterior. As ditaduras do Cone Sul agiram dessa forma? A Embrafilme -que teve importante papel no desenvolvimento do cinema nacional- foi criada no auge do regime militar, em 1969. Financiou a fundo perdido centenas de filmes, inclusive de obras críticas ao governo (o ministro Celso Amorim presidiu a Embrafilme durante o regime militar). A Funarte foi criada em 1975 -quem pode negar sua importância no desenvolvimento da música, das artes plásticas e do teatro brasileiros? E seus projetos de grande êxito, como o Pixinguinha, criado em 1977, para difundir a música nacional?

No Brasil, naquele período, circularam jornais independentes -da imprensa alternativa- com críticas ao regime (evidentemente, não deve ser esquecida a ação nefasta da censura contra esses periódicos). Isso ocorreu no Chile de Pinochet? E os festivais de música popular e as canções-protesto? Na Argentina de Videla esse fato se repetiu? E o teatro de protesto? A ditadura argentina privatizou e desindustrializou a economia. Quem não se recorda do ministro Martinez de Hoz?

Já o regime militar brasileiro estatizou grande parte da economia. Somente o presidente Ernesto Geisel criou mais de uma centena de estatais. Os governos militares industrializaram o país, modernizaram a infraestrutura, romperam os pontos de estrangulamento e criaram as condições para o salto recente do Brasil, como por meio das descobertas da Petrobras nas bacias de Santos e de Campos nos anos 1970. É sabido que o crescimento econômico foi feito sem critérios, concentrou renda, criou privilégios nas empresas estatais (que foram denunciados, ainda em 1976, nas célebres reportagens de Ricardo Kotscho sobre as mordomias) e estabeleceu uma relação nociva com as empreiteiras de obras públicas.

Porém, é inegável que se enfrentaram e se venceram vários desafios econômicos e sociais. É curioso o processo de alguns intelectuais de tentarem representar o papel de justiceiros do regime militar. Acaba sendo uma ópera-bufa.

Estranhamente, omitiram-se quando colegas foram aposentados compulsoriamente pelo AI-5, como Florestan Fernandes, Fernando Henrique Cardoso, Emilia Viotti da Costa, entre outros; ou quando colegas foram presos e condenados pela "Justiça Militar", como Caio Prado Júnior. Muitos fizeram carreira acadêmica aproveitando-se desse vazio e "resistiram" silenciosamente.

A história do regime militar ainda está presa numa armadilha. De um lado, pelos seus adversários. Alguns auferem altos dividendos por meio de generosas aposentadorias e necessitam reforçar o caráter retrógrado e repressivo do regime, como meio de justificar as benesses. De outro, por civis (estes, esquecidos nas polêmicas e que alçaram altos voos com a redemocratização) e militares que participaram da repressão e que necessitam ampliar a ação opositora -especialmente dos grupos de luta armada- como justificativa às graves violações dos direitos humanos.

MARCO ANTONIO VILLA, 52, é professor de história do Departamento de Ciências Sociais da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos) e autor, entre outros livros, de "Jango, um Perfil".

Parabéns ao autor do texto. Foi o mais elucidativo que li sobre o assunto da ditadura e da ditabranda. Efetivamente, o regime militar brasileiro foi muito mais brando do que os regimes da Argentina e do Chile.

Um comentário:

PoPa disse...

Caro Maia, como alguém que vivenciou, na universidade, o período mais fechado da "ditabranda", em 1968, tenho absoluta certeza que este regime foi muito mais brando que qualquer outro da América Latina, Cuba incluída. Não havia barreiras para quem quisesse sair do país, para quem quisesse abrir uma empresa, trabalhar, fazer concursos. A única coisa que eu achava horrível - e era - era a tentativa de doutrinação dos estudantes, através da famigerada materia OSPB. Não deu muito certo, mas eles fizeram algo que pagamos até hoje: desmontaram todo o movimento estudantil, com uma reforma do ensino superior que até agora prevalece. Não temos mais um movimento estudantil. Temos pelegos que fazem o que o governo quer, com dinheiro do governo - nosso.