Diversidade, Liberdade e Inclusão Social

Foto: Obama, Cameron e Helle Thorning-Schmidt


segunda-feira, 14 de abril de 2008

Invasões Bárbaras -


Não houve, nas últimas duas semanas, assunto capaz de rivalizar com o "caso Isabella". Mesmo quem quis se preservar alheio ou distante acabou de alguma forma tragado pelo turbilhão do noticiário: onipresente nas TVs e nas rádios, freqüentou, na internet, os primeiros lugares de qualquer relação de notícias mais acessadas e recebeu, de jornais e revistas, páginas e mais páginas diárias.Estamos diante de um episódio em que o interesse público tende a ser nulo, mas que mobiliza no grau máximo o interesse do público. E não é simples definir onde termina a demanda por informação e onde a mídia começa a engendrar necessidades psicológicas e/ou sociais.É claro, no caso desses programas parajornalísticos sustentados horas a fio por locutores exaltados e imagens exaustivas, que não se trata mais de informar, mas de entreter o público a qualquer preço. Trata-se, em suma, de alimentar e eventualmente satisfazer curiosidades mórbidas ou taras socialmente toleradas, de estabelecer com o espectador, por meio de truques espetaculosos, uma interação de fundo lúdico, obviamente perversa, mantendo vivas nele a sede de vingança e a sensação de que amanhã sempre tem mais.Mas seria fácil se pudéssemos contrapor com clareza os abusos dessa mídia apelativa e o nosso bom senso. Não é assim. Existem, sim, diferenças de procedimentos e talvez de propósitos, mas seria necessário que nos detivéssemos um pouco mais sobre as identidades. Ou sobre o que nos torna -nós, os "sensatos"- cúmplices ou protagonistas de ações bárbaras.Crianças de quatro, cinco anos são capazes de relatar em detalhes a tragédia de Isabella. Com que recursos processam tamanha violência? Psicólogos nos dão conta de que explodiram os casos de filhos aterrorizados e pais atônitos ou apreensivos com seus próprios limites. E se o casal suspeito e linchado for inocente? São danos irreparáveis e reflexões condenadas diante de tanto som e tanta fúria.


Artigo de Fernando de Barros Silva na Folha de hoje.

Um comentário:

Bípede Falante disse...

A morte da (minha) menina
José Pedro Goulart
De Porto Alegre (RS)
Tentei pensar em outro assunto. Tentei. Mas não consegui (aliás, não consigo). O rosto da filha dele me vem a toda hora, o rostinho dela. Uma menininha. Li nos jornais que ouviram ela dizer: "pára, papai". Ela pediu para parar? Valha-me minha Nossa Senhora, ela pediu para parar? Parar o quê?
Há quem critique a imprensa por estar dando um destaque exagerado ao assassinato da menina Isabella, inclusive vendo excessos naquilo que chamam de "condenação prematura" do pai e da madrasta. E eu, querendo me agarrar numa lógica que sempre segui, de ver os dois lados, esperar os fatos - como se essa lógica fosse uma bóia - só me afundo num mar profundo de raiva, de dor. Essa bóia não me serve nesse mar.
É que me vem o rosto dela, já sonhei e acordei pensando nele. E fiquei obcecado pela voz também, de tal maneira que me pus em pranto outro dia quando minha filha disse "pára, papai", isso quando eu fazia cócegas nela. A morte da filha dele pôs a minha bóia, na qual venho me sustentando por uma vida, em xeque. Me surpreendi querendo vingança. Descuidado, pensei em justiça a qualquer preço. Perdi um tanto de civilidade.
A briga, a surra, o desfalecimento. Em seguida, o teatro: o corte da rede, primeiro com uma tesoura, depois com uma faca (depressa, depressa!) e então o arremesso da criança AINDA VIVA. Valha-me, valha-me, valha-me o diabo. De que somos feitos? Quem é que somos? É possível alguma ordem nesse inferno?
Houve um crime terrível. Uma menina foi morta. Não, ela não se chama Isabella. Essa é a filha dele. Houve um "outro" crime terrível. E esse diz respeito a mim. Dentro de mim morreu uma menina que, apesar de eu ter envelhecido sempre procurei mantê-la assim, uma criança. E essa menina eu chamava de Ilusão.