Notícia prematura de uma morte
Clovis Rossi
Temo ser prematura a notícia da morte do neoliberalismo, dada com exclusividade na edição de segunda desta Folha por esse excelente analista que é Luiz Carlos Bresser-Pereira. Convém primeiro qualificar a morte. Se se trata do conceito de "todo o poder aos mercados", o grito de guerra do neoliberalismo, é bem possível que Bresser tenha razão. Mas, se se trata de sua aplicação prática, suspeito que o suposto cadáver revela notável higidez. Bresser usou, no atestado de óbito, dois fatos da vida que, a meu ver, provam exatamente o contrário, ou seja, a sobrevida do "todo o poder aos mercados". Eram o socorro ao Bear Stearns e as revoltas em países atingidos pela alta de preço de alimentos. Ora, o que ficou claríssimo é que os governos agiram com enorme rapidez para socorrer o sistema financeiro, mas não exibem nem remotamente a mesma velocidade para encarar o problema da fome decorrente da alta de preços de alimentos. Pior: a quantidade de dinheiro despejada no socorro ao sistema financeiro daria para matar a fome do mundo todo, até daqueles que nunca passaram perto dela e nem reparam se os alimentos estão mais caros ou não. Mesmo sendo comparativamente menor -bem menor- a quantia de dinheiro requerida para escapar do risco de fome em massa, os governantes ficam discutindo, academicamente, se a inflação da comida é culpa dos biocombustíveis ou dos subsídios do mundo rico a seus agricultores ou das carências da agricultura nos países mais pobres. Na hora de ajudar os bancos, não houve discussão. Foram ao ponto e abriram as arcas. Uma das características centrais do tal neoliberalismo é exatamente essa: os mercados comandam o governo. A política, a que deveria ter "pê" maiúsculo, não tem lugar nesse esquema, açambarcado pelo capitalismo financeiro.
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