Diversidade, Liberdade e Inclusão Social
Foto: Obama, Cameron e Helle Thorning-Schmidt
quinta-feira, 29 de janeiro de 2009
Frases do Fórum Social Mundial
Pesquei da agência Carta Maior do artigo de Katarina Peixoto:
Frases dos cartazes da passeata de inauguração do FSM em Belém.
Aqui tem verde.
Lula, cadê a garantia do emprego?
Viva a Resistência do Povo Palestino.
Eu vim para trabalhar, não para morrer.
Un mondo diverso è possible.
PT contra a guerra.
Não às barragens de Belo Monte e do Xingu.
Vamos Amazonizar o mundo.
Regularização das terras quilombolas.
Trabalho escravo: vamos abolir de vez.
Sindicato pelo trabalho decente.
Abaixo a rede Globo.
Palestina Livre.
Samba, índios, samba.
Apresentação do documentário Mataram Irmã Dorothy.
Sem Intolerância.
Presença anglicana no Fórum.
Marcha da Maconha.
Trabalhadores não podem pagar pela crise.
Por espaços mais justos e sociedades mais humanas.
Italianos carregam bandeira da Palestina.
Pra lutar contra Lula e os patrões: construir uma nova central sindical.
Conlutas: todo apoio ao povo palestino.
Intoxicados da FUNASA – lutar pela vida é lutar pelos direitos humanos.
Economia Solidária: outra economia acontece.
Reforma Urbana.
Não à corrupção.
Povo na Rua, trabalho escravo nem pensar.
Caravana carbono neutro.
Movimento agroecológico América Latina e Caribe.
Coletivo contra Naturas: radicalidade lesbiana.
Virgem de Nazaré, na terra de direitos onde não está a justiça.
Rede da juventude pelo meio ambiente sustentável.
Respeitabilidade religiosa.www.rosalux.de
Los Derechos Humanos son para todas las personas.
Aldeia da paz.
Visión para um nuevo mundo.
A violência é apenas uma consequência da desigualdade social.
Sim, um outro mundo é possível, sem usinas termelétricas: não à U.T.E. da Vale.
Todo dia é dia de luta pela saúde.
Um mundo de direitos.www.amisrael.com.br
Resistentes e Teimosos na construção de outro mundo possível.
Movimento Nacional pela Moradia Popular.
The right to know, the right to live, government money is our money.
SOS Saúde Mental (bordado sobre pano verde).
Pela saúde pública e universal para todos os povos.
Crítica Radical: Fora Política, não vote.“Capitalismo é para morrer, não adianta o estado socorrer”.
Que crise é essa?
Não às fundações de direito privado.
VEM= Vegetarianos em Movimento.
Apocalipse 3:20.
AHE Belo Monte: energia para nossa gente.
Palestina livre e soberana.
Aborto é um direito.
MaMuMu.
Igualdade.
Chega de massacre e genocídio.
Liberdade de amar é um direito.
Kizomba: nosso planeta não está à venda.
Queremos o título definitivo.
Saneamento básico e segurança.
Escola de samba planetária.
Não à redução da maioridade penal.
Cachorro quente + suco = 1,50.
Socializar a riqueza para combater a desigualdade.
Por outra imagem da mulher na tevê.
Feministas contra o capital.
Feministas contra o racismo.
Pela vida das mulheres.
Direito ao nosso corpo, legalizar o aborto.
Cuidado, racismo mata.
Povos da bacia do rio Madeira no FSM 2009, não às empresas na amazônia.
Não há direitos humanos sem as mulheres.
São culpados pela crise: BID, Banco Mundial, FMI.
O mundo discute suas diversidades – Conselho Municipal de Saúde de Manaus.
Outro mundo amazônico é possível.
O Maranhão exige respeito. Sarney Nunca Mais.
“Ni guerra que nos destruya, ni paz que nos oprima”.
“Segura, segura imperialista, a América Latina vai ser toda socialista!”
Onde Foram Parar os Antiglobalistas?
Manifestantes antiglobalização em Seattle em 1999.
Em Belém, os antiglobalistas se reorganizam em torno do combate ecológico
Laurence Caramel do Le Monde
Laurence Caramel do Le Monde
Onde foram parar os antiglobalistas? Apesar de a crise financeira ter abalado as certezas dos liberais mais fervorosos, aqueles que há quase dez anos se impunham como uma força ascendente de oposição à globalização liberal, no estardalhaço do primeiro fracasso da OMC em Seattle (EUA), estão ausentes dos debates sobre a reforma do capitalismo, que faz parte da agenda das grandes potências e principalmente do Fórum de Davos, que acontece esta semana.
Oito anos após sua primeira edição em Porto Alegre, o Fórum Social Mundial (FSM) foi aberto na terça-feira (27 de janeiro) para cinco dias em Belém, às portas da Amazônia, voltando para o Brasil após desvios pela Ásia e pela África e um ano "em branco" em 2008, durante o qual o Fórum deu lugar a uma jornada de ação mundial que passou praticamente despercebida.
Quase 100 mil pessoas são esperadas na capital do Estado do Pará, sinal da atração que esse espaço único de encontros e debates continua a exercer sobre os movimentos da sociedade civil. Os antiglobalistas ficaram de fora? "O Fórum Social Mundial é movimentado por uma renovação permanente de organizações que querem se juntar novamente ao processo", garante Catherine Gaudard, do Comitê Católico contra a Fome e pelo Desenvolvimento (CCFD), ao mesmo tempo em que reconhece que o movimento perdeu visibilidade.Nem todos compartilham desse otimismo.
De fato, para que a reunião não se limitasse a um grande grito de protesto, em 2005 foram redigidos cadernos de propostas. Mas a iniciativa não foi em frente. "Não haverá uma única voz antiglobalização que nos dê um novo modelo ideal de sociedade. A crise atual nos faz ver com mais clareza o absurdo de certos mecanismos perversos do capitalismo. Mas o outro mundo no qual acreditamos se construirá na diversidade", explica o brasileiro Chico Whitaker, um dos fundadores do Fórum. Ele lembra que a regulamentação mais rígida dos mercados e o controle dos paraísos fiscais são ideias que foram trazidas pelos antiglobalistas.
Se a crise financeira está no centro dos debates, o Fórum 2009 assume, entretanto, uma coloração nova, com a posição concedida à mudança climática e à crise ecológica. "Esse sinal é muito importante. A mudança climática não é simplesmente uma questão ambiental, é com urgência que os movimentos sociais devem tomar conta dela. As populações mais pobres serão as primeiras vítimas do desajuste climático", explica Kátia Maia, da Oxfam International, que vê ali uma oportunidade de reforçar os laços entre ONG de proteção ambiental e movimentos sociais.É o que também espera Cândido Grzybowski, diretor do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase): "Aqueles que quiserem preservar o ambiente deverão levar em conta o destino das populações". Luta contra o aquecimento, agrocombustíveis e segurança alimentar, acesso aos recursos naturais, dívida ecológica... Não faltam assuntos onde se cruzam o meio ambiente e as lutas sociais. A Amazônia é o melhor símbolo disso, e o Fórum realmente espera ter um peso no debate internacional.Belém também será a ocasião para se fazerem ouvir milhares de indígenas, representantes desses povos nativos tão pouco considerados nas discussões internacionais. A sobrevivência deles depende de decisões que os Estados tomarão ou não para preservar os grandes ecossistemas planetários.
Tradução: Lana Lim
Estatais Brasileiras Financiam Fórum Social Mundial
Participantes do FSM "comemoram" 50 anos da revolução cubana em Belém, PA.
Quatro empresas estatais contribuíram com R$ 850 mil para a organização do Fórum Social Mundial deste ano, que acontece até o dia 1º de fevereiro em Belém (PA).
Petrobrás (R$ 200 mil), Banco do Brasil (R$ 150 mil), Caixa Econômica (R$ 400 mil) e Eletronorte (R$ 100 mil) afirmam que a contrapartida do patrocínio foi publicitário --anúncios no material impresso do encontro e nos locais de palestras.
No caso do Banco do Brasil, houve também o acerto para que a instituição fosse o banco oficial do evento.
Nas placas espalhadas pela UFPA (Universidade Federal do Pará) e pela UFRA (Universidade Federal Rural da Amazônia), os dois principais locais onde o encontro acontece, a reportagem viu os logotipos da Petrobrás e da Caixa, mas nenhum da Eletronorte.
A questão de como bancar o fórum é polêmica. Como o encontro se pretende apartidário, há participantes que dizem que a vinculação com empresas gerenciadas pelo governo federal cria a possibilidade de que ele seja, do ponto de vista político, "chapa branca".
Em 2003, por exemplo, o evento conseguiu arrecadar R$ 1,8 milhão com Petrobrás e Banco do Brasil --valor já corrigido pelo IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo).
Para as edições de 2004 e 2005, a Abong (Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais), recebeu, em cifra também corrigida, cerca de R$ 640 mil dos Correios por meio da SMPB Comunicação, agência de publicidade de Marcos Valério --acusado de ser o articulador financeiro do esquema do mensalão.
À época, a entidade se disse "perplexa" e afirmou que desconhecia a possibilidade de que o dinheiro pudesse ter origem irregular.
Para Cândido Grzybowski, do Ibase (Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas), fundador do evento, "não haveria fórum no Brasil" se não houvesse apoio de estatais.
"Mas este ano foi o que teve o menor valor [das estatais]", disse. Segundo Grzybowski, a "pequena" ajuda das empresas ligadas ao governo federal é resultado de uma maior eficiência do autofinanciamento --pelo qual as próprias entidades que compõem o fórum o financiam por meio, por exemplo, de taxas de participação.
Ele nega que o investimento das estatais direcionam a orientação política do evento. "Não há condicionamento. Nunca me impuseram nada como agenda. A Petrobrás não faz outros patrocínios?", disse.
Além dos valores das estatais, o fórum atraiu para cidade investimentos públicos --dos governos federal e estadual-- recordes de aproximadamente R$ 145,3 milhões para infraestrutura, segurança e saúde.
Petrobrás (R$ 200 mil), Banco do Brasil (R$ 150 mil), Caixa Econômica (R$ 400 mil) e Eletronorte (R$ 100 mil) afirmam que a contrapartida do patrocínio foi publicitário --anúncios no material impresso do encontro e nos locais de palestras.
No caso do Banco do Brasil, houve também o acerto para que a instituição fosse o banco oficial do evento.
Nas placas espalhadas pela UFPA (Universidade Federal do Pará) e pela UFRA (Universidade Federal Rural da Amazônia), os dois principais locais onde o encontro acontece, a reportagem viu os logotipos da Petrobrás e da Caixa, mas nenhum da Eletronorte.
A questão de como bancar o fórum é polêmica. Como o encontro se pretende apartidário, há participantes que dizem que a vinculação com empresas gerenciadas pelo governo federal cria a possibilidade de que ele seja, do ponto de vista político, "chapa branca".
Em 2003, por exemplo, o evento conseguiu arrecadar R$ 1,8 milhão com Petrobrás e Banco do Brasil --valor já corrigido pelo IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo).
Para as edições de 2004 e 2005, a Abong (Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais), recebeu, em cifra também corrigida, cerca de R$ 640 mil dos Correios por meio da SMPB Comunicação, agência de publicidade de Marcos Valério --acusado de ser o articulador financeiro do esquema do mensalão.
À época, a entidade se disse "perplexa" e afirmou que desconhecia a possibilidade de que o dinheiro pudesse ter origem irregular.
Para Cândido Grzybowski, do Ibase (Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas), fundador do evento, "não haveria fórum no Brasil" se não houvesse apoio de estatais.
"Mas este ano foi o que teve o menor valor [das estatais]", disse. Segundo Grzybowski, a "pequena" ajuda das empresas ligadas ao governo federal é resultado de uma maior eficiência do autofinanciamento --pelo qual as próprias entidades que compõem o fórum o financiam por meio, por exemplo, de taxas de participação.
Ele nega que o investimento das estatais direcionam a orientação política do evento. "Não há condicionamento. Nunca me impuseram nada como agenda. A Petrobrás não faz outros patrocínios?", disse.
Além dos valores das estatais, o fórum atraiu para cidade investimentos públicos --dos governos federal e estadual-- recordes de aproximadamente R$ 145,3 milhões para infraestrutura, segurança e saúde.
Fonte Agência Folha.
quarta-feira, 28 de janeiro de 2009
O Curioso Caso de Benjamin Button
Uma Fantástica Antítese Biológica
Eu sabia que assistiria um filmão. Eu sabia. E assisti um filmão. Um dos bons romances que li foi Grande Gatsby do Fitzgerald. Além disso, eu sou fã de histórias fantásticas, curiosas, incríveis, estranhas e extraordinárias. É claro que tudo tem seus limites. Uma boa história também tem que ter seu critério de razoabilidade e sensatez.
O Curioso Caso de Benjamin Button, adaptação (com modificações) da obra de Fitzgerald é um filmão. Não é por acaso que o cinema, numa noite de terça feira, estava tomado de gente. Mergulhei duas horas e trinta minutos no filme. Acho que nem pisquei os olhos. Boquiaberto assisti do início até o fim da estranha vida do personagem principal interpretado por Brad Pitt. O homem nasce velho e vai rejuvenescendo com o passar do tempo e acompanha sua geração envelhecer, enquanto ele remoça.
Benjamin é o relógio que anda ao contrário. Os detalhes da nossa existência parecem insignificantes, por que as pessoas nascem e se desenvolvem e depois envelhecem e morrem? Que ciclo é esse que não pode ser invertido? Podemos sim modificar nossas vidas fazendo escolhas. A fulana nasceu para ser uma boa mãe, o beltrano nasceu para ser empreendedor, o ciclano nasceu para ser um viajante. E essas escolhas - certas ou erradas -- fazem parte dos pequenos detalhes das nossas vidas e que podem gerar efeitos -- negativos e positivos -- na vida dos outros. Tudo isso parece tão óbvio, mas não é. E a luta de Benjamin é contra a dialética do tempo. Sua vida nasceu ao contrário. Ele é o oposto de tudo. Ele está do outro lado da síntese. Ele é a antítese, mas que bela antítese ele é. A vida dos outros influenciam a vida de Benjamin. Seus amigos de infância são os velhos. Na meia idade ele encontra o equilíbrio. E na velhice, onde ele descobre a infância, nada mais é novo. Já é tudo velho. Ele conhece tudo. E por isso ele caduca.
Que história fantástica. Que texto sublime. Que produção. E o filme é perfeito, tendo sido adaptado para os novos tempos com o desfecho num hospital de Saint Louis, Louisianna, na época do furacão Katrina.
Recomendo esse filmaço.
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filme
Resgatando Keynes
Sir John Maynard Keynes
Por que Keynes?
Delfim Netto - Folha de hoje
Os economistas dão o nome de "bem público" aos bens ou serviços que gozam de duas propriedades: 1) ninguém pode ser excluído de seu uso e 2) o uso que cada um faz dele não diminui a quantidade disponível para os outros, como é o caso, por exemplo, da defesa nacional.
Existem pessoas cujo pensamento tem um vigor e uma originalidade (mas não clareza) que gozam das propriedades dos bens públicos: transformam-se em instituições. Alguns economistas de várias tribos (esta expressão já está na "Riqueza das Nações"), Adam Smith (1723-1790), Karl Marx (1819-1883), Leon Walras (1834-1910), Alfred Marshall (1842-1924) e John Maynard Keynes (1883-1946), assumiram esse "status".
Existe um Smith, um Marx, um Walras, um Marshall e um Keynes para cada um de nós. Seus pensamentos são tão vigorosos e originais que depois de nos atingirem nunca mais nos livramos completamente deles. Felizmente não são claros. É essa ambiguidade que permite que cada um deles possa ser o "nosso" sem que isso impeça que seja também dos "outros", cada um à sua maneira.
Nenhum deles produziu uma "explicação" definitiva do "universo econômico". Todos, entretanto, viram alguns aspectos fundamentais da vida econômica (e de sua influência sobre a condição humana) que um dia, talvez, integrarão uma compreensão da contínua e crescente complexidade que a domina.
É por isso que hoje todos podemos ser um pouco smithianos, marxistas, walrasianos, marshallianos e keynesianos, sem arrependimento, sem vexame e sem contradição.
O que parece inegável é que a crise que estamos vivendo, produzida pela maléfica "autonomização" do sistema financeiro, encontra a sua melhor explicação em Keynes. Afinal isso não deveria ser surpresa: ele enxergou mais longe porque subiu nos ombros dos antecessores que, às vezes, finge ignorar. Com a sua teoria monetária da produção, ele colocou a moeda, o crédito, a demanda e a incerteza no coração do sistema. Os macroeconomistas, em lugar de continuarem a cultivar uma teoria monetária obviamente estéril, e os economistas "financeiros", em lugar de procurarem distribuições "gordas" para justificar os "desastres" nos preços dos ativos, deveriam procurar desenvolver a intuição keynesiana sobre como funciona a economia tocada a crédito quando o futuro é rigorosamente opaco e imprevisível.
É hora de aceitar que entre os modelos de equilíbrio geral (que fazem a "ciência" de alguns de nossos bons economistas) e a economia monetária da produção existe distância intransponível. Naqueles, a moeda e o crédito sempre serão fatores essencialmente estranhos.
As Veias da América Latina
Um historiador italiano qualificou a América Latina de "Il altro Occidente": a cópia, a imitação dos modos políticos ocidentais em outra parte do mundo. E essa foi sua imagem na Europa desde as independências no início do século 19. Mas há motivos para duvidar de que o continente ibérico continue sendo por tempo indefinido esse "outro Ocidente".
Há três linhas de evolução em curso que conspiram contra a forma que as elites latino-americanas assumiram para ver a si mesmas. Uma das três é mais conjuntural, o acaso, embora com aspirações de se transformar em estrutural, e as outras duas, nitidamente estruturais, a necessidade. A primeira é encarnada pelo presidente Chávez da Venezuela; as outras duas são a ascensão eleitoral e indígena na Bolívia e a aposta na hegemonia regional do Brasil, facilitadas pela renúncia, talvez passageira, de Washington.
Essa maré diversa tenta legitimar-se pelas urnas, por isso muito frequentemente solicitadas. Há duas semanas em El Salvador, a esquerda ex-guerrilheira - a antiga Frente Farabundo Martí - ganhou as eleições legislativas e tem fundadas esperanças de alcançar a presidência nas eleições desta primavera; o presidente boliviano, Evo Morales, conseguiu no último domingo um bom resultado global no referendo para aprovar sua Constituição indigenista, embora quatro províncias de nativismo contrário tenham rejeitado o texto; finalmente, no próximo dia 15 de fevereiro Chávez joga sua carreira política em outra consulta - a segunda, já que perdeu uma anterior - sobre sua postulação indefinida à presidência.
El Salvador pode se constituir em novo recruta para a esquerda chavista, já integrada por Daniel Ortega na Nicarágua, pelo próprio Morales, a convalescente Cuba do segundo Castro, e de maneira muito mais original Rafael Correa no Equador e Fernando Lugo no Paraguai. Mas a segunda e ainda mais notável ofensiva contra a subordinação a Washington é a que desfecha o Brasil.Lula, que tem pela frente as presidenciais de 2010, às quais já não pode se apresentar e para as quais deveria colocar um delfim - seguramente, delfina - se quiser dar continuidade ao projeto, embora reivindique esses valores europeus, nem por isso quer menos a expulsão dos EUA e da Europa - da Espanha - dos fóruns unitários latinoamericanos; o instrumento para isso não permite enganos: a criação de uma nova OEA integrada exclusivamente pelos 33 países que se estendem entre a fronteira mexicano-norte-americana e a Terra do Fogo e se molham no Caribe.
O presidente brasileiro quer que esse fórum exista até 2010, como já disse na megacúpula de Sauípe em dezembro passado.Que possibilidades têm as duas ofensivas, diferentes e revoltas, para assentar sobre novas bases, satisfatórias para ambas as partes, a relação com os EUA, com um presidente, Barack Obama, tão envolvido quanto seu antecessor na comoção na Ásia Central? Lula tem valor para Washington como "cobertura" de Chávez, freio e alternativa à linha-dura bolivariana; e Chávez pelo que possa retardar ou impossibilitar a integração branda de Lula.
Mas existe uma via média, na qual os dois líderes pudessem se sentir cômodos, renunciando a seus objetivos máximos? O venezuelano, dobrando-se à capitania geral do brasileiro, agora que seu petróleo caiu bem abaixo dos US$ 40 o barril; e o brasileiro, a uma mera coordenação de superestrutura das diferentes formas de integração que a América Latina hoje enfrenta em ordem dispersa, sem pretender mais que pôr alguma ordem no pandemônio.
Mas em ambos os casos, tanto com a via dura do eixo Caracas-Havana-La Paz como com a branda do Brasil - secundado quando menos por México e Argentina -, a América Latina deixaria de ser esse "outro Ocidente" tão "nosso". Se os primeiros mestiçariam ou indigenizariam a versão protótipo do latino-americano, empregando a força necessária para que ocorresse a mudança de mãos do poder - o que não ocorreu na Venezuela nem na Bolívia -, a versão brasileira e comparsas também deveria passar pela re-nacionalização dos países envolvidos, até que a cor de sua política refletisse muito melhor a variedade racial e social do continente.
Essa é a América, em momento de definição, com a qual Obama deveria entender-se. Mas nem que o afro-americano fosse o maior e mais pacífico social-democrata do mundo, o que patentemente não é, poderia ver com equanimidade qualquer das duas tentativas, porque ambas conduzem a um mesmo fim: a América para os americanos; os de outra cor.
Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
Paradoxo da Parcimônia
Por que lidar com uma dívida imensa é tão difícil
Martin Wolf - Financial Times
Martin Wolf - Financial Times
Quanta dívida é demais? Ninguém sabe. Mas os governos das economias de alta renda altamente endividadas - como os Estados Unidos e o Reino Unido - acham que sabem a resposta: mais do que hoje. Eles querem que ainda mais crédito flua para seus setores privados em dificuldades. Esta é uma meta alcançável? Se for, como poderia ser atingida?
Vamos começar com alguns fatos. A relação entre dívida pública e privada e o produto interno bruto nos Estados Unidos chegou a 358% no terceiro trimestre de 2008. Este foi o ponto mais alto na história americana. O pico anterior de 300% foi atingido em 1933, durante a Grande Depressão.
Quase toda essa dívida é privada. Ele atingiu um pico de 294% do PIB em 2007, um aumento de 105 pontos percentuais em relação à década anterior. O mesmo aconteceu no Reino Unido, em uma escala ainda mais impressionante. Esta foi uma expansão gigante de dívida e crédito.
Particularmente notável é a composição da dívida crescente. No início dos anos 30, grande parte da dívida privada americana era de propriedade de empresas não-financeiras: logo, a deflação no balancete ocorreu nas empresas, como também foi o caso no Japão nos anos 90. Desta vez, entretanto, o grande aumento na dívida foi no setor financeiro e nos lares.
Ao longo das últimas três décadas, a dívida do setor financeiro americano cresceu seis vezes mais rápido do que o PIB nominal. Os aumentos conseqüentes em sua escala e alavancagem explicam por que, no pico, o setor financeiro supostamente gerou 40% dos lucros corporativos americanos. Decididamente, algo não saudável estava ocorrendo: em vez de ser um servo, o setor financeiro se tornou o mestre da economia. Em um breve relato soberbo da calamidade atual, lorde Turner, o presidente da Autoridade de Serviços Financeiros do Reino Unido, se refere explicitamente a "lucros ilusórios"*.
Além disso, a dívida dos lares - grande parte dela associada à habitação - também aumentou rapidamente: de 66% do PIB americano em 1997 para 100% em 2007. Um salto ligeiramente maior no endividamento dos lares pode ser visto no Reino Unido.
O que esses aumentos da dívida prenunciam? A resposta poderia ser: nada. Afinal, por todo o mundo, dívida não resulta em nada. Em princípio, a capacidade de transferir poder de compra dos mutuantes para os mutuários é altamente desejável: como dizia uma campanha publicitária britânica, o crédito "tira a espera do querer". Mas as pessoas também podem cometer grandes erros, particularmente se confundirem bolhas com preços permanentemente altos. O setor financeiro é praticamente propenso a esses erros. Como Carmen Reinhart, da Universidade de Maryland, e Kenneth Rogoff, de Harvard, comentam: "Crises bancárias sistêmicas são tipicamente precedidas por bolhas de preços de ativos, grandes afluxos de capital e booms de crédito, tanto em países ricos quanto em países pobres"**.
Assim que as bolhas de ativos estouram, fica difícil encontrar mutuários e mutuantes que estejam dispostos ou tenham crédito. O extremamente endividado começa a pagar suas dívidas, como agora. A poupança também aumenta. Mas a poupança líquida pode não aumentar: em seu lugar, as rendas poderiam sofrer um colapso. Isto é o que John Maynard Keynes chamou de "paradoxo da parcimônia". O resultado será uma queda causada pelo colapso dos balancetes em vez das tentativas de controlar a alta da inflação.
E o que poderia ser feito?
Alguns recomendam uma "liquidação". Uma série de falências de fato eliminaria uma dívida flutuante, como aconteceu nos anos 30. Mas, com grande parte da economia emaranhada na falência e com a implosão do setor financeiro, o resultado seria uma depressão. Escolher esta opção seria insano.
Um pouco mais atraente é uma falência em massa organizada. As propostas para um troca organizada de dívida por participação acionária em instituições falidas ou enfermas se enquadra nesta categoria. Assim como permitir aos tribunais alterar os contratos de hipoteca. Executadas de forma eficiente e rápida, essas idéias são atraentes. Os custos recairiam sobre os acionistas e credores, não sobre os contribuintes, e isso manteria o princípio da responsabilidade privada.
Uma abordagem oposta seria sustentar os níveis existentes da dívida, reduzindo seus custos para os mutuários e tentar sair dela ao longo de muitos anos. É isso o que buscam as atuais políticas monetárias. É uma boa idéia, apesar de desagradável para os credores. Mas isso não geraria empréstimos adicionais ou novos gastos; não impediria o endividado de tentar reduzir sua dívida; e não devolveria o setor financeiro à saúde.
Uma outra abordagem é substituir a dívida privada por dívida pública. Isso é o que agora significa a recapitalização dos bancos. Com o tempo, a dívida do setor privado deve cair, enquanto a dívida do setor público, explícita ou implícita, aumenta. A socialização da dívida aumenta as chances de sair dela. Isso já aconteceu antes, notadamente no caso da dívida pública do Reino Unido ao longo do século 19.
Finalmente, há a inflação. Se os bancos centrais e governos forem agressivos o bastante, eles podem gerar inflação, o que pode reduzir o fardo da dívida. Mas colocarão em risco a experiência - talvez até matá-la - com o "fiat money" (dinheiro fiduciário, ou feito pelo homem) sem lastro, que teve início em 1971.
Qual é a melhor abordagem?
No geral deve ser sair da dívida flutuante com socialização de uma parte de seu elemento essencial. Uma recaída na inflação seria um imenso fracasso da política.
Um plano também é necessário para tratar do apuro de muitos lares e do setor financeiro subcaptalizado e excessivamente dilatado.
O setor financeiro, como um todo, não pode sofrer uma desalavancagem com venda de ativos. Seria de ajuda se, em vez disso, as reivindicações das instituições financeiras globais pudessem ser removidas com um todo, apesar disso exigir uma cooperação internacional. O governo Obama também deve lançar em breve uma recapitalização do sistema bancário americano, mas não comprando os "ativos tóxicos" a preços acima do mercado. Uma troca de dívida por participação acionária seria preferível. Se isso é politicamente impossível ou desestabilizador demais, a recapitalização financiada pelo governo é inevitável. Só não ouse chamá-la de nacionalização.
Independente do que seja feito, uma verdade não pode ser evitada. Será muito difícil gerar um empréstimo líquido substancial pelos lares e corporações não-financeiras nos países de alta renda com alta dívida interna. É inimaginável que retornarão aos níveis de tomada de empréstimo pelo setor privado, gastos e endividamento que caracterizaram estes países por muito tempo. Países com grande superávit em conta corrente há muito exigem o fim do endividamento e gastos perdulários pelos consumidores dos quais dependem. Eles deveriam ter cuidado com o que desejavam: é o que terão agora. Desfrutem!
*A Crise do Setor Financeiro e o Futuro da Regulamentação Financeira, www.fsa.gov.uk
**Crises Bancárias: uma Ameaça de Oportunidade Igual, Birô Nacional de Pesquisa Econômica, Trabalho 14587, dezembro de 2008, www.nber.org
Tradução: George El Khouri Andolfato
Vamos começar com alguns fatos. A relação entre dívida pública e privada e o produto interno bruto nos Estados Unidos chegou a 358% no terceiro trimestre de 2008. Este foi o ponto mais alto na história americana. O pico anterior de 300% foi atingido em 1933, durante a Grande Depressão.
Quase toda essa dívida é privada. Ele atingiu um pico de 294% do PIB em 2007, um aumento de 105 pontos percentuais em relação à década anterior. O mesmo aconteceu no Reino Unido, em uma escala ainda mais impressionante. Esta foi uma expansão gigante de dívida e crédito.
Particularmente notável é a composição da dívida crescente. No início dos anos 30, grande parte da dívida privada americana era de propriedade de empresas não-financeiras: logo, a deflação no balancete ocorreu nas empresas, como também foi o caso no Japão nos anos 90. Desta vez, entretanto, o grande aumento na dívida foi no setor financeiro e nos lares.
Ao longo das últimas três décadas, a dívida do setor financeiro americano cresceu seis vezes mais rápido do que o PIB nominal. Os aumentos conseqüentes em sua escala e alavancagem explicam por que, no pico, o setor financeiro supostamente gerou 40% dos lucros corporativos americanos. Decididamente, algo não saudável estava ocorrendo: em vez de ser um servo, o setor financeiro se tornou o mestre da economia. Em um breve relato soberbo da calamidade atual, lorde Turner, o presidente da Autoridade de Serviços Financeiros do Reino Unido, se refere explicitamente a "lucros ilusórios"*.
Além disso, a dívida dos lares - grande parte dela associada à habitação - também aumentou rapidamente: de 66% do PIB americano em 1997 para 100% em 2007. Um salto ligeiramente maior no endividamento dos lares pode ser visto no Reino Unido.
O que esses aumentos da dívida prenunciam? A resposta poderia ser: nada. Afinal, por todo o mundo, dívida não resulta em nada. Em princípio, a capacidade de transferir poder de compra dos mutuantes para os mutuários é altamente desejável: como dizia uma campanha publicitária britânica, o crédito "tira a espera do querer". Mas as pessoas também podem cometer grandes erros, particularmente se confundirem bolhas com preços permanentemente altos. O setor financeiro é praticamente propenso a esses erros. Como Carmen Reinhart, da Universidade de Maryland, e Kenneth Rogoff, de Harvard, comentam: "Crises bancárias sistêmicas são tipicamente precedidas por bolhas de preços de ativos, grandes afluxos de capital e booms de crédito, tanto em países ricos quanto em países pobres"**.
Assim que as bolhas de ativos estouram, fica difícil encontrar mutuários e mutuantes que estejam dispostos ou tenham crédito. O extremamente endividado começa a pagar suas dívidas, como agora. A poupança também aumenta. Mas a poupança líquida pode não aumentar: em seu lugar, as rendas poderiam sofrer um colapso. Isto é o que John Maynard Keynes chamou de "paradoxo da parcimônia". O resultado será uma queda causada pelo colapso dos balancetes em vez das tentativas de controlar a alta da inflação.
E o que poderia ser feito?
Alguns recomendam uma "liquidação". Uma série de falências de fato eliminaria uma dívida flutuante, como aconteceu nos anos 30. Mas, com grande parte da economia emaranhada na falência e com a implosão do setor financeiro, o resultado seria uma depressão. Escolher esta opção seria insano.
Um pouco mais atraente é uma falência em massa organizada. As propostas para um troca organizada de dívida por participação acionária em instituições falidas ou enfermas se enquadra nesta categoria. Assim como permitir aos tribunais alterar os contratos de hipoteca. Executadas de forma eficiente e rápida, essas idéias são atraentes. Os custos recairiam sobre os acionistas e credores, não sobre os contribuintes, e isso manteria o princípio da responsabilidade privada.
Uma abordagem oposta seria sustentar os níveis existentes da dívida, reduzindo seus custos para os mutuários e tentar sair dela ao longo de muitos anos. É isso o que buscam as atuais políticas monetárias. É uma boa idéia, apesar de desagradável para os credores. Mas isso não geraria empréstimos adicionais ou novos gastos; não impediria o endividado de tentar reduzir sua dívida; e não devolveria o setor financeiro à saúde.
Uma outra abordagem é substituir a dívida privada por dívida pública. Isso é o que agora significa a recapitalização dos bancos. Com o tempo, a dívida do setor privado deve cair, enquanto a dívida do setor público, explícita ou implícita, aumenta. A socialização da dívida aumenta as chances de sair dela. Isso já aconteceu antes, notadamente no caso da dívida pública do Reino Unido ao longo do século 19.
Finalmente, há a inflação. Se os bancos centrais e governos forem agressivos o bastante, eles podem gerar inflação, o que pode reduzir o fardo da dívida. Mas colocarão em risco a experiência - talvez até matá-la - com o "fiat money" (dinheiro fiduciário, ou feito pelo homem) sem lastro, que teve início em 1971.
Qual é a melhor abordagem?
No geral deve ser sair da dívida flutuante com socialização de uma parte de seu elemento essencial. Uma recaída na inflação seria um imenso fracasso da política.
Um plano também é necessário para tratar do apuro de muitos lares e do setor financeiro subcaptalizado e excessivamente dilatado.
O setor financeiro, como um todo, não pode sofrer uma desalavancagem com venda de ativos. Seria de ajuda se, em vez disso, as reivindicações das instituições financeiras globais pudessem ser removidas com um todo, apesar disso exigir uma cooperação internacional. O governo Obama também deve lançar em breve uma recapitalização do sistema bancário americano, mas não comprando os "ativos tóxicos" a preços acima do mercado. Uma troca de dívida por participação acionária seria preferível. Se isso é politicamente impossível ou desestabilizador demais, a recapitalização financiada pelo governo é inevitável. Só não ouse chamá-la de nacionalização.
Independente do que seja feito, uma verdade não pode ser evitada. Será muito difícil gerar um empréstimo líquido substancial pelos lares e corporações não-financeiras nos países de alta renda com alta dívida interna. É inimaginável que retornarão aos níveis de tomada de empréstimo pelo setor privado, gastos e endividamento que caracterizaram estes países por muito tempo. Países com grande superávit em conta corrente há muito exigem o fim do endividamento e gastos perdulários pelos consumidores dos quais dependem. Eles deveriam ter cuidado com o que desejavam: é o que terão agora. Desfrutem!
*A Crise do Setor Financeiro e o Futuro da Regulamentação Financeira, www.fsa.gov.uk
**Crises Bancárias: uma Ameaça de Oportunidade Igual, Birô Nacional de Pesquisa Econômica, Trabalho 14587, dezembro de 2008, www.nber.org
Tradução: George El Khouri Andolfato
terça-feira, 27 de janeiro de 2009
Um Fato Emblemático
Um fato emblemático ocorreu no 1º FSM quando se tentou fazer um diálogo, via satélite, ao vivo e a cores entre Porto Alegre e Davos. Falaram Oded Grajew e Bernard Cassen em POA e Jeffrey Sachs em Davos que passou a palavra para George Soros. E dona Hebe de Bonafini não deixou Soros falar e começou a gritar de forma histérica: "O senhor Soros é um hipócrita. Quantos crianças vocês matam por dia? O senhor não tem coragem de olhar nos meus olhos!"O diálogo se interrompeu e nunca mais houve qualquer tentativa. Hoje participam, em Davos, 42 chefes de estado e em Belém apenas 5. E quando Lula, logo depois de eleito, disse que iria também aterrisar em Davos foi vaiadíssimo. Resumo da ópera: Quem não quer diálogo é o FSM e não se consegue vencer os problemas mundiais sem diálogo. É ou não é? Se Dona Hebe resolver ir a Davos será recebida, mas se Soros for para Belém será recebido?
Sobre Formiguinhas e Titicas
Todos os anos no final de janeiro a mesma cantilena. Qual fórum é o melhor? O de Davos ou o de Porto Alegre? O de Porto Alegre foi para o espaço, não existe mais, este ano se mudou para Belém no Pará. Dizem que Belém fica longe, mas o que importa é que está situado no coração da Amazônia. E a Amazônia, dizem os xenófobos, é nossa.
O fórum de Davos vai ser interessante. Quarenta chefes de estados mundiais já confirmaram presença e eles pretendem discutir o futuro da humanidade diante da crise do capitalismo mundial. O assunto em debate vai ser a regulamentação dos mercados mundiais e a mudança de foco e agenda. Se eu tivesse tempo e grana eu adoraria sentar na primeira fila para assistir os debates.
Enquanto isso, no fórum de Belém, o encontro de Chávez, Evo, Lugo, Correa e Lula. E na plateia um bando de formiguinhas que querem construir o óbvio: um mundo melhor e possível. Eu também quero construir um mundo melhor e possível. Quem não quer construir um mundo melhor e possível? Mas as formiguinhas parece que só têm titicas na cabeça, porque para elas só existe uma alternativa possível para um mundo melhor: socialismo ou barbárie. E ai o vivente faz a seguinte pergunta: mas que socialismo tchê? E ninguém responde nada, porque ninguém sabe.
Querem apostar? Vale uma bala sete belos. No ano que vem vai ser a mesma coisa. A mesma cantilena. Qual o melhor fórum: o de Davos ou o de......?
Outro Mundo é Possível?
Fóruns pedem "outro mundo", mas com fórmulas diferentes
Inimigos aparentemente irreconciliáveis, os dois fóruns que começam nesta semana -o Social de Belém do Pará, hoje, e o Econômico, de Davos, amanhã- coincidirão neste ano em buscar "outro mundo possível", como pede o slogan tradicional dos fóruns sociais. De certa forma, o título da reunião da elite econômica e política que é o encontro de Davos copia o grito da turma de Belém: "Moldando o mundo pós-crise". Com um pouco de boa vontade, pode-se ler como buscando outro mundo possível.
Mas termina aí qualquer semelhança. O mundo que Belém busca é a antítese do de Davos, conforme se lê no artigo que Oded Grajew, principal idealizador dos fóruns sociais, publicou ontem nesta Folha. Diz ele que o fórum de Belém "será a oportunidade de perceber que o colapso financeiro, os conflitos armados e a degradação ambiental fazem parte de uma mesma crise de valores decorrente do modelo de desenvolvimento que privilegia a competição (...) pelo poder e pelo acúmulo de bens materiais".
Já o outro mundo que Davos debaterá pretende só "refundar o capitalismo", para usar expressão do presidente francês, Nicolas Sarkozy. Ou, escavando um pouco a superfície dos debates até agora travados entre governantes, trata-se de tentar manter o lado virtuoso do capitalismo, representado pelos cinco anos de crescimento intenso e inédito em todo o mundo, até a crise das "subprimes", sem permitir que ele seja atingido pelo fogo amigo de suas próprias aventuras financeiras, responsáveis pela crise.
Ou, se se preferir reduzir a dicotomia a duas palavras, trata-se de utopia x regulação.Leia-se, por exemplo, o que disse ontem Gordon Brown, primeiro-ministro britânico e um dos 41 chefes de Estado/governo que estarão em Davos: "Precisamos criar uma moldura para governança internacional que no momento falta. Devemos considerar o déficit regulatório no nível global. O atual arranjo é inadequado".
O problema é que o próprio Brown afirma que faz dez anos que diz a mesma coisa -sem que nada tenha acontecido. Até a crise estourar e fazer com que surja outra coincidência entre Davos e Belém: há um razoável consenso no sentido de que o encontro nos Alpes deste ano marcará inflexão no sentido de um maior ativismo estatal."
Nos anos recentes, foi o mundo corporativo que esteve na dianteira em Davos, com os governos tentando apenas alcançá-lo. Neste ano, acho que essa tendência será revertida", diz, por exemplo, Mark Spelman, da consultoria Accenture, tradicional presença em Davos.Reforça até o criador do Fórum Econômico Mundial o professor suíço Klaus Schwab: "O pêndulo se moveu e o poder voltou aos governos".É bem possível, no entanto, que essas opiniões sejam apenas expressões de uma generalizada angústia com a crise, ainda mais agora que o FMI vai reduzir sua previsão de crescimento mundial de 2,2% para 0,5%, segundo a agência britânica Reuters antecipou ontem.De todo modo, o ativismo do Estado é concebido de maneira diferente pelos dois fóruns. Para o empresariado, trata-se só de o Estado socorrer a empresa privada, sem assumir o papel de gerente. Para Belém, o Estado deveria alocar seus recursos em benefício da área social.A partir de amanhã, vai-se ver que as parcas semelhanças se tornarão diferenças colossais, maiores que a distância que separa as neves dos Alpes suíços do calor tropical da Amazônia brasileira.
Artigo de Clóvis Rossi na Folha de hoje.
O "Ranço" Battisti
Aumenta a pressão sobre o governo brasileiro no caso Cesare Battisti. Um ministro italiano chamou de vergonhosa a decisão de Tarso Genro referendada por Lula. E a Itália convocou o embaixador brasileiro. A Veja, na semana passada, resolveu dar uma de imparcial e até admitiu a possibilidade de Tarso estar certo. Essa semana, porém, a Veja disse ter analisado os mesmos documentos que Tarso analisou e concluiu que o refúgio é completamente equivocado. A primeira dama francesa, a musa Carla Bruni, também afirmou que não fez nenhuma pressão para que o refúgio de Battisti fosse concedido. Por que, então, Tarso Genro concedeu o refúgio? Tem um carinha, chamado Antonio Gramsci, que ficou na prisão muito tempo na Itália e que escreveu um manual de como deve agir os "intelectuais orgânicos" de uma certa esquerda. E Tarso, como bem se sabe, gosta de Gramsci. Por isso ele concedeu o refúgio ao companheiro Battisti. E Lula embarcou numa canoa furada.
segunda-feira, 26 de janeiro de 2009
O Mundo é a Faixa de Gaza
Histórias fantásticas sobre um futuro próximo. Esse é o roteiro ideal para um filme de ficção científica. É a fórmula do Blade Runner e do "A Lenda". Como seremos amanhã? E se a violência vencer o que será de nós? A história do filme Filhos da Esperança (Children of Men, 2006, dirigido por Alfonso Cuarón e roteiro baseado em livro de P.D. James) é a seguinte: a violência venceu, o mundo entrou em colapso e a barbárie reina em todos os países mundiais, menos um: a Inglaterra. O filme - não por acaso - é inglês. Mas quem disse que a calma reina na Inglaterra?
E o pior de tudo: não nascem mais crianças. Por quê motivos elas não nascem? O mais novo ser humano tem 18 anos e morreu violentamente em Mendoza, Argentina. A humanidade se abalou. e caminha para a extinção. Está todo mundo sem controle. Todos matam todos, alguns sobrevivem. É a sociedade sem Estado, sem lei. O mundo é a faixa de Gaza. A Inglaterra não quer saber de estrangeiros, nem mesmo os europeus e conclama a todos os cidadãos: denuncie os ilegais. Movimentos de diversos tipos surgem.
Mas um milagre ocorre: uma mulher - de origem africana -- fica grávida. Ela está na Inglaterra e é imigrante ilegal. Toda a história de ficção científica tem um heroi. Ele se chama Theodore Faron (Clive Owen) é um ex-ativista desiludido que se tornou um burocrata e que vive em uma Londres arrasada pela violência e pelas seitas nacionalistas em guerra. Ele protege a jovem grávida, porque seu filho, a criança que vai nascer, é a salvação da humanidade.
Elenco:
Clive Owen .... Theodore Faron
Julianne Moore .... Julian Taylor
Michael Caine .... Jasper
Chiwetel Ejiofor .... Luke
Charlie Hunnam .... Patric
Claire-Hope Ashitey .... Kee
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Guerra Burra
Na Folha de hoje.
Os 1.300 mortos, cerca de 5.500 feridos e mais de 4.000 casas destruídas na ofensiva militar de 22 dias de Israel na faixa de Gaza representaram a vitória da causa palestina e do Hamas e a derrota de Israel -ao menos na opinião de vítimas dos bombardeios ouvidas ontem pela Folha. Se um dos objetivos de Israel era tentar voltar os palestinos contra o grupo extremista, desestabilizando-o internamente, a tática de ataque pode ter saído pela culatra. Dos entrevistados, muitos dos quais perderam parentes e suas casas, nenhum criticou os extremistas do Hamas, nem mesmo pessoas ligadas ao rival Fatah. Para muitos, a destruição e o grande número de mortes de civis pôs a opinião pública mundial ao lado dos palestinos e fez com que o Hamas passasse a ser tratado como governante legítimo de Gaza -o grupo, que venceu as legislativas de 2006, não é considerado interlocutor oficial nem por Israel nem pelos EUA, que o classificam como terrorista. "Israel não conseguiu nada do que queria e se vingou contra os civis, destruindo tudo. É só destruição civil. É esse um dos maiores exércitos do mundo?", indaga Ramadan Mahmoud Ghonin, cuja casa foi destruída e usada por Israel como base. "Isso é loucura. Minha vizinha foi morta dentro de casa. Por que atirar em uma mulher? Não conseguiram matar os guerrilheiros, assassinaram mulheres e crianças." No segundo andar da moradia no bairro de Betlahia, além de latas de atum e embalagens de barras energéticas deixadas por soldados israelenses, havia dezenas de cápsulas de fuzis. "O ódio contra Israel, pelo que houve, é tão grande que não há espaço para reclamar do Hamas", diz Youssef El Awa.
Mártires
Nas ruas de Gaza, as bandeiras verdes do grupo continuam a tremular no alto de mesquitas, casas e postes, ao lado de milhares de pôsteres de "mártires", ostentando fuzis ou não. "Qual é o problema com o Hamas? Ele venceu as eleições, é o governo legítimo", disse o professor Shawqi Ramal Salem, que teve a casa destruída por bombardeio israelense. Para Karam Basim Selman, "quem ganhou a luta foi o povo palestino, de Gaza". "Todos, qualquer criança, mulher, homem, velho guerrilheiro, todos venceram a guerra, até os mortos. Cada um lutou e desempenhou um papel à sua maneira, mesmo que não tenha pegado em armas", diz Selman. Muitos argumentam que Israel não obteve êxito militar porque, dizem, matou poucos membros do Hamas e muitos civis, além de não ter destruído muitos dos túneis na fronteira que servem para contrabando -violando o bloqueio econômico imposto a Gaza em junho de 2007, quando o grupo expulsou o rival Fatah do território e assumiu seu controle. "O Hamas continua no poder. Governos no mundo ficaram a favor da causa palestina contra Israel. [Muitos] já não chamam o Hamas de terroristas, mas de Hamas. Israel fortaleceu a causa palestina e o partido", afirma Omar El Jamal. Para um militante do Fatah, o momento seria de união entre os adversários, mas a suposta "vitória" impede isso por ora. "As duas partes deveriam se aproximar, pois o inimigo principal é Israel. Ainda vejo divisão, e o motivo é que Israel não ganhou a guerra. Se a vencesse, a união provavelmente aconteceria mais facilmente", disse.
Hábito Fundamental
Não lê por quê?
Renato Mezan
Uma frase dita pelo presidente Lula em sua entrevista à revista "Piauí" deste mês vem dando o que falar: não é por falta de tempo que não lê blogs, sites, jornais ou revistas, mas porque tem "problema de azia". A observação provocou reações de jornalistas e colunistas, e é provável que tenha causado mal-estar na comunidade acadêmica, assim como entre os brasileiros com maior nível cultural. Nenhuma ideia pode ser examinada sem referência ao seu contexto. O presidente não estava falando das virtudes ou malefícios da leitura em geral, mas apenas do efeito que tem sobre ele o noticiário, em especial o político; assim, seria descabido inferir do que disse uma suposta opinião negativa da sua parte sobre o ato ou o costume de ler. Contudo, nos parágrafos seguintes à declaração -que também delimitam o contexto dela-, fala do seu lazer: ora, se deste fazem parte "pescar, jogar cartas, conversar", brilha pela ausência qualquer menção à leitura de livros e, igualmente, a qualquer outra atividade cultural.
Dirá o leitor que isso se deve à sua origem humilde? Além de ser uma generalização indevida, tal explicação deixa de lado o fato de que muitas pessoas nada abonadas frequentam shows, veem filmes de apelo popular, visitam exposições divulgadas pela mídia ou vão ouvir música erudita, quando essas coisas são oferecidas a preços que cabem no seu bolso ou mesmo gratuitamente.
Horas na fila
Que o diga quem esperou horas para entrar na exposição de Rodin, espremeu-se nas filas de "Dois Filhos de Francisco" e "Tropa de Elite" ou se dispõe a enfrentar a multidão que acorre ao parque Ibirapuera para ouvir as orquestras estrangeiras que de vez em quando se apresentam no parque. Atenhamo-nos, porém, ao capítulo livros. É certo que alguém pode se informar pela televisão ou por resumos preparados por assessores sobre assuntos de interesse dos seus chefes -metade da matéria da revista é dedicada a Clara Ant, que faz esse trabalho para o presidente. Mas nem briefings nem meios eletrônicos podem substituir o livro, e isso por ao menos duas razões.
A primeira é que ver imagens ou ouvir alguém falando põe em jogo capacidades psíquicas diferentes das requeridas para lidar com um texto longo. Além de concentração muito maior, a extensão de um livro comum torna impossível apreender seu conteúdo de uma única vez.
O hábito de ler favorece portanto a retenção de dados e treina a memória para reconhecer e acessar, entre seus inúmeros arquivos, aqueles que permitem estabelecer continuidade entre o que se leu antes e o que se está lendo agora. A segunda é que, como contém num volume reduzido um enorme número de informações, o livro possibilita, no trato dos seus temas, uma abrangência que nenhum artigo ou vídeo pode igualar. É o espaço do debate entre ideias complexas, do relato minucioso, da descrição precisa do que o autor julga importante comunicar. Isso permite o trânsito entre níveis diferentes de abstração, entre o detalhe e o quadro do qual faz parte, entre os elementos isolados e a síntese que lhes dá sentido.
Um mau modelo
Mas não é por essas qualidades dos livros que lamento a ausência deles no cotidiano de Lula. É porque, com a influência que têm suas palavras e atitudes, o fato de não demonstrar o menor interesse pela palavra impressa transmite uma mensagem nefasta a quem nele confia e nele se espelha. Todos sabem que é um excelente comunicador: se insistisse na importância dos livros, se utilizasse em suas falas exemplos e referências tirados do que leu, podemos estar certos de que isso teria efeito benéfico sobre os milhões de brasileiros que passam anos, ou a vida inteira, sem jamais segurar nas mãos um volume, quanto mais abri-lo e se inteirar do que ele contém. O presidente já disse muitas vezes que não ter estudado não o impediu de chegar aonde chegou. Eis outra frase infeliz: não é porque teve parca instrução formal, mas apesar dessa falta, que obteve seus sucessos. Ao mencioná-la como se fosse algo positivo, contribui -mesmo que não seja essa a sua intenção- para desprestigiar ainda mais tudo o que está ligado à educação. A situação calamitosa do ensino no Brasil em nada melhora quando o modelo identificatório que o presidente Lula representa para tanta gente sugere nas entrelinhas que estudar não é necessário. Essa atitude blasée, ao contrário, me parece particularmente perniciosa para os jovens, muitos dos quais, por razões que não cabe aqui explicitar, têm atualmente pela leitura uma aversão que beira a fobia. O que está em jogo aqui não é a visão utilitária segundo a qual o estudo é o caminho da ascensão social, mas a importância dele (e da leitura) para criar cidadãos menos permeáveis à manipulação pelos órgãos de informação, da qual o próprio presidente se queixa na entrevista. Diz Lula que é admirador de Barack Obama e crítico contundente de George W. Bush. No entanto o descaso com os livros e com o que eles significam o aproxima deste, e não daquele. Uma das pérolas proferidas pelo texano foi endereçada aos estudantes da universidade em que se formou (Yale) e na qual teve desempenho medíocre: "Vocês, alunos que tiram C, também podem pretender ser presidentes dos EUA". Em contraste, Obama -que em seus tempos de Harvard dirigiu a revista da Faculdade de Direito- tem o maior respeito pelos livros, graças aos quais pôde adquirir uma sólida base intelectual para suas convicções progressistas.
Só carisma não resolve
Sem a frequentação deles, não teria podido citar em seu discurso de posse a Bíblia e palavras de George Washington, não saberia se servir das alusões e metáforas que abrilhantaram sua fala nem demonstraria o seguro conhecimento da história do seu país, assim como da situação de povos estrangeiros, que evidentemente possui. É certo que sem seu carisma e sem a habilidade retórica que soube desenvolver nada disso teria produzido o entusiasmo que se viu, mas também seria tolo negar que a qualidade literária e a construção caprichada do discurso têm algo a ver com o efeito que teve mundo afora. E não se objete que foi redigido por assessores: no dia seguinte, os jornais davam conta de que foi o próprio Obama quem estabeleceu o roteiro básico e deu ao texto a última demão de tinta. Lula não é o tabaréu que alguns pretendem (o jornalista Mario Sergio Conti, a quem ele concedeu a entrevista, diz que o site da revista "Veja" na internet o mima frequentemente com o epíteto de apedeuta, que significa ignorante). Mas é certo que, se tivesse um pouco mais de apreço pela letra de forma, evitaria meter-se em algumas situações constrangedoras e faria um grande bem ao povo "deste país".
RENATO MEZAN é psicanalista e professor titular da Pontifícia Universidade Católica de SP. Escreve na seção "Autores", do Mais
RENATO MEZAN é psicanalista e professor titular da Pontifícia Universidade Católica de SP. Escreve na seção "Autores", do Mais
Onde Está Nossa Memória?
Movimento Diretas Já - 60% das pessoas com 16 e 24 anos nunca ouviram falar.
Dizem que o brasileiro não tem memória. Tudo indica que sim. Mas não é apenas falta de memória, falta cultura e educação.
A Folha ontem publicou uma pesquisa que diz o seguinte:
A maior parte da população (57%) diz ter ouvido falar das Diretas-Já. Mas, mesmo dentro desse grupo de brasileiros, apenas 35% sabem dizer exatamente o que foi o movimento, ao declararem que foi a luta pelo voto direto, pelo direito de votar ou de escolher o presidente/governante. Outras respostas também se aproximaram do tema. Para 5% dos entrevistados, foi um "movimento pela democracia e contra a ditadura". A resposta "campanha para acabar com o governo militar" atingiu 2%. Por outro lado, ainda dentro do universo dos que declararam já ter ouvido falar das Diretas, 39% não souberam responder o que foi, e 5% disseram que foi o movimento pelo impeachment do presidente Collor. "O interessante é que o maior desconhecimento está entre os mais jovens, que hoje, poderíamos dizer, são beneficiários das conquistas das Diretas, justamente o direito ao voto", diz Mauro Paulino, diretor do Datafolha. Mas os mais jovens também estão entre os que têm maior apreço pela democracia. "Não ter ouvido falar do movimento não significa alienação dos mais jovens", diz Paulino. Entre os entrevistados de 16 a 24 anos, 60% disseram nunca ter ouvido falar das Diretas, enquanto que entre os que têm entre 25 e 34 anos a resposta atingiu 44%. Por outro lado, 70% dos entrevistados na faixa dos 35 e 44 anos disseram ter ouvido falar do movimento. "É a geração que viveu as Diretas", diz Paulino. Entre aqueles que têm entre 45 e 59 anos, 65% disseram ter ouvido falar. A emenda que propunha eleições diretas para presidente da República foi apresentada em março de 1983 pelo deputado Dante de Oliveira. Lançada nacionalmente em janeiro do ano seguinte, a campanha Diretas-Já ganhou impulso com o comício da praça da Sé, há exatos 25 anos. Comandado pelo locutor Osmar Santos, o evento reuniu políticos que tomariam caminhos distintos a partir dali. Estiveram no palanque nomes como o então sindicalista Luiz Inácio Lula da Silva, Fernando Henrique Cardoso (senador à época), Ulysses Guimarães (deputado), Franco Montoro (governador de SP) e Leonel Brizola (governador do Rio).
quinta-feira, 22 de janeiro de 2009
Fala, Contardo
Para quem se interessa sobre o caso Cesare Battisti eis aqui uma opinião clara e sensata do psicanalista Contardo Calligaris publicada na Folha de hoje. A Itália, nos anos 70, não era uma ditadura. Nos anos 70, os radicais de direita e de esquerda é que queriam acabar com a democracia e a república conquistada pelo povo italiano. Certos blogs de esquerda estão a dizer que é um absurdo o governo Lula, de esquerda, entregar um militante de esquerda à policia do governo fascista do Berlusconi, como disse o Diário Gauche. Veja a que ponto chegamos:
"Fascistas querem comer o fígado do militante italiano
Está absolutamente certo o ministro Tarso Genro quanto ao tratamento dado ao italiano Cesare Battisti. Ele está sendo considerado um refugiado político, no Brasil. Não deverá ser extraditado, porque caso fosse, seria vítima de perseguição política por parte do governo protofascista da Itália atual, liderado pelo indizível Silvio Berlusconi e seu arranjo de direitistas ressentidos e mafiosos dissimulados. "
Dissimulados são certos Blogs da nossa ressentida esquerda. Eles têm a arrogante mania de achar que as pessoas que não estão alinhadas e comprometidas com o pensamento de esquerda são fascistas, nazistas e antidemocráticas. É dose.
O texto de Calligaris tem outro nível:
A Itália e o caso Battisti
Contardo Calligaris
Quando saí de férias, o Conare (Comitê Nacional para os Refugiados) tinha negado o status de refugiado político a Cesare Battisti, o foragido da Justiça italiana preso no Brasil em 2007, num quiosque de Copacabana (esse detalhe deve ter revoltado mais de um, na Itália: "Matou meu pai, meu marido, meu amigo, e agora toma água de coco na praia?").Durante os ditos anos de chumbo italianos, Battisti, 54, foi membro dos PAC (Proletários Armados para o Comunismo), um grupinho ideologicamente pouco expressivo, mas muito violento. Em 1981, sem ser acusado de nenhum homicídio específico, ele foi condenado a 12 anos de prisão; fugiu para o México e, logo, para a França. Quando a França mudou sua política de asilo aos terroristas foragidos, Battisti veio ao Brasil, com documentos falsos. Entretanto, Pietro Mutti, chefe dos PAC, foi preso na Itália e, para evitar a prisão perpétua, escolheu a "delação premiada". Na delação premiada, os acusados, para se salvarem, denunciam outros culpados, e é frequente que eles "ferrem" logo os foragidos, que estariam "a salvo" (esse era o caso de Battisti). Agora, sem a delação premiada, a polícia italiana não teria desmanchado as organizações terroristas dos anos 70 nem marcado pontos no combate contra as máfias. Enfim, o "arrependimento" de Mutti levou a novos processos, nos quais Battisti foi condenado por seu envolvimento em quatro homicídios -dois eram execuções de comerciantes que tinham "ousado" resistir aos assaltos pelos quais os PAC "arrecadavam" fundos. Bem no dia de minha volta ao Brasil (15 de janeiro), eis que Battisti estava nas primeiras páginas da imprensa italiana, num coro de indignação: Tarso Genro, ministro da Justiça, acabava de conceder asilo a Battisti, revertendo a decisão do Conare. Deixo de lado o debate jurídico.
O que mais fere os italianos é a ideia de que, segundo o Brasil, Battisti, voltando para a Itália, correria perigo de vida; como se o Estado italiano fosse um bandido, pronto a eliminar restos incômodos de seu passado. Há, nessa ideia brasileira, uma projeção: nos anos 70, a Itália teria sido uma ditadura, como o Brasil. Essa visão da Itália, além de errada, é cúmplice do próprio ideário dos anos de chumbo. Pois, nos anos 70, foi graças à visão de um Estado bandido que os terroristas italianos, de esquerda e de direita, justificaram seu ódio pelo que lhes parecia ser a "mediocridade" democrática.
Neofascistas ou "revolucionários", eram adolescentes enlouquecidos que queriam vidas e mortes "extraordinárias". Atiravam em sindicalistas e comerciantes ou colocavam bombas nos trens para acabar com a "normalidade" cotidiana que receavam para seu próprio futuro; e juravam que era para lutar contra a opressão do Estado. Hoje, é possível dizer que a Itália ganhou a guerra dos anos de chumbo: a jovem República se manteve sem deixar de ser um Estado de Direito. Quem pensa assim?
Acaba de sair um livro de Adriano Sofri, que foi (ele sim) uma figura crucial e pensante daqueles anos, líder de Lotta Continua, acusado como mandante do homicídio do comissário Luigi Calabresi e condenado a 22 anos de prisão. Em "La Notte che Pinelli" (ed. Sellerio), Sofri reconstitui a história da investigação depois do atentado de Piazza Fontana, em Milão, em dezembro de 1969 (bomba que foi o primeiro ato dos anos de chumbo). O comissário Calabresi seguiu a pista anárquica -errando, pois a bomba (entendeu-se mais tarde) era de direita. O anarquista Giuseppe Pinelli, questionado, "jogou-se" da janela do quarto onde estava sendo interrogado. Lembro-me bem: Pinelli, para todos nós, "tinha sido suicidado". Junto com o corpo de Pinelli, naquela noite, ruiu a confiança no Estado. Ou seja, a bomba surtiu o efeito desejado: durante décadas, a democracia pareceu ser apenas o disfarce de uma dominação brutal e escusa, que legitimaria o combate armado. Calabresi, um policial íntegro, não foi responsável pela morte de Pinelli, mas foi assassinado, em 1972, depois de uma campanha de imprensa que o culpava. Com coragem admirável, Sofri escreve o que talvez venha a ser o melhor epitáfio dos anos de chumbo: "Não me sinto corresponsável por nenhum ato terrorista dos anos 70. Mas do homicídio de Calabresi, sim, por ter dito ou escrito ou por ter deixado que se dissesse e se escrevesse "Calabresi, você será suicidado'".
O STF é Que Deve Dizer se Crimes São Políticos ou Não
Gilmar Mendes e Tarso Genro
Na Folha de hoje.
STF deve questionar se cabe ao governo definir crime político
O Supremo Tribunal Federal deverá discutir, na volta do recesso, no mês que vem, se o Executivo tem competência para definir o tipo de crime cometido por um estrangeiro -se comum ou político- e a influência dessa decisão nos processos judiciais de extradição.Ao conceder refúgio político ao ex-militante da extrema esquerda italiana Cesare Battisti, na semana passada, o ministro Tarso Genro (Justiça) considerou como "políticos" os crimes pelos quais ele foi condenado pela Justiça italiana. Concomitante com a decisão, a pedido da Itália, corre contra Battisti processo de extradição no STF.Com a decisão do governo brasileiro, o processo contra Battisti na corte deveria ser suspenso, assim como aconteceu em 2007, quando os ministros analisaram o caso de Olivério Medina, ex-integrante das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia). O governo concedeu o status de refugiado político a Medina, suspendendo assim a possibilidade de ele ser extraditado.Naquela ocasião, o hoje presidente do tribunal, Gilmar Mendes, foi o único ministro a defender que, antes da concessão do refúgio a estrangeiros que correm risco de extradição, o Supremo deveria dizer se o crime é político ou não.Apesar de vencido há dois anos, o argumento de Mendes, conforme disseram à Folha ministros do STF, será novamente debatido em consequência da polêmica sobre o refúgio dado a Battisti, que continua preso em Brasília.Cabe ao STF, segundo a Constituição, a qualificação do crime, se político ou comum. No entanto, a lei 9.474, de 1997, que regulamenta a concessão do benefício, diz que o "reconhecimento da condição de refugiado obstará [impedirá] o seguimento de qualquer pedido de extradição". Ou seja, se o Executivo decidir pelo refúgio, automaticamente o processo de extradição é suspenso, como aconteceu no caso Medina.A diferença entre os dois casos é que o Conare (Conselho Nacional de Refugiados) concedeu o refúgio a Medina e negou-o a Battisti. Desde a criação do Conare, em 1998, somente 25 decisões foram revertidas pela pasta da Justiça -no governo Lula, foram 23.Por considerar a decisão de Tarso um ato inédito e "isolado", Mendes adiou o desfecho da situação ao pedir parecer à Procuradoria Geral da República. Procurado, o Ministério da Justiça não se manifestou.Se o Supremo alterar o entendimento, tendo por obrigação mudar a lei, o Executivo ficará impossibilitado de conceder refúgio a estrangeiro que responda a processo de extradição, pois a Constituição já proíbe que alguém seja extraditado por crimes políticos.Um entendimento do STF sobre a qualificação do crime definiria também os rumos do estrangeiro sem precisar da análise do Conare.
quarta-feira, 21 de janeiro de 2009
Melhores fotos de 2008
O editor deste blog é fascinado por boas fotos jornalísticas.
O jornal The Boston Globe escolheu as 120 melhores fotos de 2008.
Algumas contém advertência para exibição.
Estão divididas em três partes, com 40 fotos cada.
Clique nos links a seguir:
Pesquei do Cloacanews.
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"Solução Final"
Um dos episódios mais marcantes do pós segunda guerra foi o sequestro do servidor do governo nazista, Eichmann, na Argentina, pelo serviço secreto israelense, Mossad. Eichmann foi levado para Jerusalém e julgado e condenado a morte por enforcamento. Os fatos que ocorreram no início da década de 60, foram magistralmente narrados por Hanna Arendt, que acompanhou o caso e o julgamento, no livro "Eichmann em Jerusalém".
E, por acaso, ontem fiquei sabendo que existe um filme sobre o assunto: "Solução Final" (Eichmann em inglês). Não pensei duas vezes: corri para a locadora e loquei o DVD.
Gostei.
Quando Eichmann - o homem mais procurado do mundo -- chegou a Jerusalém, a opinião pública israelense considerava uma besteira fazer um julgamento. A imensa maioria das pessoas achava que Eichmann deveria ser apenas e simplesmente executado. Foi assim que ele fez com milhões de judeus. Coube a um capitão do exército israelense, Avner Less, fazer o interrogatório de Eichmann e arrancar dele toda a verdade sobre a "Solução Final" do "problema judaíco" na Europa.
Eichmann é frio, calculista e cauteloso. Ele abre a boca de acordo com as estratégias. Dizia apenas que cumpria ordens. Afirmou que nunca matou nenhum judeu. Mas era ele o servidor responsável pela execução da "Solução Final". Certa altura ele argumenta: não era fácil para o soldado nazista executar crianças, mulheres e idosos. Esse tipo de procedimento baixava a moral da tropa. A solução menos traumática que foi adotada era de mandar para a câmara de gás. Fechavam-se as portas e tempos depois recolhiam-se os corpos.
Lá pelas tantas, Avner Less descobre que foi Eichmann que determinou a execução de seu pai em um campo de concentração. Teria ele "legitimidade" para interrogar Eichmann? O filme trata exatamente desses dramas da consciência e da hipocrisia. É um filme moral e jurídico que intercala imagem em preto e branco com cores pastéis para dar um ar de década de 60.
Recomendo para quem gosta e se interessa pelo assunto.
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Hosmany Presidente
Coisas do Brasil. Leio na Coluna da Monica Bergamo de hoje:
Depois de anunciar que não voltará à prisão de Valparaíso, de onde saiu por causa do indulto do Natal, o médico Hosmany Ramos pretende se lançar candidato à Presidência da República. Ele montou um site, www.hosmanyramos.com, no qual divulga a sua plataforma: "Meu coração já era bom antes da minha prisão", mas a experiência "abriu as minhas vistas e me fez enxergar o sofrimento dos pobres".
Aguardando o Fim da Festa
Por enquanto tudo é festa.
As duas escolhas de Obama
Akiva Eldar do "HAARETZ"
Em março de 1948, quando o então secretário de Estado americano George Marshall informou o presidente Harry Truman de que não pretendia votar nele devido a seu apoio à criação do Estado de Israel, Marshall argumentou que a decisão contrariava os interesses dos EUA e acusou Truman de apoiar a criação de Israel por motivos eleitorais, ou seja, as doações e os votos dos eleitores judeus americanos.Marshall foi um pouco injusto. O Holocausto dos judeus da Europa também influenciou o apoio de Truman ao estabelecimento de um Estado judaico.
Na época, a perspectiva de um presidente negro na Casa Branca parecia ficção científica.Barack Obama recebeu os votos e doações de campanha de cerca de 80% dos judeus dos EUA, ainda que seu rival, John McCain, tenha declarado apoio mais claro a Israel. Os israelenses eram o único povo do mundo cuja esperança era a de uma vitória republicana.
O novo presidente pode, assim, se permitir uma reavaliação do "relacionamento especial" entre EUA e Israel, especialmente no que tange aos valores compartilhados pelos dois países e à contribuição israelense aos interesses americanos.
Que valores compartilhados o liberal [progressista] negro americano terá observado nos últimos dias ao assistir às notícias que mostravam locais bombardeados por Israel na região mais densamente povoada do planeta? Será possível esperar que a memória dos horrores do Holocausto influencie o relacionamento de Obama com Israel? Na semana passada, um membro judaico do Parlamento britânico afirmou que sua avó não havia sido assassinada pelos nazistas a fim de dar um pretexto para que soldados israelenses assassinem avós palestinas em Gaza.
O porta-voz do consulado israelense em Nova York se vangloriou das massas que compareceram a uma demonstração de solidariedade às crianças de Sderot. Ele não mencionou as massas de judeus que não sabem onde esconder sua vergonha diante das imagens de palestinos chorando amargamente a morte de suas famílias.Os porta-vozes de Israel tentam lidar com essa questão de valores com o seguinte argumento: "Os EUA teriam se contido em sua reação diante de disparos de foguetes vindos do México e que tomem por alvo suas crianças em seu território soberano?" É difícil acreditar que uma comparação como essa impressione Obama, um homem inteligente e informado.O México não está sob bloqueio aéreo e naval dos EUA e tampouco é considerado um território ocupado sob as leis internacionais. O Exército dos EUA e colonos americanos não controlam partes do território mexicano há 41 anos (e os EUA estavam entre os fiadores dos Acordos de Oslo, que dispunham que a faixa de Gaza e a Cisjordânia são uma entidade política una).
Quanto à contribuição de Israel aos interesses dos EUA, o segundo componente do "relacionamento especial", ela está em dúvida já há anos. A cada vez que judeus matam árabes nos territórios ocupados, bandeiras americanas são queimadas no Egito e na Jordânia. Em suas duas guerras contra o Iraque, os EUA conseguiram (ou não conseguiram) se virar sem a ajuda de Israel e chegaram a agradecer ao governo israelense por se manter afastado. E o temor do lobby pró-Israel ocasionalmente compele o governo e o Congresso a subordinarem a política americana à israelense, o que viola os interesses dos EUA. Não existe melhor exemplo disso do que a hesitação dos dois últimos governos americanos em criticar a expansão continuada das colônias, que contraria os acordos de Oslo, o plano de paz proposto pelos próprios israelenses e a declaração de Annapolis.
Obama tem duas escolhas. A primeira é permitir que Israel sangre e mate até se tornar um país que vive em apartheid, sob o ostracismo do mundo, limitando-se a observar enquanto Israel coloca em risco a paz do Oriente Médio e solapa os interesses americanos, como previu Marshall. A segunda é manter o apoio a Israel em seu esforço pela paz e preservar seus aspectos judaicos e morais, a caminho da aceitação regional oferecida por 22 países árabes até o momento. Ou, em outras palavras, concluir o trabalho que Truman iniciou.
AKIVA ELDAR é jornalista israelense, autor de "Lords of the Land: The War Over Israel? Settlements in the Occupied Territories, 1967-2007" (Senhores da terra: a guerra sobre Israel? Assentamentos nos territórios ocupados, 1967-2007) Tradução de PAULO MIGLIACCI
A Força Motriz dos Desequilíbrios
Recomendo a leitura deste artigo do Martin Wolf do Financial Times.
Por que o presidente Obama precisa curar a economia mundial doente
Pobre presidente Barack Obama. Ele chegou ao poder em parte devido à crise econômica global. Ele, grande parte dos americanos e o restante do mundo concordam que os Estados Unidos quebraram a economia mundial e agora têm o dever de consertá-la. Infelizmente, este consenso é falso. A crise é um produto da economia global. Ela não pode ser curada pelos Estados Unidos sozinhos.
Felizmente, Obama tem a autoridade necessária para liderar o mundo para uma solução: suas mãos estão limpas e sua falta de desejo de desculpar seu país é evidente. Também é do interesse de seu país e do mundo que a economia mundial seja devolvida a uma situação mais firme. Se esse esforço fracassar, eu temo que um ressurgimento do protecionismo será o resultado.E qual é o fracasso mundial? É a interação maligna entre a propensão de alguns países de superávit excessivo crônico e a propensão oposta de outros países de demanda excessiva. Este é o tema do meu livro "A Reconstrução do Sistema Financeiro Global". Mas o principal ponto a respeito da economia global atual é que o endividamento dos lares, alimentado pelo crédito, que apoiou a demanda excessiva nos países deficitários, sofreu uma parada repentina.
A menos que isso seja revertido, a oferta excessiva dos países com superávit também sofrerá um colapso. Esta declaração segue como uma questão de lógica: na esfera mundial, a oferta deve igualar a demanda. A questão é apenas como deve ocorrer o ajuste.Michael Pettis, da Universidade de Pequim, expôs o argumento no "Financial Times" em 14 de dezembro de 2008. O professor Pettis vê o mundo dividido em dois campos econômicos: em um estão os países com sistemas elásticos de financiamento do consumidor e alto consumo; no outro estão os países com alta poupança e investimento. Os Estados Unidos são o exemplo mais importante do primeiro e a China o mais importante do segundo. A Espanha, o Reino Unido e a Austrália são miniversões dos Estados Unidos; Alemanha e Japão são versões maduras da China contemporânea.
Eu argumentei que a força motriz por trás desses "desequilíbrios" é a política adotada pelos países com superávit, particularmente a China, cujos superávits cresceram de forma particularmente rápida. Uma taxa de câmbio administrada, acúmulos imensos de reservas de moeda estrangeira e esterilização de suas conseqüências monetárias, disciplina fiscal rígida e altos lucros retidos pelas empresas geraram taxas de poupança nacional bem acima de 50% do produto interno bruto e superávits em conta corrente de mais de 10%. A poupança dos lares parece gerar menos de um terço da poupança total. Por sua vez, o investimento é despejado na expansão da oferta, incluindo a de produtos exportados: a razão entre exportações e PIB da China saltou de 38% do PIB, no início de 2002, para 67% em 2007.
A visão de que os excessos dos países deficitários foram em parte uma resposta ao comportamento dos países com superávit é compartilhada por vários autores de políticas, incluindo Hank Paulson, o secretário do Tesouro americano que está de saída. Zhang Jianhua, do Banco Popular da China, teria declaro que "esta visão é extremamente ridícula, irresponsável e uma 'lógica de gângster'". No seu entender, o padrão dos déficits e superávits globais foi causado exclusivamente pelos autores de políticas ocidentais, particularmente as políticas monetárias frouxas do Federal Reserve (Fed, o banco central americano) e expansão desregulamentada do crédito.
Mas, independente de quem seja o maior responsável, um ponto é certo: as imensas bolhas de preços de ativos possibilitaram o excesso de oferta de alguns países, particularmente a China. Desde a crise financeira asiática de 1997-98, o mundo desenvolvido -e os Estados Unidos em particular- experimentaram, sucessivamente, a maior bolha no mercado de ações e a maior bolha imobiliária alimentada pelo crédito da história. Esta era acabou. Nós lidaremos com suas consequências por anos.E o que acontecerá agora?
A implosão da demanda dos setores privados dos países deficitários financeiramente enfermos pode acabar de dois modos, ou com aumentos compensadores na demanda ou com contrações brutais na oferta.Se ocorrerem contrações na oferta, os países com superávit estarão particularmente em risco, já que dependem da disposição dos países deficitários de manter os mercados abertos. Esta foi a lição aprendida pelos Estados Unidos nos anos 30. Os países com superávit gostam de condenar seus clientes de serem perdulários. Mas quando a gastança para, os primeiros são seriamente prejudicados. Se tentarem subsidiar seu excesso de oferta, em resposta à queda na demanda, a retaliação parece certa.Obviamente, a expansão da demanda é a melhor solução.
A pergunta é onde e como? No momento, grande parte da expansão deverá vir do orçamento federal americano. Não se sabe se isso funcionará. Mesmo os Estados Unidos não podem incorrer em déficits fiscais de 10% do PIB indefinidamente. Grande parte da expansão necessária na demanda global deve vir dos países com superávit.
A administração deste ajuste é o maior desafio para o grupo das 20 economias avançadas e emergentes, que se reunirão em Londres no início de abril. Obama deve assumir a liderança. Ele pode -e deve- dizer que espera que estes ajustes sejam feitos, mas entende que levarão tempo. Ele também pode sustentar medidas monetárias e fiscais excepcionais a curto prazo, se os principais parceiros comerciais de seu país fizerem os ajustes necessários a médio prazo em seus gastos. A China, em particular, precisa criar uma economia liderada pelo consumo. Isso é do interesse da China. Também é do interesse do mundo.Mas isso não é o que os Estados Unidos devem propor. Se a economia mundial for menos dependente de bolhas destrutivas, mais do capital excedente do mundo precisa fluir para investimento nas economias emergentes. O problema, entretanto, é que esses fluxos sempre levaram a crises. Foi o motivo para as economias emergentes buscarem acumular vastas reservas de moeda estrangeira nesta década. É essencial, portanto, fazer com que a economia mundial dê mais apoio ao crédito líquido das economias emergentes.
O que será necessário para isto é um seguro bem maior e mais eficaz contra riscos ao sistema do que o Fundo Monetário Internacional é capaz de fornecer. Um passo crucial é uma reestruturação da governança do FMI, para melhorar sua resposta às necessidades dos tomadores de empréstimo responsáveis. Uma das idéias que Obama deve propor é a formação de um comitê de alto nível para recomendar uma reestruturação radical das instituições globais, tendo em vista a redução dos riscos de crises nos mercados emergentes que precederam a era das bolhas nos países avançados.Vamos deixar claro sobre o que está em jogo. É essencial consertar esta encrenca imensa atual. Mas também é evidente que uma economia mundial aberta será insustentável se ela permanecer dependente de bolhas. No momento, o risco do colapso da globalização não é pequeno. Obama está presente na recriação do sistema econômico mundial. É um desafio que ele precisa encarar.
Tradução: George El Khouri Andolfato
Fonte: Uol Jornais Internacionais.
Foto: Alexander Grinberg.
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