A história absolverá Fidel?
Francisco G. Basterra
"Condene-me, não me importa. A história me absolverá" (discurso de defesa de Fidel Castro em seu julgamento pela participação no ataque ao quartel Moncada).
O mito de Fidel, a história de sua revolução, acompanharam a vida político-sentimental de toda uma geração: a minha. Com 13 anos, descobri o rebelde barbudo nas páginas da imprensa de Bilbao, em plena ditadura espanhola, como se se tratasse de um herói das então famosas "Façanhas Bélicas". Seguimos naqueles primeiros dias de janeiro de 1959 o avanço triunfal de sua caravana de Santiago a Havana. Quem mais ou quem menos havia tido família em Cuba e escutado o relato de sua chegada à ilha no Alfonso XII, da Compañia Transatlántica, dobrando o Morro para entrar no porto de Havana. Acreditavam que chegavam a Cádiz.Fidel havia estudado nos jesuítas e parecia, como santo Inácio, metade monge, metade soldado. Além disso, era de origem galega. O incorporamos a nossa galeria de mitos junto com Joan Baez ou Gainza. Mas Fidel perdura. Teve tempo de estabelecer a primeira ditadura comunista do hemisfério americano a apenas 145 quilômetros da costa dos EUA. Provavelmente a sobrevivência da revolução contra Washington é o principal êxito do que começou na véspera de Ano Novo de 1958. Os Castro são sobreviventes, algo em si mesmo notável, como salienta esta semana "The Economist". Mas em tudo o mais, o mito, que nos pesou tanto, não correspondeu ao resultado.Uma Havana estranhamente tranqüila comemorava o Ano Novo. Pouco depois das 12 badaladas, Batista, o sargento mulato que havia tomado o poder em um golpe militar em 1952, voou para o exílio na República Dominicana do também ditador Trujillo. Não houve violência e só os parquímetros - sim, havia parquímetros em Havana - foram destruídos.Fidel, em Santiago, prepara cuidadosamente sua chegada a Havana, que já foi tomada pelo Che e Camilo Cienfuegos. É o primeiro político contemporâneo que entende a força da televisão e a utiliza. As câmeras o acompanham em seu percurso triunfal. Começa o culto à personalidade.
A revolução é Fidel.
Em 9 de janeiro entra em Havana e pronuncia um discurso em que inaugura seu estilo de perguntar diretamente ao povo. "Devo aceitar, como me propõe o governo provisório, ser o comandante em chefe do exército rebelde?" "Sim, Fidel", clamam as massas. E duas pombas brancas sobrevoam o palco e pousam nos ombros de Fidel.O comandante inicia imediatamente a preparação da revolução socialista. Com um punhado de leais, forma no Instituto Nacional de Reforma Agrária (INRA) um governo na sombra, contra o "governo burguês" de Urrutia. Afasta os comunistas ortodoxos e cria seu próprio Partido Comunista. Seu irmão, Raúl, e Che Guevara são os homens chaves nesse propósito. É inútil discutir sobre o que veio primeiro, o ovo ou a galinha. Fidel, comunista desde o princípio da revolução, ou Cuba é empurrada para o comunismo pela inimiga de Eisenhower e dos EUA? Tad Szulc, em seu muito interessante livro "Fidel, um retrato crítico", dirime convincentemente essa dúvida a favor de que Fidel teve claro desde o começo que queria levar a cabo uma revolução comunista. Não foi só um nacionalista cubano.Obama não tinha nascido quando Eisenhower impôs as sanções a Cuba. Mas agora terá em sua mesa o dossiê Cuba. Não é de primeira importância para os EUA, nem estratégica, nem política, nem economicamente. Obama falou em estabelecer um diálogo direto com Cuba. Veremos Hillary Clinton em Havana? O novo presidente poderia iniciar uma política de gestos, permitindo mais visitas de americanos à ilha e a livre remessa de dinheiro dos cubanos em Miami.
O que começou há 50 anos continua. Dezessete anos depois do desaparecimento da União Soviética, uma ditadura comunista familiar, como a da Coréia do Norte, continua de pé, cambaleante, com a economia em farrapos. Com a cidadania empenhada em sobreviver o dia-a-dia e com a educação e a saúde, os autênticos grandes sucessos da revolução, muito deterioradas. Raúl Castro falou ontem em Santiago em mais 50 anos de revolução. Em algum lugar da ilha, Fidel, encolhido em seu suéter com a bandeira cubana, deve tê-lo visto pela televisão. A história absolverá Fidel? Depende de quem a contar
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