Líderes, gerentes ou chefes
Renato Janine Ribeiro
Quatro mandatos sucessivos de governantes do calibre de Fernando Henrique e Lula foram definindo um alto padrão para a função presidencial: o de líder. Esse papel é referência e modelo para quem quiser o cargo em 2010. É o que torna difícil imaginar Dilma Rousseff na Presidência. Pode ser uma boa gerente de projetos, mas não é uma líder que mobilize as pessoas. Sabe ser dura e mandar. Mas a qualidade dos dois últimos presidentes é outra: persuadir, unir, em suma, liderar.
Assim foi que FHC emplacou o Plano Real, as privatizações e a posse tranquila de Lula, e Lula viabilizou uma política social mais audaz e a inclusão da esquerda entre os atores políticos aceitos no país. Fossem gerentes... Dilma presidenta seria, apesar de seus méritos, um enorme problema para o PT. Pouco do que ela diz ou faz corresponde aos valores históricos centrais do partido.
Um chefe dá ordens, nomeia, demite. Um presidente, não. O único ministro que Lula demitiu diretamente -Cristovam Buarque, por celular- lhe custou caro. Melhor mandar um emissário pedir o cargo. Presidentes, se forem líderes, não mandam. Falam. Seduzem. Quem chefia um ministério pode querer que ele seja homogêneo. Já um presidente administra ministros em conflito e, além disso, precisa de pontes com a oposição. Ouvi um político francês definir um líder: "Sua melhor qualidade é que ele descobre muito rapidamente o que as pessoas querem". Esse é um dom: o líder dá menos do que as pessoas pedem, mas isso porque elas mesmas não sabem o que desejam. Tal capacidade de escutar nada tem a ver com gerenciar ou mandar. É estratégia, não tática; é persuasão, não ordem. Não é disciplina, é conciliação. O Brasil não terá governos de um partido só. Estamos fadados a ter maiorias de coalizão no Congresso.
O PT tem um líder a propor para 2010? Difícil. Uma hipótese é viabilizar Patrus Ananias, que vive uma espantosa discrição: afinal, ele tem a pasta do Bolsa Família; mas, mineiramente calado, não se queima. Porém, a prioridade um do PT é: se este é o governo mais popular em várias décadas, por que dar a sucessão a outro partido? O PT proporá um nome de dentro, mas seu estoque é pequeno. Por outro lado, como a prioridade dois -não do PT, mas de Lula- parece ser eleger o próprio Lula em 2014, poderia ser alguém que se contentasse com um mandato.
Por isso, Alckmin não servia. Estava longe desse perfil elevado. Serra, com esforço, talvez se torne líder. Haddad tem tempo para isso, mas ainda não o é. Na oposição, quem hoje parece mais talhado para líder é Aécio -que tem seu primeiro-ministro, um ótimo vice, Antonio Anastasia. Em suma, o Brasil colocou a política acima da gerência. Acho isso bom. Custa alguma coisa deixar a gestão em segundo plano, mas custaria ainda mais gerir sem apoio político. Técnicos no poder funcionaram na ditadura. Na democracia, não bastam.
RENATO JANINE RIBEIRO, 59, é professor titular de ética e filosofia política na USP. Foi professor visitante na Universidade Columbia e diretor da Capes (2004-2008).
Folha de hoje.
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