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Foto: Obama, Cameron e Helle Thorning-Schmidt


quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Paradoxo da Parcimônia


Por que lidar com uma dívida imensa é tão difícil
Martin Wolf - Financial Times

Quanta dívida é demais? Ninguém sabe. Mas os governos das economias de alta renda altamente endividadas - como os Estados Unidos e o Reino Unido - acham que sabem a resposta: mais do que hoje. Eles querem que ainda mais crédito flua para seus setores privados em dificuldades. Esta é uma meta alcançável? Se for, como poderia ser atingida?

Vamos começar com alguns fatos. A relação entre dívida pública e privada e o produto interno bruto nos Estados Unidos chegou a 358% no terceiro trimestre de 2008. Este foi o ponto mais alto na história americana. O pico anterior de 300% foi atingido em 1933, durante a Grande Depressão.

Quase toda essa dívida é privada. Ele atingiu um pico de 294% do PIB em 2007, um aumento de 105 pontos percentuais em relação à década anterior. O mesmo aconteceu no Reino Unido, em uma escala ainda mais impressionante. Esta foi uma expansão gigante de dívida e crédito.

Particularmente notável é a composição da dívida crescente. No início dos anos 30, grande parte da dívida privada americana era de propriedade de empresas não-financeiras: logo, a deflação no balancete ocorreu nas empresas, como também foi o caso no Japão nos anos 90. Desta vez, entretanto, o grande aumento na dívida foi no setor financeiro e nos lares.

Ao longo das últimas três décadas, a dívida do setor financeiro americano cresceu seis vezes mais rápido do que o PIB nominal. Os aumentos conseqüentes em sua escala e alavancagem explicam por que, no pico, o setor financeiro supostamente gerou 40% dos lucros corporativos americanos. Decididamente, algo não saudável estava ocorrendo: em vez de ser um servo, o setor financeiro se tornou o mestre da economia. Em um breve relato soberbo da calamidade atual, lorde Turner, o presidente da Autoridade de Serviços Financeiros do Reino Unido, se refere explicitamente a "lucros ilusórios"*.

Além disso, a dívida dos lares - grande parte dela associada à habitação - também aumentou rapidamente: de 66% do PIB americano em 1997 para 100% em 2007. Um salto ligeiramente maior no endividamento dos lares pode ser visto no Reino Unido.

O que esses aumentos da dívida prenunciam? A resposta poderia ser: nada. Afinal, por todo o mundo, dívida não resulta em nada. Em princípio, a capacidade de transferir poder de compra dos mutuantes para os mutuários é altamente desejável: como dizia uma campanha publicitária britânica, o crédito "tira a espera do querer". Mas as pessoas também podem cometer grandes erros, particularmente se confundirem bolhas com preços permanentemente altos. O setor financeiro é praticamente propenso a esses erros. Como Carmen Reinhart, da Universidade de Maryland, e Kenneth Rogoff, de Harvard, comentam: "Crises bancárias sistêmicas são tipicamente precedidas por bolhas de preços de ativos, grandes afluxos de capital e booms de crédito, tanto em países ricos quanto em países pobres"**.

Assim que as bolhas de ativos estouram, fica difícil encontrar mutuários e mutuantes que estejam dispostos ou tenham crédito. O extremamente endividado começa a pagar suas dívidas, como agora. A poupança também aumenta. Mas a poupança líquida pode não aumentar: em seu lugar, as rendas poderiam sofrer um colapso. Isto é o que John Maynard Keynes chamou de "paradoxo da parcimônia". O resultado será uma queda causada pelo colapso dos balancetes em vez das tentativas de controlar a alta da inflação.

E o que poderia ser feito?

Alguns recomendam uma "liquidação". Uma série de falências de fato eliminaria uma dívida flutuante, como aconteceu nos anos 30. Mas, com grande parte da economia emaranhada na falência e com a implosão do setor financeiro, o resultado seria uma depressão. Escolher esta opção seria insano.

Um pouco mais atraente é uma falência em massa organizada. As propostas para um troca organizada de dívida por participação acionária em instituições falidas ou enfermas se enquadra nesta categoria. Assim como permitir aos tribunais alterar os contratos de hipoteca. Executadas de forma eficiente e rápida, essas idéias são atraentes. Os custos recairiam sobre os acionistas e credores, não sobre os contribuintes, e isso manteria o princípio da responsabilidade privada.

Uma abordagem oposta seria sustentar os níveis existentes da dívida, reduzindo seus custos para os mutuários e tentar sair dela ao longo de muitos anos. É isso o que buscam as atuais políticas monetárias. É uma boa idéia, apesar de desagradável para os credores. Mas isso não geraria empréstimos adicionais ou novos gastos; não impediria o endividado de tentar reduzir sua dívida; e não devolveria o setor financeiro à saúde.

Uma outra abordagem é substituir a dívida privada por dívida pública. Isso é o que agora significa a recapitalização dos bancos. Com o tempo, a dívida do setor privado deve cair, enquanto a dívida do setor público, explícita ou implícita, aumenta. A socialização da dívida aumenta as chances de sair dela. Isso já aconteceu antes, notadamente no caso da dívida pública do Reino Unido ao longo do século 19.

Finalmente, há a inflação. Se os bancos centrais e governos forem agressivos o bastante, eles podem gerar inflação, o que pode reduzir o fardo da dívida. Mas colocarão em risco a experiência - talvez até matá-la - com o "fiat money" (dinheiro fiduciário, ou feito pelo homem) sem lastro, que teve início em 1971.

Qual é a melhor abordagem?

No geral deve ser sair da dívida flutuante com socialização de uma parte de seu elemento essencial. Uma recaída na inflação seria um imenso fracasso da política.

Um plano também é necessário para tratar do apuro de muitos lares e do setor financeiro subcaptalizado e excessivamente dilatado.

O setor financeiro, como um todo, não pode sofrer uma desalavancagem com venda de ativos. Seria de ajuda se, em vez disso, as reivindicações das instituições financeiras globais pudessem ser removidas com um todo, apesar disso exigir uma cooperação internacional. O governo Obama também deve lançar em breve uma recapitalização do sistema bancário americano, mas não comprando os "ativos tóxicos" a preços acima do mercado. Uma troca de dívida por participação acionária seria preferível. Se isso é politicamente impossível ou desestabilizador demais, a recapitalização financiada pelo governo é inevitável. Só não ouse chamá-la de nacionalização.

Independente do que seja feito, uma verdade não pode ser evitada. Será muito difícil gerar um empréstimo líquido substancial pelos lares e corporações não-financeiras nos países de alta renda com alta dívida interna. É inimaginável que retornarão aos níveis de tomada de empréstimo pelo setor privado, gastos e endividamento que caracterizaram estes países por muito tempo. Países com grande superávit em conta corrente há muito exigem o fim do endividamento e gastos perdulários pelos consumidores dos quais dependem. Eles deveriam ter cuidado com o que desejavam: é o que terão agora. Desfrutem!

*A Crise do Setor Financeiro e o Futuro da Regulamentação Financeira, www.fsa.gov.uk

**Crises Bancárias: uma Ameaça de Oportunidade Igual, Birô Nacional de Pesquisa Econômica, Trabalho 14587, dezembro de 2008, www.nber.org

Tradução: George El Khouri Andolfato

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