Imagens da crise irlandesa
A Irlanda está com problemas de caixa - financeiro. Os bancos estão sem grana, sem liquidez. Com a crise de 2008, os investidores deixaram de derramar seu dinheiro. E a economia não bomba mais como bombava antigamente. Há de se evitar -- como já ocorreu por aqui em terras brasucas -- uma corrida aos bancos. Ou seja, o efeito cascata que sempre pode haver numa crise financeira. E a comunidade européia está ali para servir nessas horas. E isso tem um custo razoável.
As razões desse déficit também tem a ver com a baixa taxa de tributos que o governo cobra das empresas para ali se instalar: apenas 12,5%. A menor do continente europeu. Outros países alegam que isso é concorrência desleal. O objetivo, of course, é atrair empresas. E a Irlanda atraiu zilhões de bons empreendimentos. Isso fez o país bombar por algum tempo, até a crise de 2008 que fez tudo mudar.
Mas essa taxa de tributos cobrada é muito baixa. O problema não é tão grave assim, basta um ajuste para levantar esses impostos e gerar receita para o estado desenvolver o importante e fundamental serviço público e também para se pagar o déficit que o estado gera. A questão é de equilíbrio nas contas. E alguém vai ser chamado a pagar essa dívida. Espera-se que não seja a população de menor renda que precisa de emprego.
Tenho um amigo que esteve na Irlanda no início deste ano. Disse-me ele, passei cinco dias em Dublin num hotel de quinta. Nunca bebi tanto na minha vida. Eles estão bombando. Meu amigo parece saber das coisas.
O artigo abaixo, do Carta Maior, pretende dar uma receita (equivocada) aos queridinhos do mercado que participam da equipe de transição de Dilma Rousseff.
Nos anos 80 e 90, a palavra ‘Irlanda’ era pronunciada com a reverencia reservada aos quitutes finos nos banquetes neoliberais. O ‘ajuste irlandês’, iguaria produzida a partir de uma receita de cortes brutais nos gastos públicos, demissão em massa de funcionalismo e isenções maciças de impostos, era vendido nas praças de alimentação do mundo pobre como o cardápio da hora. A Irlanda era por assim dizer a garota do quarteirão do Consenso de Washingnton. Ombrear-se a ela era possível, mas exigiria uma aplicação de ferro, explicavamos os ventrílocos nativos que agora demonstram súbita amnésia em relação ao passado deste que é a bola da vez da derrocada européia. Recapitulemos então:
1.em meados dos anos 80, a Irlanda adotou um ‘padrão perene’ de ajuste fiscal, cercado de salvas & vivas da ortodoxia mundial;
2.um serviço à la carte foi providenciado na cozinha irlandesa para atender a freguesia do mercado: a anistia tributária veio junto com cortes de despesas e redução dos investimentos públicos em 1987;
3. 14 mil funcionários públicos foram demitidos ou aderiram a programas de demissão voluntária (isso numa população de 4 milhões de pessoas);
4.o ajuste iniciado em 87 veio para ficar. Até meados dos anos 2000, a Irlanda manteve-se fiel à santíssima trindade neoliberal: controle dos gastos públicos, teto no reajuste dos salários públicos [taxa máxima de 2,5% ao ano entre 1988 e 1990 ]e incentivos 'amigáveis' aos mercados [leia-se, desonerações e vale-tudo];
5.o arrocho fiscal produziu, naturalmente, uma redução substantiva da dívida interna derrubando a despesa com juros de modo a obter um permente superávit nominal [outro mantra dos neoliberais];
6. a supremacia dos mercados desregulados cavava, porém, vertedouros subterrâneos que corroíam as bases economicas do país. O foguetório de superfície permanecia: ‘o Tigre Celta’ crescia a taxas chinesas com macroeconomia de paraíso fiscal [nenhuma empresa pagava imposto acima de 12,5%) Quer coisa melhor que isso? Era o prato da hora. Resquícios dessa receita, agora indigesta, ainda frequentam a agenda do grupo pró-mercados que participa da equipe de transição da presidente-eleita Dilma Rousseff;
7. o desfecho irlandês recomendaria maior prudencia na transposição de seus fundamentos aos ares tropicais. Os números indicam que o banquete redundou em um artordoante desarranjo gastrointestinal que transformou o ‘Tigre Celta’ numa espécie de Haiti financeiro. A saber:
a) a economia irlandesa degringola desde a explosão da bolha financeira em 2008: de lá para cá o país acumula uma queda de apreciáveis 11,6% do PIB , taxa que o coloca algumas cabeças à frente do que se poderia chamar de recessão. Depressão talvez seja um termo mais apropriado para a convalescência de sangue, suor e lágrimas que pode durar até 15 anos;
b) a Irlanda quebrou quando os fluxos de capitais deixaram de alimentar a ciranda doméstica ancorada em desonerações atraentes aos fundos especulativos, cuja maior obra foi a bolha a imobiliária, agora em estado terminal.
c) A ex-queridinha dos mercados desregulados atingiu um déficit fiscal 12% do PIB este ano e terá que reduzí-lo a 4% até 2014. O nome disso é arrocho.
d)os preços dos imóveis já perderam 50% do valor; a inadimplencia grassa junto com o desemprego, a fuga de capitais e o arrocho salarial. Há milhares de imóveis vazios e os bancos estão virtualmente falidos: para salvá-los, o país negocia um empréstimo de 100 bilhões de euros com o FMI, sujeito às condicionalidades conhecidas.
e) O que a frivolidade midiática esquece, porém, é que o ‘Tigre Celta’ quebrou, sobretudo, porque não dispunha mais de políticas públicas, de aparato público, de fôlego fiscal e, sobretudo, de ideologia do interesse público para contrastar a derrocada dos mercados especulativos com medidas anticíclicas em defesa do emprego e da sociedade.
f) O ajuste irlandês’ cantado em prosa e verso pelos bardos da mídia nativa havia reduzido o país a mera extensão dos mercados. Sem contrapesos institucionais soberanos, perdera a capacidade de reagir aos instintos suicidas aflorados em seu próprio metabolismo. A crise estava na essencia da Irlanda e a Irlanda se transformou na essencia da crise. Que sirva de alerta aos discípulos da 'agenda das reformas' que participam ativamente da equipe de transição da presidente eleita Dilma Rousseff.
6 comentários:
Maia
Os liberais se acham a oitava maravilha do mundo.
A Irlanda foi cantada em prosa e em verso pelos liberais como a melhor forma de governo.
Taí no que deu.
O Brasil deveria aprender com a Grécia e agora com a Irlanda e manter o Dr. Meilleres no BACEN
O que está claro nessa crise é que o sistema bancário precisa de regulação firme, aquela que o FHC instituiu contra os nossos bancos e que ainda assim, nem sempre é suficiente.
Porque a ganância de operadores financeiros é realmente espepacular e desmesurada, eles não pensam duas vezes em agregar alguns milhõeszinhos em seus bônus (vide Lehman Brothers) à custa de manobras contábeis.
Se eu fosse rico igual ao Maia, eu pagaria direitos autorais ao Fabio Mayer para usar seu comentário como meu fosse.
Ou seja, concordo com o Fábio e tenho inveja da grana que o Maia tem
Rico! Eu? Bem capaz, Senna. Eu nem conheço a Irlanda!
Fábio, a Irlanda foi alvo da ganância. Quando um país concede muito benefício fiscal pode ocorrer o que está acontecendo com o tão cantado tigre celta.
O artigo da Carta Capital é de uma idiotice tremenda. A letra "e" então é exemplar. Quer dizer que a Irlanda quebrou por falta de funcionários públicos? Que imaginação!?
A Irlanda quebrou pelo mesmo motivo que a Grécia, Espanha e outros: não souberam aproveitar dos anos dourados que sim, o liberalismo proporcionou.
Dado a melhor econômica vem sempre a boa vontade dos governos: "vamos dar casas para todos, pois é socialmente justo".
Toma lhe créditos imobiliários (bem mais baratos por conta dos riscos mais baixos do Euro), toma lhe incentivos fiscais, o negócio era dar dinheiro às pessoas. O preço dos imóveis explodiu não por conta de desrregulamentação. Explodiu por excesso de crédito e isso não vem dos bancos, vem do governo.
Enquanto continuarem a achar que a crise foi causada por banqueiros, por falta de regulação (o que é uma bruta mentira) e não olhar as medidas que os governos fizeram para inundar os países de crédito nunca irão sair dessa crise.
Quer ver? Olhe o contraponto da Suécia e de como está respondendo à crise.
http://www.spectator.co.uk/politics/all/6296398/swedish-conservatives-bucked-the-recession-by-lowering-taxes-and-won-reelection.thtml
Aliás a frase chave do texto que eu enviei sobre o sucesso da Suécia no combate a crise é essa:
"A Gordon Brown figure would have been impossible in Sweden BECAUSE ITS LAWS PROHIBIT POLITICIANS RUNNING UP TEH NATIONAL DEBT IN BOOM YEARS."
Agora compare com a Grécia onde o governo fraudava as estatísticas.
Percebem a diferença?
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