Diversidade, Liberdade e Inclusão Social

Foto: Obama, Cameron e Helle Thorning-Schmidt


sábado, 1 de dezembro de 2007

Entrevista José Luiz Fiori


Copio e colo entrevista da Folha com o cientista político José Luiz Fiori para comentar depois.


ENTREVISTA/ JOSÉ LUÍS FIORI


Cientista político discorda de previsões sobre fim da hegemonia americana, mas vê América Latina mais independenteApesar do fracasso no Iraque e da perda de credibilidade, os EUA seguem em frente com uma "estratégia imperial" que é anterior à eleição de George W. Bush. Ela é reiterada nos programas de todos os candidatos à sucessão americana, diz o cientista político José Luís Fiori. Nesta entrevista, feita por e-mail, o professor da UFRJ fala dos temas do seu novo livro, "O Poder Global" (editora Boitempo), quarto de uma série sobre o sistema mundial moderno.CLAUDIA ANTUNES EDITORA DE MUNDO

FOLHA - O sr. refuta a idéia do fim da hegemonia americana tal como exposta pelos sociólogos Giovanni Arrighi e Immanuel Wallerstein. Mas também afirma que o mundo caminha para ter novos pólos de poder. Não haveria mais coincidências do que divergências entre a sua análise e a deles?

JOSÉ LUÍS FIORI - Minha divergência com Arrighi e Wallerstein não é conjuntural, é teórica. Os dois sustentam suas projeções de longo prazo na hipótese de que o sistema mundial moderno requer a existência de potências hegemônicas sucessivas para manter a ordem política e o bom funcionamento da economia internacional. O chamado "hegemon" aparece como um tipo de resposta funcional ao problema da ingovernabilidade de um sistema que é anárquico porque é formado por Estados soberanos. Em geral, essa teoria destaca as contribuições positivas do hegemon para a governança global. Só que ela não consegue dar conta do movimento de expansão dos Estados e economias nacionais que já fazem parte do núcleo central do sistema, mas continuam competindo entre si, mesmo nos períodos que aparentem uma alta tranqüilidade sistêmica. Foi a crítica dessa teoria que me levou ao conceito de poder global do livro.
FOLHA - E o que isso significa?

FIORI - É um modo de análise que privilegia o movimento e as contradições que movem o sistema mundial, impedindo sua estabilização e qualquer tipo de governança global estável. O sistema se parece com um universo em expansão contínua, movido pela luta das grandes potências pelo poder global e que por isso estão sempre criando, ao mesmo tempo, ordem e desordem, paz e guerra. O que o ordena e estabiliza não são os hegemons, mas a existência do que chamo de "eixos conflitivos crônicos" e a possibilidade permanente de guerra. O sistema não acumula poder e riqueza sem a competição das nações e não se estabiliza sem as guerras.
FOLHA - O sr. não admite nem que haja uma crise da hegemonia americana -que estaria dada pelo ultraesforço militar no Iraque, os déficits crescentes, a bolha imobiliária, a perda de credibilidade?

FIORI - O que estou tentando dizer é que não se consegue saber o que significa exatamente crise da hegemonia americana. Qualquer bolha econômica ou mesmo guerra, enfrentada ou perdida pelos EUA? Se for assim, afirmar que existe uma crise da hegemonia é apenas uma frase fácil, sem significado ou conseqüência precisa. Mas se o caso for anunciar o fim da hegemonia americana, discordo totalmente. Acho que a estratégia imperial americana continua em curso expansivo, apesar de suas dificuldades. Com a eleição de Bush e os atentados de 2001, a política externa adotou uma retórica mais belicista e assumiu de forma explícita um projeto imperial. Mas a estratégia imperial já vinha de antes, e se manteve a mesma, desde o fim da Guerra Fria. Ela acumulou vitórias, mas também vem enfrentando problemas para seguir se expandindo.
FOLHA - E quais são os problemas principais que o sr. identifica?

FIORI - Está cada vez mais difícil para os EUA manter a ordem e impor suas posições dentro dos territórios periféricos, que nasceram da desmontagem do sistema colonial europeu. Por outro lado, foi a estratégia expansiva dos EUA que incentivou em boa parte a transformação asiática que hoje lhe escapa ao controle. Os norte-americanos não têm mais como frear a expansão econômica da China nem podem mais seguir em frente com sua estratégia global sem contar, pelo menos, com uma parceira chinesa. Além disso, a Alemanha e a Rússia voltaram para o jogo do poder europeu e internacional. Hoje esses dois países estão reconstruindo suas zonas de influência na Europa e na Ásia Central, limitando as ambições americanas nessas regiões.
FOLHA - Não há um certo fatalismo na sua previsão de retorno à velha disputa entre potências, como no final do século 19 e início do 20?

FIORI - Isso é uma frase de efeito e uma forma de explicar o reaparecimento nos noticiários das disputas entre EUA e Rússia, China e Japão, Alemanha e França etc. Na verdade a disputa entre as grandes potências nunca terminou, apenas arrefeceu como costuma acontecer depois de uma grande guerra ou vitória contundente, como foi o caso da Guerra Fria.
FOLHA - Como esse quadro internacional se reflete nas próximas eleições nos EUA?

FIORI - As divisões internas estão aumentando e é provável que, depois do fracasso do Iraque, ocorra um realinhamento de forças dentro do establishment. Mas esses processos são lentos, e não é provável que o novo realinhamento coincida com as eleições de 2008. Os programas dos principais candidatos democratas e republicanos mostram que a velha estratégia imperial se mantém de pé. Todos se propõem a reconstruir a liderança mundial dos EUA e todos defendem a necessidade de uma diplomacia multilateralista. Mas, ao mesmo tempo, propõem aumentar os gastos e contingentes militares e multiplicar os investimentos em inovações tecnológicas para uso em guerras assimétricas. O mais interessante é que quase todos os candidatos propõem a criação de agências civis encarregadas de reconstruir e administrar os territórios atingidos pelo poder americano, como na burocracia imperial da rainha Vitória.
FOLHA - O sr. aponta a falência das interpretações que previam o fim dos Estados. Hoje, em parte por causa do chamado nacionalismo de recursos, eles retomaram seu protagonismo. Mas isso coincide com uma crise dos sistemas políticos e dos partidos. Quais as possíveis conseqüências desse paradoxo?

FIORI - A crença no fim dos Estados teve uma força particular na América Latina e nos países que nasceram da antiga URSS, onde foram aplicadas de forma mais rigorosa as políticas neoliberais. Fora daí ninguém nunca tomou isso muito a sério. Já em relação à chamada crise dos sistemas e partidos políticos, não é também a primeira vez que se fala disso. Na década de 60 falou-se muito do fim das ideologias e dos partidos ideológicos. Nos anos 70, falou-se da crise do sistema democrático, mesmo na velha Europa. Hoje mesmo só se fala dessa crise de partidos em alguns países e sempre em comparação com um modelo ideal que nunca existiu em lugar nenhum. Por todo lado, os partidos conservadores cumprem o papel de sempre. Os de esquerda é que talvez estejam passando por crise de identidade e por um período de mudança.
FOLHA - Mas em muitos países da América Latina houve a falência de partidos tradicionais e ela trouxe riscos de autoritarismo. Em que medida um projeto como o de Chávez, por exemplo, sobrevive sem ele?

FIORI - A América Latina é um bom exemplo porque se fala em suposta crise dos partidos exatamente nos países onde ocorreram vitórias de forças progressistas e onde as forças políticas tradicionais sofreram revezes. São em geral países que viveram longos períodos ditatoriais sob controle de forças políticas conservadoras que se alternavam no poder, desqualificando o processo de alternância democrática. Mas nesses países têm havido agora eleições e plebiscitos repetidos. São sistemas em processo de reestruturação, que levará algum tempo. Nesses momentos de mudanças profundas talvez caiba retomar a velha tese do sociólogo alemão Max Weber sobre o papel do carisma ou das lideranças carismáticas como quase único caminho possível para reformar estruturas e instituições políticas tradicionais, patriarcais ou patrimoniais, esclerosadas mas com enorme capacidade de preservação. Hoje é possível identificar na América Latina vários casos de lideranças carismáticas, cuja força política transcende suas organizações partidárias. Em todos esses casos, como dizia o próprio Weber, a sucessão será um problema difícil porque o carisma é intransferível.
FOLHA - Que exemplos históricos o sr. tem em mente?

FIORI - Quando falo da força das lideranças carismáticas, e do seu papel transformador na história, para ficar fora da América Latina e acima do Equador, penso nos nomes de [Charles] De Gaulle, [Winston] Churchill e [Franklin] Roosevelt.
FOLHA - Morales e talvez Lula também seriam líderes carismáticos?

FIORI - Creio que Morales e Lula também transcendem muito suas organizações partidárias. Mas acho impossível chegar a um acordo sobre esse assunto e que a provocação intelectual está na idéia de Weber e não nos exemplos que cabem mais ou menos no conceito.
FOLHA - O sr. diz que a América Latina está vivendo "talvez uma ruptura revolucionária". Há diferença entre a chamada onda vermelha de hoje e o velho antiimperialismo?

FIORI - Acho que existem pelo menos duas diferenças fundamentais. A primeira é que hoje já não existe mais a mesma identidade entre competição geopolítica e bipolarização ideológica que marcou a segunda metade do século 20. E a segunda é que a liderança progressista da América Latina atual não atende mais pelo mesmo nome e não defende nem está implementando o mesmo projeto de governo. Hoje a América Latina é um campo muito mais aberto para a inovação social e política, sem dogmatismos. Os EUA mantêm e podem sempre reafirmar seu protagonismo no continente. Mas a novidade talvez esteja do outro lado do balcão, dos novos governantes que têm mostrado vontade de mudar o tipo de relação secular que mantêm com os EUA. O grau de liberdade de ação dos EUA fica muito menor do que quando contava com o apoio quase incondicional das elites empresariais e dos governos do continente.
FOLHA - Muitos apontam uma descentralização do poder econômico, dado que o estouro da bolha imobiliária nos EUA não contaminou os emergentes. O sr. concorda?

FIORI - O estouro da bolha imobiliária não chega a ser um bom exemplo porque o BC americano decidiu proteger os mercados e manter o ritmo imediato da atividade econômica.Ninguém sabe calcular exatamente o que teria ocorrido se os EUA tivessem agido ao contrário, nem o efeito de médio prazo da decisão tomada. Qual será o impacto, por exemplo, da desvalorização do dólar sobre as exportações das economias atreladas ao euro?Hoje só é possível especular sobre as conseqüências de uma desaceleração da economia americana ou de uma retomada acelerada das exportações dos EUA, com diminuição do seu déficit comercial. Em qualquer caso haverá transferência de custos a outros países.
NA INTERNET - Leia a íntegra da entrevista em
www.folha.com.br/073334

2 comentários:

Magui disse...

Eu ouço isso desde quando era estudante de direito há décadas .Visto que vc não tem haloscan no coments sou obrigada a usar o meu blogspot.Desculpe.
http://somagui.zip.net

Carlos Eduardo da Maia disse...

O pessoal inventa uns bibelôs tecnológicos de dobrar o cérebro do vivente. O que é "haloscan no comments"?. Onde baixo, onde procuro? qual o custo benefício ?