Diversidade, Liberdade e Inclusão Social

Foto: Obama, Cameron e Helle Thorning-Schmidt


terça-feira, 4 de dezembro de 2007

Interrompendo o Fluxo da Vida


Realizou-se em Porto Alegre, na última sexta-feira, a "marcha dos sem" que tomou conta do espaço público do centro da cidade e interrompeu e atrasou o fluxo de nossas vidas.


Um tal de Centeno escreveu uma mensagem no RS Urgente do jornalista Marco Weissheimer criticando a Zero Hora e sua matéria sobre a "marcha dos sem". A mensagem foi reproduzida em post.


Diz o post e depois eu volto.


A questão social já foi um caso de polícia. Já foi vírgula: para muita gente permanece sendo assim. Basta ver a ferocidade do aparato bélico empregado pelo, com o perdão da palavra, governo Yeda Crusius contra 400 homens, mulheres e crianças do Movimento dos Trabalhadores Desempregados (MTD) que ocuparam as ruínas daquilo que foi um dia a Companhia Riograndense de Laticínios e Correlatos, a Corlac, tentando fazer do local uma cooperativa de trabalho. Os escombros são hoje, aliás, uma testemunha muda do destroçamento econômico do Rio Grande presenciado por partidos que se revezaram no Piratini nas últimas décadas, todos representados no, digamos assim, governo atual.

Mas as páginas de Zero Hora, outra usina ideológica de criminalização dos pobres organizados, sinalizam outra configuração deste fenômeno. Para ZH, a questão social deixou de ser um caso de polícia apenas para se transformar, dependendo da situação, numa ocorrência de trânsito. Ou seja, um passo além na irrelevância.Tanto na edição online quanto na impressa, a Marcha dos Sem, que reuniu milhares de pessoas para contestar as políticas do, vamos dizer, governo Yeda foi tratada como um aborrecimento, mais uma daquelas aporrinhações do tráfego que agridem os países baixos da classe-média na borda do fim-de-semana.

“Marcha do Sem complica o trânsito” (P.42) foi o título da matéria mirrada, esmagada e esquecida num pé de página da editoria de geral no sábado, 01/12. Não mais de 30 linhas secundadas por uma foto de duas colunas onde o protagonista é um táxi que passa por cima de um canteiro. Perfeito: um flagrante de infração de trânsito para uma matéria de trânsito. Os marchantes estão ao fundo. Não tem rosto, estão indistintos, quase invisíveis. São nada. Como se quer.

Esta negação do todo para afirmar uma de suas partes – o reflexo do deslocamento de milhares de pessoas pelas ruas da cidade numa tarde de sexta-feira no fluxo de veículos – é de uma perversidade que deixa a marca de seus dentes na carne de algumas vítimas. Uma delas a Democracia, ao surrupiar o significado político do evento, recusando a existência e o direito à expressão do outro. Outra é o Jornalismo, assim mesmo com maiúsculas, para lembrar o que esta palavra algum dia já representou e para distinguir do jornalismo, com minúsculas, ardorosamente praticado pelas redações hegemônicas de Bruzundangas, ZH entre elas.

Do modo como a matéria foi titulada, recusando a dimensão política e social da marcha, parece que as pessoas marchavam para entregar um manifesto não ao, digamos assim, governo Yeda, mas à EPTC ! O diário dos Sirotsky não precisa gostar da Marcha dos Sem que, de certa feita, adesivou-lhe a fachada com milhares de ZH Mente. Por sinal, um adesivo que traduz a divisa da esquerda chilena referindo-se ao diário direitista El Mercúrio que atacava obsessivamente o governo de Salvador Allende...Mas brigar com os fatos é a melhor maneira de perder leitores. E credibilidade. É dever incontornável do Jornalismo oferecer as múltiplas faces de uma realidade. Quando manifestações de milhares são agredidas midiaticamente ao serem relegadas à condição de atrapalho do vaivém de veículos – mais uma evidência da degradação da abordagem: o carro antes das pessoas – a sociedade perde. Por não ter acesso aos argumentos que ela própria – ou parte dela -- está formulando. A agenda da marcha tem tudo a ver com o pesadelo econômico em que o Rio Grande se debate em 2007. E merecia mais atenção. Editorialização é para o editorial.

Bem, talvez haja um tanto de má vontade do locutor que vos fala. Pode ser que, naquele dia, ZH estivesse atulhada de fatos relevantes que correriam a cotovelaços qualquer pretensão de uma matéria mais alentada da marcha acomodar-se nas suas páginas. Será? Só para ficar na editoria de geral: na página 46, a manchete, com direito à meia página, na cartola Educação, é “Com a palavra, Danieli”. Quem é Danieli? É uma menina que vai participar do Caldeirão do Huck. Ah, bom...Abaixo da Educação, de Danieli, do Caldeirão e do Huck, um calhau de meia página da Rádio Gaúcha. Como se vê, o dia estava terrível! Se espaço não faltava, faltava outra coisa.

A coisa que faltava também faltou na capa, onde a manchete ribomba: “40% do funcionalismo terá 13° sem empréstimo”. Considerando-se que pegar dinheiro emprestado para pagar o próprio salário é mais uma modesta porém sincera homenagem do, desculpem o termo, governo Yeda ao realismo fantástico. Considerando-se que este fato é jornalisticamente mais notável do que apenas receber o salário sem tomar antes dinheiro para emprestar a si mesmo. Considerando-se que a maioria dos funcionários terá que entrar de cabeça no auto-empréstimo. Bem, considerados os considerandos, não haveria como evitar, em qualquer jornal de qualquer birosca do planeta, que a manchete dissesse que 60% do funcionalismo só terá 13º.com empréstimo ou parcelado. Uma manchete que inverta esta obviedade não atende ao Jornalismo. Atende a outra coisa.


Voltei.


Questão social como caso de polícia serve muito bem para o Brasil dos anos 30. Esse é o grande lema que alimenta a ditadura do pensamento "politicamente correto". E aquele que fizer qualquer critica a isso vai ser taxado de nazista ou fascista pelas patrulhas da ideolgia de uma religião sem deus. Esse tipo de discurso, como nos ensinou o filme Tropa de Elite, não se justifica mais. Perguntem ao povo unido que jamais será vencido de Porto Alegre o que ele achou da marcha dos sem que trancou tudo e interrompeu o fluxo da vida. Como se esse tipo de marcha tivesse uma organização espontânea e popular. É a privatização do fluxo e do espaço público que pode sim ser coibido pelo poder de polícia que é monopólio do Estado.

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