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Foto: Obama, Cameron e Helle Thorning-Schmidt


domingo, 23 de dezembro de 2007

Sendero Luminoso


Quando estive no Peru vi algumas marcas do Sendero Luminoso e uma foto que sempre me vem a cabeça é do líder do Sendero, Abimael Guzmán enjaulado (acima). Na Folha de hoje uma entrevista com o jornalista peruano Santiango Roncagliolo que está publicando o livro La Cuarta Espada, sobre o movimento. A reportagem é de Sylvia Colombo.

Quando tinha cinco anos e vivia no México com os pais, o peruano Santiago Roncagliolo viu nos jornais uma imagem que o marcou para sempre. A foto mostrava cachorros enforcados em postes de Lima. Pendurados a eles, pequenos cartazes enigmáticos diziam: "Deng Xiaoping: filho de uma cadela".
O pequeno Roncagliolo, intrigado, perguntou aos pais o que era aquilo. E a resposta foi dura: "Este é o seu país". Era o ano de 1980, e o grupo terrorista de filiação maoísta Sendero Luminoso anunciava, assim, o início de sua luta armada contra o Estado peruano. Mais de 20 anos depois, Roncagliolo, então um jovem escritor e jornalista tentando a sorte na Espanha, propôs ao diário "El País" uma reportagem sobre o líder daquele grupo guerrilheiro, o ex-professor universitário Abimael Guzmán.
Madri ainda vivia o trauma dos ataques do 11 de Março de 2004, e havia bastante interesse dos espanhóis pelo tema do terrorismo. O jornal topou na hora, e o escritor voou de volta ao Peru. Estava determinado a entrevistar todos os lados daquela guerra que durou mais de dez anos e provocou a morte de cerca de 70 mil pessoas. Falou com senderistas, companheiros e desafetos de Guzmán, encontrou seus irmãos -que hoje evitam divulgar seus vínculos de sangue com ele-, além de oficiais do Exército que encabeçaram a reação, também violentíssima, contra a guerrilha.

O resultado acabou ficando muito maior do que uma convencional reportagem para um jornal impresso. Parte dela foi, sim, publicada no "El País", mas o projeto resultou mesmo no livro-reportagem "La Cuarta Espada" (ed. Debate). Recém-lançado na Espanha e nos países hispano-americanos, a obra deve sair no Brasil pela editora Objetiva em 2008. Leia a entrevista que Roncagliolo, 32, concedeu à Folha, de Barcelona, onde vive.

FOLHA - Por que ninguém havia feito, até hoje, um livro sobre Abimael Guzmán?
SANTIAGO RONCAGLIOLO - Isso é sintomático do trauma que ainda pesa sobre a sociedade peruana. É curioso que esse silêncio contraste com o ambiente de discussão que encontrei nas prisões, onde fui ler trechos para os senderistas encarcerados.
FOLHA - Pode falar da experiência na prisão de Castro Castro, em Lima, onde estão presos os senderistas?
RONCAGLIOLO - Sim. O interessante lá é que todos estão presos juntos. Não só senderistas, mas também terroristas de outras facções e soldados julgados pelas mortes que provocaram na luta contra o Sendero, e ainda agentes de inteligência do governo, punidos por afrontas aos direitos humanos. São todos os lados do período da guerrilha, e me falaram muito de suas experiências. Ouvi histórias incríveis, como a de um dos terroristas que hoje faz aulas de violão com o mesmo soldado que deu um tiro em sua cabeça numa perseguição.
FOLHA - Você trata a ideologia dos senderistas, à época, como uma espécie de delírio coletivo. Eles ainda pensam da mesma maneira?
RONCAGLIOLO - Os mais velhos, a cúpula do movimento, sim. Primeiro porque estão isolados e relacionam-se apenas entre eles. Não sabem o que é o mundo após a queda do Muro de Berlim, por exemplo. Têm idade e passaram vinte anos de suas vidas presos. Antes, outros vinte clandestinos. É praticamente impossível que, agora, se dêem conta de que suas vidas inteiras foram um erro.
FOLHA - Você faz uma comparação até certo ponto divertida, entre o modo como a ideologia senderista se impôs entre seus membros e a Força dos Jedi do filme "Guerra nas Estrelas". Pode explicar melhor?
RONCAGLIOLO - Pensei nisso porque o marxismo tornou-se para aquelas pessoas um guia místico, uma espécie de força maior para que tomassem decisões duras sem que parecessem que eram deles mesmos como indivíduos. As deliberações coletivas os imunizavam da responsabilidade pessoal. Daí a verem os assassinatos em massa de inocentes como uma necessidade daquela causa, e não crimes monstruosos, foi fácil. Agravava a situação o fato de que os senderistas viviam num mundo muito pequeno. Debatiam e casavam entre si. O extremismo passou a parecer algo normal, porque perderam os referenciais do mundo de fora.
FOLHA - Você aponta também a especificidade de a origem do Sendero ter se dado no ambiente universitário, e no interior do país. Como esses fatores combinaram-se?
RONCAGLIOLO - Nos anos 60 e 70, as idéias marxistas circulavam nas universidades. As mais afastadas reuniam gente de diversas zonas do país, muitos das mais pobres. As pessoas conheciam o comunismo e depois voltavam a seus povoados, onde o disseminavam. Assim o Sendero teve facilidade para recrutar voluntários.
FOLHA - E Guzmán, por ser chefe de uma universidade, em Ayacucho, tinha grande poder sobre esses professores interioranos, certo?
RONCAGLIOLO - Sim, ele controlava quem entrava na faculdade, e quem poderia graduar-se para virar professor. Influía no currículo das escolas da região serrana, onde o Estado está ausente e os educadores têm papel importante. Isso tudo produziu um contexto perfeito para fortalecer a base do Sendero.
FOLHA - Você voltou do México na adolescência e passou alguns anos em Lima. Como era a cidade na época?
RONCAGLIOLO - Era assustadora, havia bombas, colocávamos fitas adesivas nas janelas para que não se quebrassem. E havia os apagões. Nada se parecia com o que haviam me contado sobre o que era a "revolução". Meus pais eram de esquerda e não entendiam. Aquilo não tinha nada a ver com a ética comunista que defendiam. Mas, até então, eu ainda via a violência só de um lado. A única força que me parecia perigosa era a do Sendero.
FOLHA - Isso mudou quando começou a escrever o livro?
RONCAGLIOLO - Sim, a investigação me mostrou que a resposta do Estado foi desproporcional, desordenada, e só fez aumentar a violência. Foi revoltante perceber que as duras ações militares foram desatadas em meu nome e dos de minha geração. Percebi que todos foram vilões na história recente do meu país, o Exército, o governo e o Sendero. E o resultado dessa guerra só foi ruim de verdade para os pobres, os camponeses, que, em conseqüência, morreram inocentes, e aos montes. Para a sociedade, hoje, é mais fácil pensar que Guzmán foi um psicopata isolado e não que todo o Peru contribuiu para uma tragédia dessa proporção.
FOLHA - O que mais o impressionou nas conversas com senderistas?
RONCAGLIOLO - Elas não foram nada fáceis, porque seu lado emocional foi reprimido por conta da disciplina a que se impuseram. Não concebem sua vida pessoal fora do partido. É duro fazer com que contem coisas mais pessoais. Por exemplo, quando perguntei à Elena Iparraguirre, namorada de Guzmán, se havia sido difícil deixar seus filhos quando foi para a clandestinidade. Ela disse que sim, mas que sua vontade não importava, pois outras forças haviam decidido por ela.
FOLHA - Você acabou não conseguindo falar com o próprio Guzmán. Qual seria sua principal pergunta se isso tivesse sido possível?
RONCAGLIOLO - Gostaria que ele falasse sobre maior mistério de sua vida, que é o que aconteceu com sua primeira mulher, Augusta La Torre. Ela morreu com 40 e poucos anos. Os senderistas dizem que foi um ataque cardíaco. Já a polícia diz que foi Guzmán quem a matou.Quando perguntei à Iparraguirre, ela reforçou que Augusta tinha morrido do coração. Eu contestei, dizendo que achava estranho uma mulher jovem ter uma morte súbita assim. A resposta dela foi assustadora. Disse que essa versão era aquilo "que o partido tinha decidido".Assim como outros membros da cúpula, criticaram meu livro. Não pelo conteúdo, mas pelo princípio. Afinal, é a história de um homem, o que para eles não conta. O enfoque que os interessa é o da causa na qual ainda crêem e dentro da qual eles mesmos pouco significam.

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