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Foto: Obama, Cameron e Helle Thorning-Schmidt


quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

Bem-Vindo à Nova Moderação - David Leonhardt


Para quem quiser entender o que efetivamente está acontecendo com os EUA e o risco de recessão, tendo em vista a crise hipotecária e de ações (o valor dos imóveis e das ações nos EUA estão muito acima do real), sugiro a leitura do artigo abaixo de David Leonhardt do New York Times, publicado na Folha de hoje.


* A imagem acima é a capa do excelente disco do Supertramp de 1975, "Crisis, what crisis?". Tudo a ver.

Bem-vindo à nova moderação

ENTÃO, ATÉ que ponto isso pode chegar? Até alguns meses atrás, era senso comum que a economia americana funcionava de modo muito mais suave do que no passado. As expansões econômicas duravam mais e as recessões eram mais curtas e mais brandas. A inflação tinha sido domada. A disseminação do risco financeiro, pelas instituições e pelo mundo, tinha reduzido as probabilidades de uma fusão. Em 2004, Ben Bernanke, então um dos governadores do Federal Reserve (Banco Central americano), emprestou uma frase de um trabalho acadêmico para dar um nome a esses desenvolvimentos: "a grande moderação". Hoje, porém, a grande moderação não está parecendo tão grande -ou tão moderada. O recente turbilhão financeiro tem muitas causas, mas elas estão ligadas ao temor básico de que alguns dos sucessos econômicos da última geração ainda possam se revelar uma miragem. Isso ajuda a explicar por que os problemas do mercado de hipotecas "subprime" podem ter-se espalhado pelo sistema financeiro e agora pelo mundo todo. Na terça-feira, Bernanke, hoje presidente do Fed, conduziu o maior corte de taxas de juros em um dia na história do Banco Central. Agora parece que a grande moderação dependeu -em parte- de uma enorme bolha especulativa, primeiro em ações e depois em imóveis, que escondeu as arestas da economia. Todo mundo, de compradores de primeiras casas a executivos de Wall Street, fez apostas que não compreendia totalmente e gastou dinheiro como se essas apostas não pudessem dar errado. Nos últimos 16 anos os consumidores americanos aumentaram seus gastos gerais a cada trimestre. Agora alguns temem a revanche. Martin Feldstein, a eminência parda dos economistas republicanos, diz estar preocupado que a economia "possa escorregar para a recessão e que a recessão possa ser longa, profunda e severa". No debate presidencial democrata de segunda-feira, Barack Obama fez a mesma afirmação: "Podemos estar escorregando para uma recessão extraordinária". No fôlego seguinte, é claro, Obama sugeriu que as políticas certas ainda poderão evitar uma recessão, e Feldstein disse que o declínio ainda não é garantido. E boa parte da grande moderação ainda é real. Os computadores permitem que os administradores dirijam seus negócios com maior eficácia e evitem alguns dos estouros e explosões do passado. O Fed e os bancos centrais aprenderam com seus erros. Mas uma recessão hoje é algo mais provável. Ela pode até já ter começado. O Fed da Filadélfia relatou na terça-feira que a economia encolheu em 23 Estados no mês passado, incluindo Ohio, Missouri e Arizona, e está estagnada em sete. Califórnia e Flórida, com os valores das casas despencando, poderão entrar na lista em breve. A maior pergunta é quão severa a recessão será se realmente acontecer. As duas últimas, em 1990/91 e 2001, foram bastante brandas, o que é uma parte crucial da mística da grande moderação. Mas há três motivos para pensar que talvez a próxima não seja branda. Primeiro, Wall Street ainda não abriu o jogo. Mesmo depois da semana passada, quando o J.P. Morgan e a Wells Fargo anunciaram prejuízos de bilhões de dólares em seus negócios de crédito ao consumidor, firmas de serviços financeiros provavelmente anunciaram menos que a metade de suas perdas relacionadas a hipotecas, segundo a Economy.com da Moody's. Elas não estão sendo desonestas; apenas ainda não destrincharam todos os seus complexos investimentos. "Parte da grande incerteza é onde os corpos estão enterrados", disse Raghuram Rajan, ex-economista-chefe do Fundo Monetário Internacional. Desta vez as firmas enfrentam prejuízos reais, que quase certamente vão reduzir os empréstimos, e o crescimento econômico, este ano. O segundo problema é que os imóveis e as ações continuam razoavelmente caros. Isso mostra como as bolhas eram grandes: apesar de declínios recentes, os preços das ações e dos imóveis residenciais ainda não voltaram às normas históricas. David Rosenberg, um economista da Merrill Lynch, diz que o mercado de ações está supervalorizado em 10% em relação aos lucros corporativos e às taxas de juros. As ações geralmente caem mais do que deveriam durante um mercado baixista, assim como sobem mais do que deveriam em um altista. A situação dos preços das casas parece pior. Até 2000, a relação entre preços de casas e aluguéis era bastante estável. O mesmo se podia dizer sobre os preços das casas em relação à renda das famílias e às taxas de hipotecas. Mas o boom desta década mudou isso totalmente. Para que os preços voltem à antiga norma, ainda precisariam cair 30% na maior parte da Flórida, da Califórnia e do sudoeste dos EUA, e cerca de 20% no nordeste. Isso pode acontecer rapidamente, ou os preços poderão ficar estagnados durante anos, enquanto as rendas se equiparam. Ações e casas mais baratas beneficiarão muita gente -sobretudo quem ainda não tem uma casa. Mas as quedas de preços também levarão ao terceiro grande problema. Os gastos do consumidor continuaram aumentando, sobretudo porque as famílias usaram sua riqueza recente, muitas vezes tomando empréstimos para suplementar a renda. Esse aumento da dívida -como coloca secamente um estudo recente co-escrito pelo vice-presidente do Fed- "provavelmente não se repetirá". Por isso, assim como o aumento dos valores dos ativos abafou as últimas duas crises, em 1990/91 e 2001, a queda dos valores poderá agravar a próxima. "O que as pessoas fizeram foi uma suposição de que os preços poderiam continuar no ritmo em que estavam", disse Ed McKelvey, economista do Goldman Sachs. Certamente há algumas forças que empurram na outra direção. Fora de Wall Street, os balanços das empresas parecem notavelmente fortes, e a recente queda do dólar ajudará as companhias americanas a vender mais no exterior. Mas é difícil não acreditar que a economia pagará um preço pelo surto especulativo das últimas duas décadas, seja passando por uma dura recessão ou um período prolongado de crescimento decepcionante. Como está acontecendo, os bancos terão menos disposição a emprestar, as famílias terão menos disposição a gastar e os investidores terão maior sensibilidade aos riscos. Bem-vindos à nova moderação.
Tradução de LUIZ ROBERTO MENDES GONÇALVES

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