Diversidade, Liberdade e Inclusão Social

Foto: Obama, Cameron e Helle Thorning-Schmidt


quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

As Confissões do Estrella


Não assisti, ainda, o filme "Meu nome não é Johnny sobre a vida de João Estrella que escreveu hoje um artigo na Folha.

Confissões
OI! POSSO me sentar? Desculpem-me, mas não pude deixar de ouvir a conversa... É que esse assunto muito me interessa. Como vocês sabem, negociei cocaína no Brasil e no exterior por seis anos, entre 1989 e 1995. Nesse período, consumi quantidades industriais de drogas -LSD, haxixe, cocaína, ecstasy, álcool, cigarros, cogumelos, maconha etc. Hoje, posso dizer com tranqüilidade que estou fora de tudo isso. Mas não foi fácil. Fui preso em 1995. Fiquei quatro meses na Polícia Federal da praça Mauá, no Rio de Janeiro, até sair o resultado do meu julgamento. Na sentença, a juíza me condenou a dois anos de internação em um manicômio judiciário no complexo Frei Caneca, também no Rio. As pessoas que lá nunca estiveram dizem que foi mole, que a sentença foi baixa etc. Mas não é assim. Basta olhar o nosso sistema prisional -há exemplos trágicos muito recentes- para entender que, no Brasil, nem mesmo um único dia na prisão é "mole". Aquela é uma realidade sobre a qual ninguém pode falar de fora. Fui condenado a quatro anos de prisão. Se fosse cumprir essa sentença, poderia sair em um ano e meio com bom comportamento. A juíza substituiu a pena para dois anos no manicômio. Lá, você tem que se recuperar, porque, se não tiver uma série de pareceres positivos, a sua pena é renovada tantas vezes quantas o juiz achar conveniente. São duas situações diferentes, na PF e no manicômio. Naquela, a vida com pessoas em constante crise de abstinência e com problemas de espaço e convivência. Neste, o convívio com pessoas que tinham graves problemas psicológicos e eram, em alguns casos, bastante violentas. Na primeira situação, em que não entravam drogas, as pancadarias eram constantes entre os presos e era quase impossível não se envolver. No manicômio, por sua vez, tive o "privilégio" de conviver na mesma cela com pessoas que haviam matado seus pais, assassinado o próprio filho com pauladas e até com psicopatas famosos, como um que matava crianças -foram 14- e comia seus órgãos depois que elas estavam mortas. Além da violência, algo que me impressionou foi que, pelo menos na época, o segredo de Justiça para quem fizesse denúncias -tipo delação premiada- não passava de promessa vazia. Na PF, fui colocado na cela de uma facção por (ainda bem!) não ter denunciado ninguém. Uma pessoa que tinha feito denúncias acabou sendo espancada -o depoimento do cara foi entregue na íntegra a mim e às pessoas que estavam na cela comigo. É, meu amigo, só quem não sabe nada da prisão é que pode dizer que minha sentença foi "mole". E só quem não sabe nada de criminalidade pode achar que apontar a classe média consumidora de drogas como responsável pela violência nos centros urbanos vai ajudar em alguma coisa. Sei que "Tropa de Elite" ajudou a levantar essa questão; mas, segundo consta, foi de forma não intencional. Será que alguém tem alguma dúvida de que os jovens não estão nem aí para essa culpa? Alguém tem a ilusão de que o consumidor de drogas possa estar preocupado se está ou não alimentando a violência? Eu negociei com muita gente de elite. É pura festa, meu amigo. Pura festa. Sabe, é fácil encontrar culpados, mas nós precisamos é de soluções. Se é para falar de culpa, bem, a sociedade como um todo tem responsabilidade por quem elege para administrar o dinheiro dos nossos impostos. Mas não é só neguinho da elite que não tá nem aí. O jovem pobre e criminoso também não está preocupado com isso -e tem lá os seus motivos. Ele faz parte de uma parcela da população que, além de ser massacrada pela miséria, ainda é esculachada pela polícia, enganada por políticos e jogada na marginalidade mesmo quando não é bandida, pois marginal é aquele que não participa da comunidade, aquele que é excluído. Esses cidadãos, que são os mais combatidos e que não têm direito a cela especial, são mais vítimas do que culpados. Sinceramente? A cocaína e o ecstasy são problemas, sim, mas não são os mais graves que temos neste país. Aliás, por falar em drogas, quer tomar um "drink"? Então... Temos o álcool, que, se não me engano, aparece em primeiro lugar na lista de destruição: homicídios, acidentes automobilísticos fatais, demolição familiar, violência doméstica... A cocaína aparece em quinto ou sexto lugar na lista de ocorrências com morte. Temos ainda a fome, a falta d'água, a falta de terra, a falta de vergonha na cara dessa corja que depena o país. A bem da verdade, quem dera nossos maiores problemas fossem os ecstasys que a rapaziada toma nas festas e que estão na mídia o tempo todo.
JOÃO GUILHERME ESTRELLA, 46, é cantor, compositor e produtor. Em sua história real foram baseados o livro e o filme "Meu Nome Não É Johnny".

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