Diversidade, Liberdade e Inclusão Social

Foto: Obama, Cameron e Helle Thorning-Schmidt


segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

Um Negro na Casa Branca? MIchael Kepp


Um negro na Casa Branca?

Alguns amigos brasileiros me perguntaram recentemente de que maneira Barack Obama poderia ter chances grandes de se tornar o próximo presidente dos Estados Unidos, uma sociedade racista na qual os negros são uma minoria da população (13%). A questão me fez perceber que a complexa sociedade norte-americana não é fácil de compreender, para os estrangeiros. Se, como diz Jobim, "o Brasil não é para principiantes", tampouco o são os EUA. Ao contrário do Brasil, respondi a esses amigos, os negros e brancos norte-americanos tendem a manter a distância, socialmente. Eles não interagem muito, seja nos ônibus ou nos bares, raramente formam amizades inter-raciais e há poucos casamentos mistos. Por quê? Uma história de segregação racial e mútuo preconceito os mantém separados. Mas, ao mesmo tempo, os ambientes de trabalho norte-americanos estão se tornando mais e mais integrados. Desde o movimento dos direitos civis, nos anos 60, os negros dos EUA melhoraram sua situação econômica e formaram uma robusta classe média. Isso permitiu que atingissem posições de poder -como governadores de Estados ou presidentes de empresas- anteriormente reservadas aos brancos. À medida que os brancos transferiam poder à classe média negra, ao longo dos últimos 40 anos, eles começaram a se sentir mais confortáveis com essa transferência -sobretudo quando os negros que recebem o poder se sentem confortáveis consigo mesmos. Obama é um desses negros. O movimento dos direitos civis também o beneficiou, embora ele não provenha de suas fileiras. E porque ele não emprega a retórica veemente desse movimento, não parece ameaçador aos brancos. Essas razões explicam por que ele tem o apoio não só de muitos eleitores brancos como de líderes de seu partido no Senado, onde ele está há apenas dois anos. Uma das razões para que Obama tenha vencido a primária de seu partido em Iowa, Estado com população 98% branca, e para que ele tenha quase derrotado Hillary Clinton nas primárias de Nevada e New Hampshire, onde a composição demográfica é semelhante, é o fato de ele próprio não dar destaque ao fator raça. Só na Carolina do Sul, onde os negros são 50% do eleitorado de seu partido, a raça influenciou sua esmagadora vitória. Porque Obama passou parte de sua infância na Indonésia, ele não é cego à maneira pela qual outros povos enxergam os EUA. É por isso que se opôs à guerra no Iraque bem antes que ela se iniciasse. É por isso que ele deseja suavizar as divisões dentro do país e aquelas entre os EUA e o resto do mundo, pondo fim à guerra. Sua visão multicultural faz dele o perfeito arauto dessa mensagem inspiradora. De certa maneira, Obama é o Sidney Poitier da política norte-americana. Poitier foi o primeiro ator negro a estrelar em papéis criados deliberadamente para desafiar os estereótipos raciais. Em "Adivinhe Quem Vem para Jantar", filme de 1963, ele interpreta um médico que supera as objeções dos pais da mulher com quem pretende se casar. Como? O fato de que ele tenha estudado em Harvard e planeje trabalhar com os pobres ajuda (foi isso, aliás, que Obama fez ao se formar em Harvard). Mas o principal motivo para que os conquiste é a maneira pela qual se define. Como ele diz ao seu pai, um homem de classe operária: "Você se define como homem de cor, e eu me defino como homem". Obama é um dos muitos negros apreciado pelos brancos (e por pessoas de outras raças) porque desafia os estereótipos raciais. Outro exemplo é Chris Rock, humorista que nos permite rir sobre a cultura negra enquanto, ao mesmo tempo, conta piadas que permitem aos negros rirem sobre a cultura branca. Outro caso é o de Morgan Freeman, que sempre encarna personagens dignos, e interpretou Deus em "O Todo-Poderoso", filme de 2003. Para perceber até que ponto isso representa uma quebra de precedentes, imagine se no filme "Deus é Brasileiro", também de 2003, o papel do Criador fosse interpretado não por Antônio Fagundes mas por um ator negro. Caetano Veloso disse certa vez que Nova York não é os EUA, mas que uma cidade tão multirracial e multicultural só poderia existir nos EUA. O mesmo poderia ser dito sobre Obama. Ele não é sinônimo dos EUA, mas apenas nos EUA, país em que os brancos predominam, o racismo tem raízes profundas e os ambientes de trabalho se tornaram mais integrados racialmente, um negro poderia ser presidente.


Artigo de MICHAEL KEPP , jornalista norte-americano radicado há 25 anos no Brasil, é autor do livro de crônicas "Sonhando com Sotaque - Confissões e Desabafos de um Gringo Brasileiro" (ed. Record) - publicado na Folha de hoje.
Tradução de PAULO MIGLIACCI

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