Soldados Chineses na Festa de Abertura das Olimpíadas de Pequim 2008.
Essa crise de marolas e tsunamis pode deixar um legado complicado: o capitalismo de Estado.
China socialista salvará o mundo capitalista?
CHARLES TANG
CHARLES TANG
A atual crise, causada por gastos excessivos, endividamento gigantesco e especulação financeira sem regulamentação por parte dos EUA fez com que países emergentes fossem convidados para a festa dos ricos para pagar a conta. Foi para isso que se convocou a reunião do G20, na qual a China e a Arábia Saudita foram o centro das atenções pelos bolsos cheios que possuem.Como única economia com crescimento expressivo e com mais de US$ 2 trilhões de reservas em divisas, a China teve seu papel bem definido: salvar o mundo capitalista, mais uma vez. Em 1997 já coubera à China assegurar a estabilidade da Ásia para que a crise asiática não contaminasse o resto do mundo. Na época, a China fortaleceu sua economia com um aumento das exportações e dos investimentos.Ante a crise atual, mais séria e mais profunda, a China não poderá mais contar com o crescimento de suas exportações. O pacote chinês de 4 trilhões de yuans (US$ 590 bilhões) combina investimentos, empréstimos e redução da carga fiscal para fortalecer sua economia. Mas o objetivo principal dessas medidas é alterar o hábito de poupança do povo chinês e incentivá-lo a gastar, a fim de estimular o mercado interno. A criação de um sistema previdenciário efetivo e de um sistema de saúde realmente acessível pretende levar o povo a poupar menos e gastar mais.As práticas econômicas e financeiras chinesas, duramente criticadas até a eclosão da crise, são as mesmas que o mundo capitalista agora espera da China. Revertendo políticas recém-adotadas para frear o crescimento, a China volta a reduzir sua taxa de juros, faz cair a taxa de redesconto bancário para criar liquidez, libera verbas para obras públicas e reverte o corte feito recentemente na devolução fiscal às exportações dos setores mais afetados. A moeda chinesa terá sua valorização retardada -dessa vez com o aplauso dos críticos da véspera.A necessidade americana de financiar os pacotes de ajuda a seus bancos, estimular e reparar sua economia deve se aproximar da sua atual dívida externa de US$ 4 trilhões. Certamente, países emergentes com grandes reservas serão mais reticentes em absorver promissórias americanas dessa grandeza. Até que ponto o povo chinês estará disposto a trabalhar e poupar a fim de financiar o padrão de vida superior dos norte-americanos?Cada cidadão dos EUA já carrega uma dívida quase US$ 30 mil.Como a China não é uma ilha de prosperidade no mundo globalizado, ela também é atingida pelos efeitos da recessão global. Pequenas e médias empresas de vários setores foram duramente atingidas: brinquedos, calçados, porcelana, revestimento, têxteis e até aço. O fechamento em massa dessas indústrias acarreta um nível de desemprego da mesma proporção.Em recente entrevista, o vice-governador do Banco Central da China, Yi Gang, deixou claro que o governo chinês participará ativamente das operações de salvamento da crise financeira. Todavia, a China e demais emergentes reclamam mudanças no sistema econômico mundial estabelecido após a 2ª Guerra Mundial, na conferência de Bretton Woods e com a criação do FMI, a fim de melhor refletir a ordem econômica atual.As nações ricas que fixaram o acordo de Bretton Woods estão endividadas, enquanto algumas nações então pobres são hoje grandes credoras.Uma nova moeda de reservas deve ser discutida para desacoplar o enfraquecido dólar como base das reservas mundiais e como padrão global de comércio e operações financeiras.A política de desvalorizar o dólar para promover suas exportações poderá custar aos EUA a facilidade de gerar grandes dívidas. Sem créditos automáticos e ilimitados, atualmente possíveis como senhor da moeda padrão, os EUA terão que viver conforme suas receitas. Até suas aventuras globais poderão ser reduzidas, respeitando mais o consenso mundial de seus financiadores.Esta crise significa não só o fim do capitalismo da forma recém-praticada mas também sinaliza o encaminhamento ao fim da era de domínio da ordem econômica e financeira pelos países do G7 e do mundo unipolar.Embora com invejável reserva em divisas, a economia chinesa não pode, por ora, substituir a gigantesca economia americana. Em números absolutos, ela representa só uns 6% da economia mundial. Mesmo considerando a paridade de poder aquisitivo, que multiplica seu PIB por quatro, a China dificilmente poderá, sozinha, salvar o mundo capitalista e, ao mesmo tempo, enfrentar problemas internos. O que a China pode fazer é acolchoar a queda da economia mundial, sobretudo dos países que lhe fornecem os produtos estratégicos de que necessita para seu crescimento sustentado e para alimentar seu povo.
CHARLES A. TANG é presidente da Câmara de Comércio & Indústria Brasil-China, membro do Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial e fundador do Instituto de Pesquisa e Estudo de Desenvolvimento Econômico.
Artigo publicado na Folha de hoje.
2 comentários:
Legal o artigo. Mas tem uma coisa que me tira do sério é quando gringos reclamam do aspecto "europeu" do RS. Parece algo tipo "eu quero ver excentricidades do terceiro mundo".
Imagina se ele conhecer Manaus, uma cidade com 1.000.000 de habitantes no meio da floresta. Decepcionante, né?
ops, comentário no post errado, considere feito no anterior
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