Diversidade, Liberdade e Inclusão Social

Foto: Obama, Cameron e Helle Thorning-Schmidt


terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Insistindo na Cegueira




 A diplomacia e a dissonância cognitiva
 
Chicago, 1954. A dona de casa Marion Keech pressentiu que o mundo acabaria em 21 de dezembro. Os membros de seu grupo de estudos sobre objetos não identificados acreditaram na sua visão de que seriam salvos por objeto intergalático e começaram os preparativos para o apocalipse. Desfizeram-se de tudo o que tivesse ligação terrena.



O professor de psicologia Leon Festinger leu o anúncio no jornal e infiltrou-se no grupo. Trabalhava com a hipótese de que, quanto maior e mais custosa uma decisão, mais firme a adesão das pessoas às suas escolhas. Mesmo que equivocadas.


O mundo não acabou nem a nave aterrissou na Terra. Restou a Keech dizer ao grupo que, devido ao fato de eles terem irradiado tanta energia positiva, o nosso planeta fora poupado do dilúvio.


A partir desse evento, Festinger desenvolveu uma série de estudos que resultaram na elaboração da sua teoria da dissonância cognitiva, que seria um conflito resultante da contradição entre as crenças de um indivíduo e suas ações. Por exemplo, opor-se à morte de animais, mas não deixar de comer churrasco.


Como esse conflito gera desconforto, as pessoas tenderiam a não enxergar aquilo que fosse desagradável para elas. Seria um modo de evitar que novas informações sirvam para questionar suas incoerências.



 Os responsáveis pela diplomacia brasileira parecem sofrer do problema da dissonância cognitiva. Para justificar a aproximação do Brasil com o Irã, alegam que a política externa deve ser pragmática, em vez de normativa. Contudo, ao se posicionarem em relação ao governo de Honduras, usam argumentos principistas. Alegam que Manuel Zelaya foi vítima de um golpe militar e que isso não pode ser tolerado.



Isso embora um dos artífices da volta de Zelaya a Honduras tenha sido o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, que por duas vezes tentou derrubar o governo constitucional de seu país. Afora a ausência de eleições multipartidárias em Cuba por mais de cinco décadas. E sem se esquecer da existência de ministro de Estado do governo Lula e de importantes aliados políticos que apoiaram o recente regime militar brasileiro.


O presidente Lula nega-se a reconhecer o resultado da última eleição presidencial, chamada antes do início desse imbróglio, por ter sido convocada por um presidente "golpista".


Ora, as eleições de Tancredo Neves e de Adolfo Suárez foram realizadas, respectivamente, pelo Colégio Eleitoral concebido pelo regime militar e pelas cortes franquistas. O vice-presidente eleito indiretamente e atual presidente do Congresso Nacional foi ativo defensor do regime militar no Legislativo. Trocou de lado ao pressentir os novos ventos. Tanto é que o general Figueiredo recusou-se a passar-lhe a faixa presidencial e saiu do Palácio do Alvorada para visitar no hospital o enfermo Tancredo Neves.


A diplomacia brasileira começou derrapando ao apenas condenar a retirada de Zelaya à ponta de baionetas do país, violando a Constituição local.


Esqueceu de também condenar a atitude de Zelaya de afrontar a Procuradoria, o advogado-geral, a Justiça e o Congresso de Honduras. Depois permitiu que Zelaya e seus correligionários usassem a sede da embaixada para fazer comício político contra o governo hondurenho.


Em nome do novo protagonismo nas relações internacionais, a diplomacia brasileira superestimou suas possibilidades. Em vez de sair dessa crise fortalecido, o Brasil vai perdendo terreno a cada dia.


Houve eleições e o partido pró-Zelaya foi derrotado. O Congresso, por sua vez, por 111 a 4, votou contra a volta de Zelaya ao poder. Ante tantas evidências de que seria preciso rever sua posição, o governo brasileiro afunda-se em suas incoerências.


Outra delas é necessitar do voto dos Estados Unidos para conseguir um assento no Conselho de Segurança da ONU, mas se indispor com o governo norte-americano em vários temas internacionais.


É clara a incompatibilidade entre essas duas cognições.

A|rtigo de Jorge Zaverucha na Folha de hoje - Zaverucha , 54, doutor em ciência política pela Universidade de Chicago (EUA), é coordenador do Núcleo de Estudos de Instituições Coercitivas e da Criminalidade da Universidade Federal de Pernambuco. É autor de "FHC, Forças Armadas e Polícia: Entre o Autoritarismo e a Democracia", entre outras obras.

4 comentários:

guimas disse...

OK, vamos lá: não houve golpe: o presidente Zelaya foi afastado de seu cargo por conta de seus desmandos.

Restam as seguintes dúvidas:

- Por que não houve um processo judicial, como manda a constituição hondurenha, contra Zelaya? Ele simplesmente foi retirado do país sob a mira de armas, e o fato deu-se por liquidado.

- Por que ainda se exige que Zelaya renuncie ao cargo de presidente? Esta foi uma das condições impostas pelo regime de facto para permitir a saída dele da embaixada brasileira e sua ida para o México.

- Por que há tanta necessidade de se alinhar politica e diplomaticamente aos Estados Unidos? Por que há essa necessidade de subserviência, esse complexo de vira-latas? Mesmo quando os EUA tem uma postura pouco transparente, como no caso de Honduras?

E, por fim: por que há tanta necessidade de colocar Chavez como um vilão sem limites? Chavez foi eleito sei lá quantas vezes pelo povo da Venezuela, mas parece que, nesse caso, as eleições não são significativas.

Há duas posturas completamente dissonantes (para usar o termo do artigo):

Honduras teve eleições, deixe, eles em paz!
A Venezuela é uma ditadura, ignorem suas eleições!

Não tenho nada a favor de Zelaya, acho que o Brasil talvez tenha errado no caso, mas essa coisa de usar qualquer pretexto para criticar o governo brasileiro cansou. O Brasil está se tornando um "global player". Deal with it.

Pablo Vilarnovo disse...

guimas:

a) Quem te disse que não houve processo judicial? Cara, é por essas e outras que fico decepcionado. O processo judicial contra Zelaya está liberado até na internet para consulta pública no site da justiça hondurenha.

Por aqui você pode ler tudo sobre o processo:

http://www.conjur.com.br/2009-set-22/apoio-zelaya-despreza-processo-constitucional-hondurenho-deposicao

b) Negativo. A afirmação foi que ele precisa sair de lá com o status de ASILADO. Todos, principalmente Zelaya, sabem o que isso significa. Por isso ele não quis.

c)Pelo menos no meu caso não há alinhamento algum com os EUA. Até porque sempre fui contra a tese de Golpe propagada inclusive por Hilary Clinton. A atuação dos EUA só mudou com o relatório da Bibliotaca do Congresso que dizia que não foi golpe.

d) Porque Chávez é sim um vilão. Com o dinheiro que rouba do povo venezuelando exporta sua "revolução bolivariana" para todos os lugares que pode. Comprou Zelaya com essse dinheiro, banca partidos políticos em "movimentos sociais" em diversos países inclusive no Brasil.

Chavez foi eleito sim, assim como Zelaya e Lula.

Mas você tem que aprender que ser eleito não quer dizer ter carta branca para quebrar leis e cometar crimes.

Na Venezuela hoje existem pelos menos 50 presos políticos. Pessoas que foram presas há mais de 2 anos sem acusação. Uma juíza foi presa por ter cumprido a lei e soltado um desses presos. Não há divisão entre poderes na Venezuela. Chávez foi à TV ORDENAR a Suprema Corte que prendesse e condenasse essa mesma juíza a 30 anos de cadeia.
Vc sabia disso? Não? Pois é.

Recentemente um homem que estava fazendo greve de fome dentro da representação da OEA em Caracas foi preso e contra sua vontade levado a um hospital militar. Está detido lá, incomunicável, contra sua vontade.

Para você tudo bem?

Brasil global player???? hahahaha

Essa é a piada do ano.

Lula não passa do palhacinho da turma. Aquele que diverte todo mundo. Não passa do Jeca Tatú dos presidentes internacionais. Não passa de ser "o cara"...

Mas na hora do vamos ver é de uma irrelevância total como ficou comprovado na COP-15. Irrelevância total.

Carlos Eduardo da Maia disse...

Guimas, desde FHC o Brasil está se tornando um global player. Ele também tinha muita voz ativa nas cimeiras daquela época. E assim tem de ser o Brasil daqui para a frente. E Lula, apesar das minhas críticas, faz bem esse papel. Isso deve ser reconhecido. Temos de olhar para a frente e fazer esse país resolver de ver o que efetivamente importa: acabar com a exclusão social que gera violência, miséria, péssima qualidade de vida e poluição. Existe alguém que é contra essa agenda?

Carlos Eduardo da Maia disse...

Também acho que Chávez é o grande mal que cerca a América Latina. Prefiro mil vezes ver o Brasil alinhado com os EUA de Obama do que com a Venezuela chavista.