Suprema Incoerência
Pelo menos três ministros do STF estão a dever esclarecimentos detalhados de seu posicionamento no recente julgamento que manteve a censura ao jornal "O Estado de S. Paulo". São eles Cezar Peluso, Eros Grau e Ricardo Lewandowski.
Em abril deste ano, posicionaram-se com a maioria no julgamento que revogou integralmente a Lei de Imprensa. E agora votaram pela manutenção da censura ao jornal, que continua proibido de publicar informações sobre uma operação da Polícia Federal que tem como alvo principal Fernando Sarney, filho do presidente do Senado, José Sarney.
O problema é que as duas coisas são incompatíveis. A decisão de revogar a Lei de Imprensa revela uma posição liberal clássica dos magistrados: não haveria por que limitar a liberdade de informar por legislação específica. Já a decisão de manter a censura a "O Estado de S. Paulo" mostra um intervencionismo jurisdicional direto para limitar essa mesma liberdade.
Sem uma lei específica, a liberdade de informar passou a ser regida pela legislação constitucional, civil e penal existente. Só que, no caso da censura ao jornal, isso significou que a liberdade de informar foi subordinada ao direito à privacidade.
Se esse caso se tornar paradigmático, a liberdade de informar poderá vir a ser subordinada a qualquer outro direito constitucional fundamental. E o STF legará à posteridade a infame construção dogmática da "censura preventiva".
As liberdades de expressão são liberdades peculiares. Porque, como todo direito, deveriam em princípio ter seu exercício limitado por parâmetros legais prévios. O problema é que limitá-las previamente significa, na prática, negá-las.
Não é nada tranquilizador saber que a reputação de qualquer pessoa pode ser injustamente atingida pelo exercício da liberdade de informar. Mas até hoje não se encontrou outra maneira democrática de preservar esse direito que não a do controle judicial posterior ao fato, da indenização de quem tiver sido injustamente prejudicado, da reparação de danos causados.
Exigir coerência dos magistrados da corte constitucional em um caso grave como esse é o mínimo. O que não significa que tenham feito bem os restantes três juízes que votaram a favor da censura -Gilmar Mendes, Ellen Gracie e José Antonio Dias Toffoli (que ainda não era ministro quando da revogação da Lei de Imprensa). Significa apenas que foram coerentes em seus posicionamentos. Mas, quando o que está em causa são as liberdades de expressão, exigir coerência é ainda muito pouco.
Artigo de Marcos Nobre na Folha de hoje.
3 comentários:
O Estadão não está sob censura. A Justiça impediu o Estadão de publicar dados sigilosos de uma investigação, nada mais do que isso.
Liberdade de imprensa não é liberdade de publicar o que se quer, quando se quer. Sem respeitar as leis e as instituições, fica difícil argumentar.
E, de mais a mais, esse mesmo Estadão sugeriu que "não se justifica a divulgação de acusações sem que os acusados tenham tido acesso prévio às informações que as embasam" em um artigo recente. Quer dizer, "quando quero, divulgamos. Quando não quero, suprimimos."
Suprema incoerência do jornalista. Esse uso da lógica me causa vergonha alheia.
Não estaríamos entrando numa era de "ditadura da imprensa"?
Os limites da imprensa
Comentaristas reclamam que o STF utilizou minúcia processual para derrubar o recurso do Estadão. Pois bem-vindos ao mundo real, colegas: aqui fora, nos corredores do Judiciário putrefeito, o cidadão comum amarga prejuízos incalculáveis por causa de filigranas técnicas, mesmo quando seus direitos são violentados.
Ninguém parece interessado em lembrar que a tal proibição se refere a divulgar interceptações telefônicas e informações protegidas pelo segredo de Justiça. A esperta insistência em qualificar o caso como “censura” tenta transformar o jornal em vítima de um arbítrio e sua causa num assunto de interesse coletivo. Não é bem assim.
Desde quando a imprensa está imune ao controle das instituições republicanas? Que Superpoder é esse que opera segundo as próprias regras? Soa absurdamente cômodo querer que as eventuais reparações judiciais sejam estabelecidas depois que o dano estiver materializado, talvez de maneira irremediável. Como indenizar uma reputação destruída? Uma eleição manipulada?
Fica fácil também cair no joguinho do antipeemedebismo de conveniência (como se o Estadão tivesse apenas bons propósitos). As “prerrogativas constitucionais” das famílias políticas paulistanas são preservadas com muito menos sacrifício.
Concordo com o que o Guimas e o Guilerme falaram. Liberdade de imprensa tem seus limites na responsabilidade civil. Extrapolou, divulgou matéria além da conta? Tem de indenizar....
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