O tempo passou e meses atrás fui convidado por esse mesmo grupo, que ainda existe, e que queria me fazer uma homenagem no Rio de Janeiro, lançando um prêmio literário com meu nome. Fui lá. Na sede, na Zona Sul, fui recebido por uma bela moça, usando um vestido ousadamente decotado, e sapatos de salto alto. Perguntei pela pessoa que iria coordenar o evento. Para minha surpresa era ela própria. Aliás, não só coordenava o evento, coordenava o grupo. Não pude me conter: mas com aquelas roupas? Ela riu: os tempos mudam, meu caro.
Diversidade, Liberdade e Inclusão Social
Foto: Obama, Cameron e Helle Thorning-Schmidt
terça-feira, 30 de setembro de 2008
A Esquerda e a Beleza
O tempo passou e meses atrás fui convidado por esse mesmo grupo, que ainda existe, e que queria me fazer uma homenagem no Rio de Janeiro, lançando um prêmio literário com meu nome. Fui lá. Na sede, na Zona Sul, fui recebido por uma bela moça, usando um vestido ousadamente decotado, e sapatos de salto alto. Perguntei pela pessoa que iria coordenar o evento. Para minha surpresa era ela própria. Aliás, não só coordenava o evento, coordenava o grupo. Não pude me conter: mas com aquelas roupas? Ela riu: os tempos mudam, meu caro.
Reservas elevadas reduzirão impacto
Ideologia do Livre Mercado Pode Levar à Depressão
Jeremy Conroy, 13 anos, vende maças em frente à bolsa de Nova York. A ação de Conroy é uma referência aos meninos que vendiam a fruta durante a Grande Depressão de 1929.
LUIZ GONZAGA BELLUZZO , 65, é professor titular de Economia da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). Foi chefe da Secretaria Especial de Assuntos Econômicos do Ministério da Fazenda (governo Sarney) e secretário de Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo (governo Quércia).
segunda-feira, 29 de setembro de 2008
Dia Bombástico
Em entrevista a Terra Magazine, Lessa critica a "tranqüilidade" do governo brasileiro e qualifica como "um escândalo" recente comunicado da Sadia. A empresa perdeu R$ 760 milhões em aposta equivocada sobre o dólar e demitiu seu diretor-financeiro. As perdas foram atribuídas à "severidade da crise internacional e da alta volatilidade da cotação da moeda norte-americana".
- A minha surpresa, da semana passada para hoje, foi o fato de a Sadia ter especulado com derivativos e ter perdido R$ 700 milhões. E a Aracruz perdeu provavelmente mais, porque não anunciou ainda. O que eu acho espantoso é o seguinte: na verdade, os acionistas não têm defesa nenhuma. Empresas sólidas viraram jogadoras no mercado de derivativos. Isso é uma vergonha. Isso é um escândalo - assevera Carlos Lessa.
Para o economista, "a crise está colocando a nu comportamentos feios."
Leia a entrevista:
Terra Magazine - Como o senhor analisa a rejeição do pacote econômico do governo americano no Congreso?
Como fica a situação dos bancos?O que estou sabendo é que os bancos pequenos brasileiros estão tendo muita dificuldade de se financiar. A verdade é que os bancos pequenos acabaram se convertendo, vamos dizer assim, no varejo de empréstimos. E os bancos grandes ficaram na retaguarda. Só que, aparentemente, os bancos estão tendo dificuldade de renovar as suas próprias linhas de crédito internacionais. E estão cortando em cima dos bancos pequenos. Se for verdade isso, a crise está entrando no sistema bancário brasileiro.
Mas o que representa isso, politicamente, nos EUA? Os dois candidatos à presidência apoiaram também o plano. Qual a gravidade?Muito forte. Pelo que eu consegui perceber, há uma divergência dentro do Congresso porque eles acham que se passar esses poderes pro Paulson (secretário do Tesouro americano), ele passa a ter um poder de comando sobre a economia muito maior que o próprio Congresso. Eles querem estabelecer algum mecanismo de controle. Deve ter sido em cima do mecanismo de controle que deve ter dado a confusão. Por outro lado, existem duas alternativas: escorar os bancos; outra: escorar os americanos que estão endividados. Deve ter lá um movimento pra escorar os americanos que estão endividados. Acho que isso deve ser o que está refletindo politicamente no Congresso americano.
E a crise...A crise está colocando a nu comportamentos feios. Como o comportamento da Sadia e da Aracruz. A essa altura, eu fico olhando as outras companhias, pode ser que muitas delas estejam metidas nessa brincadeira. Isso é perigosíssimo. Não sei como a Comissão de Valores Imobiliários (CVM) permite que essa coisa aconteça. É bem verdade que a CVM não examina o que a empresa faz, examina balanços. Como é que uma empresa exportadora especula no mercado de derivativos? É uma vergonha.
Satanizando Gilmar Mendes
O presidente do STF, Gilmar Mendes, está obcecado com o papel a que se auto-destinou na história do Brasil. Trata-se de um sebastianista convicto. Uma espécie de Antonio Conselheiro togado. Quer restituir ao País o passado oligarca que se perde na fumaça do tempo, mas que ainda acusa presença residual nos criminosos do colarinho branco, objeto de tanto zelo do tucano Mendes.
Admira que ele encontre eco à sua cruzada passadista no jornal Folha de S. Paulo, o único órgão da mídia brasuca que acredita piamente que Gilmar Mendes sofreu de fato um grampo telefônico ao conversar com o senador goiano com cara de porquinho da Índia.
Coisas da vida.
Discordo mais uma vez do DG. A entrevista de Gilmar Mendes é muito boa e não acho que ele esteja defendendo interesses conservadores. Muito pelo contrário, as propostas de Mendes são inovadoras. O Brasil precisa urgentemente de uma reforma política. Mendes é um dos grandes constitucionalistas brasileiros, doutor pela Universidade de Münster, Alemanha. Para quem não sabe, o nosso sistema constitucional é baseado no sistema alemão. Discordo de certas decisões de Gilmar Mendes, como a concessão do segundo habeas corpus a Daniel Dantas, mas é senso comum nos Tribunais superiores e inferiores brasileiros de que "está tudo gravado". O mundo da modernidade tem sim dessas coisas. O monitoramento de informações é fato. É utilizado a torto que é direito, sobretudo sem ordem judicial, e é fundamental que a sociedade esteja em constante alerta. Mas muito pior do que isso é a corrupção generalizada que tem que ser combatida. É paradoxal: de um lado a queixa dos magistrados e de outro o combate a corrupção que existe, inclusive, no Poder Judiciário. Mas tudo tem que ter seus limites e nessa onda, eu acho que Gilmar Mendes tem razão. Abaixo entrevista de Gilmar Mendes para a Folha de hoje.
FOLHA - Depois de 20 anos, o que está ultrapassado na Constituição?
GILMAR MENDES - Temos de situar esse texto na história. Saíamos de um processo ditatorial, de insegurança total.Imaginava-se que o porto seguro era a Constituição constitucional, o que levou a um texto mais analítico. Tínhamos um quadro inflacionário muito evidente no governo [José] Sarney, que ao final chegou aos 84,32% ao mês.Não por acaso a Constituição incorpora direito à revisão de vencimentos, à correção no âmbito da Previdência. Mas a grande vitória do Brasil no campo político foi conseguir maioria constitucional para fazer as reformas, independentemente da alternância de poder.Não sou favorável a uma miniconstituinte. O texto constitucional não comporta esse tipo de aventura.
FOLHA - O que precisa mudar?
MENDES - É urgente uma reforma política. Os senhores [da imprensa] têm registrado a absorção de funções do Legislativo pelo excesso de medidas provisórias, a presença excessiva de suplentes no Senado. Isso passa pela revisão do modelo eleitoral.
FOLHA - Recentemente houve críticas de que o STF, com seus poderes, estaria legislando.
MENDES - É uma crítica inevitável. Não se trata de uma opção do STF em face da moda. Decorre do texto constitucional.Há um problema de funcionalidade decorrente do próprio mecanismo do sistema eleitoral, que adotamos desde 1932, o modelo proporcional, que dificulta a formação de maioria para um modelo decisório e está produzindo distorções.De um lado, a intervenção excessiva do Executivo, distorções na realidade orçamentária, que acredito ser um ponto sério de reforma, para ter um Orçamento digno deste nome, real, efetivo, minimamente impositivo. Você pode ter necessidade de adaptação, mas hoje temos grandes problemas, inclusive da manipulação do sistema político, pelas tais emendas parlamentares.A feitura do Orçamento à medida que a fila anda, com a abertura de créditos extraordinários a cada momento para situações que são corriqueiras. É preciso rediscutir.
FOLHA - Isso vai e volta.
MENDES - É como se fosse reformar um avião em pleno vôo com seus próprios passageiros.Essas pessoas se perguntam: "O que vai acontecer comigo?".Dizem: "Mas esse modelo é bom porque ele propiciou a minha eleição". Por isso que é difícil, mas o país reclama. Não temos no Supremo Tribunal Federal qualquer pretensão de substituição do Legislativo.Mas, muitas vezes, temos atividades complementares.
FOLHA - Por que a súmula do nepotismo não foi cumprida?
MENDES - Trata-se de um fenômeno que é jurídico, constitucional, mas que é político e cultural. Isso existe no Brasil desde sempre. Está sendo cumprida. É uma questão de tempo.
FOLHA - O sr. tem uma formação técnica, mas também ocupou cargos por indicação política. Como o sr. vê essa relação?
MENDES - Acho importante, porque me dá visão mais complexa das coisas. Primo por coerência. As posições que sustentei, por exemplo, no governo Fernando Henrique, eu as sustento hoje com a mesma transparência. E em temas absolutamente antipáticos, que defendo por convicção, como prerrogativa de foro e todos os temas ligados ao Estado de Direito.
FOLHA - Daí as críticas de ter concedido tão rapidamente um habeas corpus a Daniel Dantas?MENDES - Concedi nesse caso, como em todos os que chegam ao tribunal relacionados a inúmeros anônimos.
FOLHA - No caso da Operação Satiagraha, o senhor declarou recentemente que não era legal a atuação da Abin como polícia judiciária.
MENDES - Disse o seguinte: inicialmente, essa participação foi negada. Depois se disse que houve uma cooperação tópica para assuntos estratégicos. A terceira versão foi a de que participaram dois ou três servidores previamente designados.Em outro momento se descobrem que eram 52 agentes da Abin, e depois 56 agentes, e não sei se paramos por aí.Revela-se também uma quantidade enorme de dinheiro despejado nisso. A Abin não foi subsidiária. Pergunto: pode haver uma cooperação nesse nível? Quem autoriza?
FOLHA - Sua opinião.
MENDES - Entendo que não. Isso é indevido e não estou a discutir provas, estou a dizer: que projeto político se escondia atrás disso? Era criar o quê?Uma super Abin e PF, uma fusão delas duas? Será que foi disso que nos livramos a partir da revelação desses fatos? Que projeto se escondia atrás disso?Que a Constituição não contempla eu não tenho a menor dúvida. Polícia judiciária é atividade da Polícia Federal.Que possa haver alguma cooperação, pode haver. Pode-se considerar como cooperação quando a presença do órgão de cooperação é maior do que a do órgão que recebe o apoio?
FOLHA - Qual o reflexo disso sobre a legalidade da operação?
MENDES - Sobre isso nem falo. A questão concreta não tem relevância alguma, a não ser no momento em que ela ilumina o projeto institucional que estava por trás disso. E acho que era extremamente perigoso para a democracia. Uma mente perversa pensou isso.
FOLHA - Qual é o impacto institucional do grampo telefônico do qual o sr. foi alvo?
MENDES - No plano institucional, tenho a impressão de que há algum tempo o Brasil denuncia o descontrole dessas áreas e de alguma forma nós até toleramos e legitimamos esse processo, como o vazamento sistemático, a não-punição dessas pessoas.Isto nos demandava uma reação. Mas quando a questão se alçou a esse plano de ouvir senadores, ministros do Supremo, e quando isso se comprovou, então isso chamou a atenção da sociedade e atingiu aquele limite no qual é preciso dizer basta. É preciso que haja uma reação porque nós estamos na verdade no plano do excesso das anomalias.Tenho impressão que foi nesse sentido. O presidente se sentiu atingido, os presidentes das Casas se sentiram atingidos, todos se sentiram de alguma forma afetados por isso. Nós todos no Judiciário de alguma forma éramos afetados por isso e também co-responsáveis, porque deixamos isso crescer sem limites.
FOLHA - Mas quem está fora de controle?
MENDES - Acho que o aparato policial. Claro que há outros problemas, mas obviamente que se tolerou esse tipo de coisa e o aparato policial, com suas negociações com a mídia, se autonomizou diante do próprio Judiciário. A Operação Têmis [Deusa da mitologia grega que era convocada em julgamentos de magistrados], por exemplo. Se deu esse nome por quê? Sendo uma investigação que começou no âmbito do próprio Poder Judiciário, mas quando ela vai para a polícia ela ganha esse nome. Pensado para denegrir a imagem do Poder Judiciário.O relator [ministro do STJ Felix Fisher] decide não prender os eventuais envolvidos e é desqualificado por delegados da Polícia Federal. As representações que ele fez para o Ministério Público resultaram arquivadas. Ontem, eu li os episódios envolvendo o ministro Fisher e me senti um pouco envergonhado de não ter reagido.
FOLHA - Mas ficar preso ao debate não tira o foco das investigações?
MENDES - Isso não tem nada a ver com o combate à impunidade. Estou falando como quem trabalhou na lei de interceptações telefônicas, na lei dos crimes organizados, na lei de lavagem de dinheiro, eu estava no Ministério da Justiça nesse período. Não se trata de nenhuma transação. Agora, combate ao crime organizado dentro dos ditames do Estado de Direito. É possível combater o crime organizado dentro das regras do Estado de Direito? É e é isso que se quer.
FOLHA - E o projeto de lei para punir o vazador que aborda também a punição de jornalista. Isso fere um preceito fundamental?
MENDES - Não conheço o projeto do governo, mas tenho a impressão de que nós temos hoje um tal descritério e um tal descontrole no vazamento que temos que fazer uma séria atuação nesta área. Que se abra inquérito imediatamente ao vazamento. Hoje temos um problema muito sério e isso é um problema do governo.
O Estado como Solução
Dinheiro Queimado - Robert Kurz
Crise: Modo de Usar - Slavoj Zizek
Quando o herói de "Eles Vivem", de John Carpenter, uma das obras-primas esquecidas da esquerda de Hollywood, colocou um par de óculos de sol estranho que encontrou numa igreja abandonada, descobriu que um outdoor colorido que convidava as pessoas a passar férias numa praia do Havaí passava a ostentar apenas palavras cinzentas sobre um pano de fundo branco -"casem e se reproduzam"-, enquanto um anúncio de uma nova TV em cores passava a dizer simplesmente "não pense, consuma!".Em outras palavras, os óculos funcionavam como aparelho de crítica da ideologia, possibilitando ao protagonista enxergar a mensagem real oculta sob a superfície colorida. O que veríamos, então, se observássemos a campanha presidencial republicana com a ajuda de óculos como esses?A primeira coisa que chamaria nossa atenção seria uma longa série de contradições e incoerências já observadas por muitos comentaristas.O chamado para passar por cima das divisões partidárias -acompanhado pela brutal guerra cultural de "nós" contra "eles". O aviso de que a imprensa deveria se abster de comentar a vida familiar dos candidatos -enquanto a família é exibida sobre o palco.A promessa de mudanças, acompanhada pelo mesmo velho programa de sempre (isto é, menos impostos e menos Estado, reforço das Forças Armadas, política externa mais intransigente).A promessa de reduzir os gastos do Estado, acompanhada de elogios ao governo Reagan. Acusar o partido adversário de privilegiar o estilo em detrimento da substância -em eventos de mídia perfeitamente encenados.O próximo passo é perceber que essas e outras incoerências não são um ponto fraco, mas uma arma-chave da força da mensagem republicana.A estratégia republicana explora com maestria as falhas da política liberal-democrata: sua preocupação paternalista com os pobres, associada a uma indiferença mal disfarçada pelos trabalhadores de colarinho azul; seu feminismo politicamente correto, que anda de mãos dadas com uma mal disfarçada desconfiança das mulheres no poder.Sarah Palin [candidata à Vice-Presidência na chapa republicana de John McCain] foi um sucesso nesses dois quesitos, desfilando sua feminilidade com seu marido de classe trabalhadora.As gerações anteriores de políticas (Golda Meir, Indira Gandhi, Margaret Thatcher -mesmo Hillary Clinton, até certo ponto) eram mulheres do tipo mais comumente descrito como "fálicas": elas agiam como "damas de ferro" que imitavam a autoridade masculina ou a exageravam, procurando ser "mais homens que os homens".Ao contrário, exibe sua condição feminina e materna com orgulho. Exerce um efeito "castrador" sobre seus adversários homens, não por ser mais viril que eles, mas por empregar a arma feminina máxima, ironizando sarcasticamente a autoridade masculina empolada.Ela sabe que a autoridade masculina "fálica" é uma pose, uma ilusão a ser explorada e ironizada.Vale recordar como ela zombou de Obama como "organizador comunitário", explorando o fato de que existe algo de estéril em sua aparência física, com sua pele negra diluída, seus traços magros e orelhas grandes...Bênção eleitoralCom Palin, vimos uma feminilidade "pós-feminista", sem complexos, unindo as características de mãe, professora correta e pudica (óculos, coque), pessoa pública e, implicitamente, objeto sexual.A mensagem é que não falta nada a Palin -e, para torná-la ainda mais irritante, foi uma mulher republicana quem realizou esse sonho da esquerda liberal. É como se Sarah Palin simplesmente fosse aquilo que as feministas liberais de esquerda querem ser.Não surpreende que o efeito Palin seja um efeito de falsa libertação: "Drill, baby, drill!" ("perfurar, baby, perfurar!" -alusão à perfuração de poços petrolíferos). Podemos reunir o impossível, feminismo e valores familiares, grandes empresas e trabalhadores braçais!Assim, retornando a "Eles Vivem", para captar a mensagem republicana verdadeira é preciso levar em conta aquilo que é dito e o que não é dito, mas que fica implícito.Onde a mensagem que vemos é a promessa de mudanças, os óculos revelariam algo como "não se preocupem, não haverá mudanças reais. Só queremos mudar algumas coisinhas para ter a certeza de que nada vai mudar de fato."O discurso da mudança, de mexer nas águas paradas de Washington, é uma constante republicana.Assim, aqui não há lugar para ingenuidade: os eleitores republicanos sabem muito bem que não haverá mudanças reais. Sabem que a substância será a mesma, com apenas algumas mudanças de estilo. Isso faz parte do acordo.Mas e se a mensagem republicana das entrelinhas ("não tenham medo, não haverá mudanças reais...") for a verdadeira ilusão, e não a verdade secreta? E se realmente houver uma mudança?Felizmente, aconteceu o fato necessário -uma verdadeira bênção eleitoral disfarçada- para nos fazer lembrar do mundo em que vivemos: a realidade do capitalismo global.O Estado adotou medidas emergenciais e prevê gastar US$ 700 bilhões com um plano de resgate financeiro, de modo a consertar as conseqüências da crise provocada pelas especulações do livre mercado. A mensagem é inequívoca: mercado e Estado não se opõem; intervenções fortes do Estado são necessárias para manter a viabilidade do mercado.Diante da avassaladora crise financeira, a reação republicana predominante foi a de desesperadamente tentar reduzir a crise a um infortúnio de gravidade restrita, que poderia facilmente ser sanado com uma dose correta do velho remédio republicano (respeito aos mecanismos de mercado etc.).Mas toda a encenação política de gastos menores do Estado se tornou irrelevante após essa injeção de realidade repentina: mesmo os partidários mais ferrenhos da redução do papel excessivo de Washington agora reconhecem a necessidade de uma intervenção do Estado que, em seu valor quase inimaginável, chega a ser sublime.Diante dessa grandeza sublime, todas as bravatas foram reduzidas a um resmungar confuso. Onde foram parar a determinação de McCain e o sarcasmo de Palin?Competição ideológicaMas terá a crise financeira total sido um momento que realmente provocou reflexão sóbria, o despertar de um sonho? Tudo depende de como ela será simbolizada, de qual interpretação ideológica ou de qual versão irá se impor e ditar a percepção geral da crise.Quando o curso normal dos fatos é interrompido de maneira traumática, o campo fica aberto à competição ideológica "discursiva".Por exemplo, na Alemanha, no final dos anos 1920, Hitler ganhou a competição pelo discurso que iria explicar aos alemães as razões da crise da República de Weimar e a saída proposta para ela (a conspiração, para ele, era a conspiração judaica); na França, em 1940, foi a narrativa do marechal Pétain que venceu a disputa por explicar as razões da derrota francesa.Conseqüentemente, para formular a coisa em termos marxistas antiquados, a tarefa principal da ideologia dominante na crise atual é impor uma narrativa que não atribua a culpa pela crise atual ao sistema capitalista em si, mas a seus desvios secundários acidentais (regulamentação fiscal demasiado leniente, a corrupção de grandes instituições financeiras etc.).Contra essa tendência, devemos insistir na pergunta chave: qual "falha" do sistema enquanto tal abriu a possibilidade de tais crises e colapsos?A primeira coisa a ter em mente aqui é que a origem da crise é "benévola": depois da explosão da bolha digital, nos primeiros anos do novo milênio, a decisão feita por ambos os partidos foi facilitar os investimentos imobiliários, para manter a economia andando e impedir a repressão.Logo, a crise atual é o preço que está sendo pago pelo fato de os EUA terem evitado uma recessão cinco anos atrás.Assim, o perigo é que a narrativa predominante da atual crise seja aquela que, em lugar de nos fazer despertar de um sonho, nos possibilitará continuar a sonhar.É nesse ponto que devemos começar a nos preocupar: não apenas com as conseqüências econômicas da crise, mas com a tentação evidente de injetar ânimo novo na "guerra ao terror" e no intervencionismo dos EUA, para manter a economia funcionando a contento.
SLAVOJ ZIZEK é filósofo esloveno e autor de "Um Mapa da Ideologia" (ed. Contraponto). Ele escreve na seção "Autores", do Mais!. Tradução de Clara Allain.
Mercado Livre - Naomi Klein
NAOMI KLEIN é colunista da "The Nation" e autora de "A Doutrina do Choque - A Ascensão do Capitalismo de Desastre" (ed. Nova Fronteira). Tradução de Clara Allain.
O Debate
sexta-feira, 26 de setembro de 2008
Curiosidades
O homem mais alto do mundo, Bao Xishun, de 2,36 m de altura, se encontrou com o mais baixo, He Pingping, de 73 cm de altura.
A Globalização Pós Neoliberal
Mundo Precisa de Autoridade Monetária
.Tradução de PAULO MIGLIACCi
O Filho do Papeleiro
quinta-feira, 25 de setembro de 2008
O Tempo Que Não Existe Mais
Os recebíveis da Vila Carrapato
Porque decide vender a crédito, ele pode aumentar um pouquinho o preço da dose da branquinha (a diferença é o sobrepreço que os pinguços pagam pelo crédito).
O gerente do banco do seu Biu, um ousado administrador formado em curso de Emibiêi, decide que as cadernetas das dívidas do bar constituem, afinal, um ativo recebível, e começa a adiantar dinheiro ao estabelecimento, tendo o pindura dos pinguços como garantia.
Uns seis zécutivos de bancos, mais adiante, lastreiam os tais recebíveis do banco, e os transformam em CDB, CDO, CCD, UTI, PQP, OVNI, SOS ou qualquer outro acrônimo financeiro que ninguém sabe exatamente o que quer dizer.
Esses adicionais instrumentos financeiros, alavancam o mercado de capitais e conduzem a operações estruturadas de derivativos, na BM&F, cujo lastro inicial todo mundo desconhece (as tais cadernetas do seu Biu).
Esses derivativos estão sendo negociados como se fossem títulos sérios, com fortes garantias reais, nos mercados de 73 países.
Até que alguém descobre que os bebuns da Vila Carrapato não têm dinheiro para pagar as contas, e o bar do seu Biu vai à falência.
E toda a cadeia sifu.
Esquerda Sem Rumo
O filósofo marxista Paulo Arantes - A esquerda se preocupa muito mais com o passado do que com o futuro.
O preço do erro subiu
O Presidente Lula, como seus reputados colegas do Irã e da Argentina, aproveitou a reunião da ONU em Nova York para tirar lasca do anfitrião George W. Bush por causa do colapso do sistema financeiro americano como o conhecíamos.
Melhor seria tratarmos essa crise, que já cruzou o Atlântico Sul, com mais gravidade e nos prepararmos com eficiência para a retração global.Será o primeiro grande teste econômico de Lula, que, por méritos seus e da conjuntura internacional, navegou até aqui por correntes econômicas muito favoráveis.Mas o vento mudou. E erros terão um custo muito maior, potencializando a crise.
A roda do crédito global emperrou, mas a dívida pública aumenta junto com os gastos. E o Brasil segue dependente de capital externo para financiar sua dívida e suas exportações. O próprio governo já antevê dificuldades em manter o ritmo exportador e prevê aumento do déficit nas transações com o mundo.A economia deve crescer perto de 5% neste ano, mas já se espera menos de 4% em 2009. No Orçamento enviado ao Congresso, o governo prevê expansão de 4,5%.Mas deve vir menor, e já há economistas vendo dificuldades até para a manutenção da meta fiscal de economizar 4,3% do PIB antes do pagamento dos juros da dívida.
Enquanto isso, Lula segue elevando os gastos com o funcionalismo num ritmo muito maior que o do PIB, gastos que depois serão difíceis de cortar quando o ritmo da economia (e a arrecadação variável que sustenta gastos fixos) cair.
Com os aumentos gerais e irrestritos aos servidores públicos pré-colapso de Wall Street, os gastos com pessoal em 2009 serão os mais altos do governo Lula, perto de 5% do PIB. Um projeto de lei enviado ao Congresso no início de 2007 para limitar a expansão desse gasto em 1,5% ao ano acima da inflação empacou. A inflação deste ano deve ficar perto de 6%, mas o gasto com funcionalismo explode em mais de 10%.Diante do enxugamento dramático do crédito global, o governo bate no peito e diz que o BNDES resolve a questão. Mas deveria ser mais prudente e jogar na retranca até a dimensão da crise financeira ficar mais clara. E o melhor caminho é conter os gastos.Mas eles crescem de forma exuberante. Como disse Lula na ONU, ao atacar a condução econômica nos EUA, "a crise financeira, cujos presságios vinham se avolumando, é hoje dura realidade".2009 será um ano-chave. O governo poderá ter de decidir entre cortar investimentos ou reduzir seu frágil rigor fiscal. São duas más opções, talvez inevitáveis.
Artigo de Sérgio Malbergier, na Folha de hoje.
Comprar É um Ato Político
Diz o "Houaiss" que o capitão Charles C. Boycott (1832-1897), um rico proprietário irlandês, no outono de 1880, recusando-se a baixar o preço que cobrava pelo arrendamento de suas terras, foi vítima de represália, tendo os agricultores da época se articulado para não negociar com ele. Daí a palavra boicote.Quase 130 anos depois, o termo em inglês "boycott" ganhou uma espécie de antônimo, o "buycott". Numa livre tradução seria a compra orientada de produtos.Em visita ao Rio para participar de um seminário acadêmico, a pesquisadora Michele Micheletti, da Karlstad University, na Suécia, defendeu que o ato de consumo pode se transformar em ativismo político. Segundo ela, a falta de uma regulamentação global transferiu para os consumidores parte da responsabilidade sobre o mercado.Por meio de "boycotts" e de "buycotts", cabe aos consumidores forçar mudanças no sistema produtivo e colaborar, utilizando o seu poder de compra, para atenuar problemas como a exploração da mão-de-obra, o desrespeito ambiental e os desvios éticos e políticos de grandes empresas.O "buycott" é o consumidor politizado, informado, responsável. Micheletti cita estudos que mostram que, na Suécia, o percentual de cidadãos que se envolveram em algum tipo de "consumo politizado" nos 12 meses anteriores à pesquisa era de 50%. No Brasil, não chegava a 7%. À repórter Denise Menchen, desta Folha, a pesquisadora disse que o resultado está vinculado ao nível de informação e aos recursos disponíveis dos consumidores. "É um movimento basicamente da classe média."Na próxima vez que alguém se queixar das horas que você passou no shopping, pode responder que estava fazendo política. Atualmente é possível comprar até ideologia.