Diversidade, Liberdade e Inclusão Social

Foto: Obama, Cameron e Helle Thorning-Schmidt


terça-feira, 30 de setembro de 2008

A Esquerda e a Beleza


Simone Adolphine Weil (Paris, 3 de fevereiro de 1909Ashford, 24 de agosto de 1943) foi uma escritora, mística e filósofa francesa, tornou-se operária da Renault para escrever sobre o cotidiano dentro das fábricas, lutou na Guerra Civil Espanhola ao lado dos republicanos e morreu em greve de fome, protestando contra as condições em que eram mantidos os prisioneiros de guerra na França ocupada.
Não sou muito fã do MOACYR SCLIAR, mas achei bom este artigo publicado hoje na edição da ZH.


Na adolescência fiz parte de um grupo judaico de esquerda. Um grupo muito radical, não só nas idéias, como também no estilo de vida. Uma das regras desse grupo era o completo desprezo pela aparência física. As meninas não podiam usar roupas bonitas, nem sapatos de salto alto, nem cosméticos. Os rapazes não podiam usar terno nem gravata, esta considerada um símbolo da burguesia.


O tempo passou e meses atrás fui convidado por esse mesmo grupo, que ainda existe, e que queria me fazer uma homenagem no Rio de Janeiro, lançando um prêmio literário com meu nome. Fui lá. Na sede, na Zona Sul, fui recebido por uma bela moça, usando um vestido ousadamente decotado, e sapatos de salto alto. Perguntei pela pessoa que iria coordenar o evento. Para minha surpresa era ela própria. Aliás, não só coordenava o evento, coordenava o grupo. Não pude me conter: mas com aquelas roupas? Ela riu: os tempos mudam, meu caro.


Mudam mesmo, e se vocês querem uma prova disso olhem as fotos de três candidatas a prefeita, a Maria do Rosário, a Luciana, a Manuela. Três moças bonitas, elegantes, inteligentes. E as três de esquerda. No passado, a aparência delas teria de ser completamente diferente, sobretudo se pertencessem ao Partido Comunista. Na finada União Soviética, que era a grande referência para os comunas, beleza simplesmente não tinha importância (a bela tenista Maria Sharapova lá seria uma impossibilidade). Não havia oferta de artigos como vestidos elegantes, ou colares, ou cosméticos. A idéia era de que as mulheres tinham de se preocupar com a vitória do comunismo, com o trabalho, com a militância, não com a aparência pessoal. Claro, havia algumas moças, sobretudo atrizes de cinema, que se destacavam pela beleza, mas tinha de ser beleza natural.O mesmo poderia se dizer das militantes partidárias em todo o mundo.


Um exemplo foi Simone Weil, cujo centenário de nascimento será lembrado no ano que vem. De uma confortável família judia – o pai era médico – Simone teve uma mãe complicada, que temia germes mais que qualquer outra coisa no mundo (era a época que, em Paris, a microbiologia chegava ao auge) e educou a filha para evitar qualquer contato físico e odiar a sujeira. “Sou repugnante”, costumava dizer a pequena Simone, que era de uma inteligência brilhante, de uma cultura assombrosa, mas que não queria nada com homens: seu apelido era “Virgem vermelha”. Tornou-se operária, participou em greves e demonstrações, lutou na Guerra Civil Espanhola, mas a certa altura tornou-se mística e abandonou o comunismo. Ficou tuberculosa, mas por causa da sua patológica necessidade de autopunição não se tratava e também não comia: se os pobres não têm comida, esse era o seu raciocínio, ela também não poderia tê-la. Uma estranha forma de anorexia nervosa, portanto. Escusado dizer que Simone não dava a mínima para a aparência física. Morreu aos 34 anos.


Durante muito tempo, militantes de vários movimentos seguiram o exemplo dela. Havia quem recusasse até o banho, considerado coisa de burguês, o que provavelmente tornava irrespirável a atmosfera das reuniões. Mas tudo isso ficou para trás. É possível, sim, mudar o mundo, torná-lo mais justo, menos feroz. Mas o inimigo a combater não é o sabonete, nem o batom, nem o vestido elegante. Esta é uma descoberta do nosso tempo. Não chega a ser uma descoberta revolucionária, mas é, pelo menos, sensata.

Reservas elevadas reduzirão impacto


Inesperadamente, a Câmara norte-americana rejeitou a proposta de resgate dos bancos após líderes partidários terem concordado com um projeto que, mesmo bastante diferente do esboçado pelo secretário do Tesouro, mantinha o desenho básico de adquirir dos bancos US$ 700 bilhões de papéis lastreados em hipotecas. Não haverá, portanto, até segunda ordem, o resgate dos bancos, que terão de carregar no seus balanços esses títulos, cujo valor permanece uma incógnita.Isso representa duro golpe para o setor bancário. Se há dúvidas sobre o valor desses papéis, sem a troca deles por títulos públicos essa desconfiança apenas aumentará, levando a uma queda adicional do seu valor de mercado. O problema, porém, é que essa queda se manifestará de forma desproporcional sobre o crédito e o crescimento.Com efeito, cada dólar de redução de valor de mercado desses papéis implica um dólar a menos de capital do sistema bancário, com duas possíveis conseqüências. A menos grave, mas praticamente certa na ausência do programa de resgate, seria a redução significativa do volume de crédito. Como bancos tipicamente têm um volume de empréstimos equivalente a um múltiplo do seu capital, esse mesmo dólar de capital a menos vira um valor bem maior em termos de redução do crédito, reduzindo a demanda doméstica norte-americana.A mais grave, ainda que menos provável, seria o aprofundamento da onda de quebras de instituições financeiras. De fato, a depender do montante de perda de valor dos papéis lastreados em hipotecas, as perdas do banco podem superar o seu capital, o que configura um problema de insolvência. Dada a profunda integração entre bancos, falamos da possibilidade de uma crise de grandes proporções, com efeitos ainda mais severos e duradouros sobre o nível de atividade.De qualquer forma, portanto, vivemos a iminência de uma forte queda adicional do crescimento americano, cujas conseqüências não podem ser ignoradas. Especificamente no caso brasileiro, se é verdade que apenas pouco mais de 2% do PIB estão diretamente expostos (via exportações) à economia americana, há outros canais pelos quais o país pode sofrer impactos negativos.O primeiro viria pela queda no preço de commodities na esteira da desaceleração mundial.A elevação no preço desses bens implicou aumento no preço dos bens exportados pelo Brasil relativamente àqueles que importamos. Isso tem permitido aumentar as importações mais do que poderíamos em circunstâncias normais, e, portanto, possibilita que a demanda doméstica cresça bem à frente do PIB. Sem, porém, o auxílio das commodities, isso não poderia ser mantido, implicando significativa depreciação do real combinada com aperto monetário para trazer o crescimento da demanda doméstica a níveis inferiores aos do crescimento do PIB.Por outro lado, é difícil imaginar que uma forte redução do crescimento mundial não resulte também em redução do fluxo de capitais para as economias emergentes, Brasil entre elas, levando à depreciação adicional do câmbio e à necessidade de conter ainda mais a demanda.Isso dito, se as conseqüências da crise serão negativas, é também importante notar que o Brasil dispõe, hoje, de instrumentos que permitem, ao menos, mitigar esses efeitos. Destaco em particular o volume de reservas que, à taxa de câmbio atual, reduziria a relação dívida-PIB em 2,5%. Em outras palavras, a solvência do país, ao contrário de outros episódios, não será questionada, fator que deve impor limites aos efeitos da crise sobre o Brasil.


Artigo de ALEXANDRE SCHWARTSMAN , 45, é economista-chefe para América Latina do Banco Santander, doutor em Economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley) e ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central.

Ideologia do Livre Mercado Pode Levar à Depressão


Jeremy Conroy, 13 anos, vende maças em frente à bolsa de Nova York. A ação de Conroy é uma referência aos meninos que vendiam a fruta durante a Grande Depressão de 1929.

Excelente o artigo de Luiz Gonzaga Belluzo na Folha de hoje. A baboseira ideológica do livre mercado pode levar o mundo a uma grande depressão.




Agora, risco maior é de depressão global


O Congresso norte-americano rejeitou o pacote de estabilização dos mercados que havia sido proposto pelo Tesouro dos Estados Unidos. Essa decisão -que, espero, seja reconsiderada- atesta a supremacia do preconceito e da baboseira ideológica sobre a crítica realista e bem informada.A peculiaridade das economias contemporâneas -onde a finança direta e securitizada é predominante- é a alta sensibilidade dos preços dos ativos às flutuações da liquidez. Os mecanismos de transmissão são rápidos, variados e muito poderosos.Em primeiro lugar, a desregulamentação e a liberalização facilitaram o surgimento de bancos-sombra na formação de posições longas nos mercados de capitais, financiadas com recursos capturados nos mercados monetários. Isso permitiu os atuais níveis de alavancagem dos "dealers" e "brokers", bem como dos fundos de hedge e outros intermediários.Quando os agentes foram surpreendidos por movimentos adversos dos preços e suas perdas os obrigaram a liquidar posições para cobertura de margem, tanto o risco de mercado como o risco de liquidez se ampliaram rapidamente. A queda muito abrupta e profunda dos preços afugenta os financiadores desses ativos, inviabilizando seus mercados. Na ausência de um socorro tempestivo do emprestador de última instância, a propagação do pânico pode levar à ruptura do sistema de pagamentos e à corrida bancária. O "Financial Times" informa que o republicano Gresham Barret, da Carolina do Sul, disse: "Meu temor é o governo mudar para sempre a América do livre mercado. Votarei contra o pacote [proposto pelo Tesouro] porque acredito intensamente nos princípios do livre mercado e na liberdade".Barret não sabe, mas suas crenças ajudaram a conduzir a economia norte-americana (e seus desdobramentos globais) em direção à crise financeira que ora a aflige e ao resto do mundo. Os praticantes das formidáveis inovações destrutivas -"os gatos gordos de Wall Street"- não teriam prosperado em suas ousadias se à retaguarda não estivessem de prontidão os fanáticos do livre mercado. O fervor livre-mercadista, ademais, encontrou alento nas teorias dos sacerdotes dos mercados eficientes, os economistas acadêmicos (e outros nem tanto) incumbidos de dar respeitabilidade científica a hipóteses improváveis.Em minha modesta opinião, a aprovação do pacote de socorro -pela proposta do Tesouro, US$ 700 bilhões seriam usados para a compra de títulos de má qualidade de instituições financeiras norte-americanas-, tal como havia sido acertado no final de semana entre as lideranças dos dois principais partidos políticos, não teria força para reverter a curto prazo a quase paralisia dos mercados monetários. Os "spreads" entre as taxas cobradas no interbancário e os títulos do Tesouro alcançam níveis assustadores. Nessas condições, a aprovação do pacote de socorro tampouco seria eficaz para desobstruir imediatamente os canais do crédito, bloqueados pela desconfiança e pelo medo.Ainda assim, um mínimo de sensatez recomendaria aprovar o pacote de estabilização, com suas deficiências e limitações. Os devaneios ideológicos que negaram sua aprovação podem levar a economia global não mais à recessão, já contratada, mas à beira de uma depressão, com as funestas conseqüências para os que estão na base da pirâmide social.Então, será tarde para descobrir que não se trata de punir os culpados, mas de poupar os inocentes.



LUIZ GONZAGA BELLUZZO , 65, é professor titular de Economia da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). Foi chefe da Secretaria Especial de Assuntos Econômicos do Ministério da Fazenda (governo Sarney) e secretário de Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo (governo Quércia).

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Dia Bombástico



Juro que para mim foi uma surpresa. Quando acompanhei o pronunciamento de George W. Bush, na semana passada , tive a plena, firme e total convicção de que ele conseguiria aprovar o pacote de injeção de 700 bi para salvar a crise americana das hipotecas. Os democratas acenaram com o voto pró pacote. Este blogueiro se enganou e se enganou feio. Os conservadores são realmente neoliberais: eles votaram contra o pacote. E Bush perdeu mais uma por 228 x 205. E o Estado americano não vai mesmo colocar dinheirinho para salvar empresas falidas. É o que parece.

Crise Sistêmica?
A Crise está ai, solta pelo mundo. Os mercados estão todos em baixa. A crise é de confiabilidade. Ninguém acredita em ninguém. Empresas que estão no estopim da crise receberam boas notas. Como confiar nessas notas? A crise não é apenas americana. Ela se alastra pelo mundo como virus da gripe.

E o Brasil parece estar gripado. As ações da Sadia (que afastou seu diretor financeiro) e da Aracruz despencaram. A Bolsa de S. Paulo está 10 negativo. O dia é de cão.

No Terra Magazine de agorinha:
Carlos Lessa, ex presidente do BNDES, considera "muito grave" a rejeição ao pacote de socorro econômico do governo americano, na Câmara dos Estados Unidos. Desde a semana passada, o economista sustenta que a crise mundial afeta o Brasil.



Em entrevista a Terra Magazine, Lessa critica a "tranqüilidade" do governo brasileiro e qualifica como "um escândalo" recente comunicado da Sadia. A empresa perdeu R$ 760 milhões em aposta equivocada sobre o dólar e demitiu seu diretor-financeiro. As perdas foram atribuídas à "severidade da crise internacional e da alta volatilidade da cotação da moeda norte-americana".
- A minha surpresa, da semana passada para hoje, foi o fato de a Sadia ter especulado com derivativos e ter perdido R$ 700 milhões. E a Aracruz perdeu provavelmente mais, porque não anunciou ainda. O que eu acho espantoso é o seguinte: na verdade, os acionistas não têm defesa nenhuma. Empresas sólidas viraram jogadoras no mercado de derivativos. Isso é uma vergonha. Isso é um escândalo - assevera Carlos Lessa.
Para o economista, "a crise está colocando a nu comportamentos feios."
Leia a entrevista:
Terra Magazine - Como o senhor analisa a rejeição do pacote econômico do governo americano no Congreso?


Carlos Lessa - Certas coisas é melhor não se dizer porque é melhor perguntar pro (Henrique) Meirelles. Porque quem sempre disse que nós estávamos num horizonte de felicidade foi o dr. Meireles. E o presidente Lula sempre fez eco. Lula fez questão de dizer que está tudo muito bem, porque não queria que os empresários se desanimassem. Os empresários não são burros, os empresários se movem com dados reais. A taxa de juros subiu, o mercado internacional está um caos, nenhum empresário vai manter os projetos. Isso é o óbvio. Agora, mais isso ainda. A minha surpresa, da semana passada para hoje, foi o fato de a Sadia ter especulado com derivativos e ter perdido R$ 700 milhões. E a Aracruz perdeu provavelmente mais, porque não anunciou ainda. O que eu acho espantoso é o seguinte: na verdade, os acionistas não têm defesa nenhuma. Empresas sólidas viraram jogadoras no mercado de derivativos. Isso é uma vergonha. Isso é um escândalo. Isso já é uma coisa nacional. É realmente um escândalo. Empresas de capital aberto... E os acionistas ficaram à mercê dos jogos especulativos que eles fizeram.
Como fica a situação dos bancos?O que estou sabendo é que os bancos pequenos brasileiros estão tendo muita dificuldade de se financiar. A verdade é que os bancos pequenos acabaram se convertendo, vamos dizer assim, no varejo de empréstimos. E os bancos grandes ficaram na retaguarda. Só que, aparentemente, os bancos estão tendo dificuldade de renovar as suas próprias linhas de crédito internacionais. E estão cortando em cima dos bancos pequenos. Se for verdade isso, a crise está entrando no sistema bancário brasileiro.
Mas o que representa isso, politicamente, nos EUA? Os dois candidatos à presidência apoiaram também o plano. Qual a gravidade?Muito forte. Pelo que eu consegui perceber, há uma divergência dentro do Congresso porque eles acham que se passar esses poderes pro Paulson (secretário do Tesouro americano), ele passa a ter um poder de comando sobre a economia muito maior que o próprio Congresso. Eles querem estabelecer algum mecanismo de controle. Deve ter sido em cima do mecanismo de controle que deve ter dado a confusão. Por outro lado, existem duas alternativas: escorar os bancos; outra: escorar os americanos que estão endividados. Deve ter lá um movimento pra escorar os americanos que estão endividados. Acho que isso deve ser o que está refletindo politicamente no Congresso americano.
E a crise...A crise está colocando a nu comportamentos feios. Como o comportamento da Sadia e da Aracruz. A essa altura, eu fico olhando as outras companhias, pode ser que muitas delas estejam metidas nessa brincadeira. Isso é perigosíssimo. Não sei como a Comissão de Valores Imobiliários (CVM) permite que essa coisa aconteça. É bem verdade que a CVM não examina o que a empresa faz, examina balanços. Como é que uma empresa exportadora especula no mercado de derivativos? É uma vergonha.




Satanizando Gilmar Mendes


Estão satanizando Gilmar Mendes por ter concedido 2 habeas corpus ao banqueiro Daniel Dantas. Dizem também que aquela conversa entre Gilmar Mendes e o senador Demóstenes Torres (DEM-GO) não foi gravada pela ABIN ou PF. Dizem que é invenção de uma mídia grande chata, perversa e bobona. ´Quem diz isso é o Diário Gauche de hoje:


Maníaco monotemático
O presidente do STF, Gilmar Mendes, está obcecado com o papel a que se auto-destinou na história do Brasil. Trata-se de um sebastianista convicto. Uma espécie de Antonio Conselheiro togado. Quer restituir ao País o passado oligarca que se perde na fumaça do tempo, mas que ainda acusa presença residual nos criminosos do colarinho branco, objeto de tanto zelo do tucano Mendes.
Admira que ele encontre eco à sua cruzada passadista no jornal Folha de S. Paulo, o único órgão da mídia brasuca que acredita piamente que Gilmar Mendes sofreu de fato um grampo telefônico ao conversar com o senador goiano com cara de porquinho da Índia.
Coisas da vida.




Discordo mais uma vez do DG. A entrevista de Gilmar Mendes é muito boa e não acho que ele esteja defendendo interesses conservadores. Muito pelo contrário, as propostas de Mendes são inovadoras. O Brasil precisa urgentemente de uma reforma política. Mendes é um dos grandes constitucionalistas brasileiros, doutor pela Universidade de Münster, Alemanha. Para quem não sabe, o nosso sistema constitucional é baseado no sistema alemão. Discordo de certas decisões de Gilmar Mendes, como a concessão do segundo habeas corpus a Daniel Dantas, mas é senso comum nos Tribunais superiores e inferiores brasileiros de que "está tudo gravado". O mundo da modernidade tem sim dessas coisas. O monitoramento de informações é fato. É utilizado a torto que é direito, sobretudo sem ordem judicial, e é fundamental que a sociedade esteja em constante alerta. Mas muito pior do que isso é a corrupção generalizada que tem que ser combatida. É paradoxal: de um lado a queixa dos magistrados e de outro o combate a corrupção que existe, inclusive, no Poder Judiciário. Mas tudo tem que ter seus limites e nessa onda, eu acho que Gilmar Mendes tem razão. Abaixo entrevista de Gilmar Mendes para a Folha de hoje.



FOLHA - Depois de 20 anos, o que está ultrapassado na Constituição?
GILMAR MENDES - Temos de situar esse texto na história. Saíamos de um processo ditatorial, de insegurança total.Imaginava-se que o porto seguro era a Constituição constitucional, o que levou a um texto mais analítico. Tínhamos um quadro inflacionário muito evidente no governo [José] Sarney, que ao final chegou aos 84,32% ao mês.Não por acaso a Constituição incorpora direito à revisão de vencimentos, à correção no âmbito da Previdência. Mas a grande vitória do Brasil no campo político foi conseguir maioria constitucional para fazer as reformas, independentemente da alternância de poder.Não sou favorável a uma miniconstituinte. O texto constitucional não comporta esse tipo de aventura.

FOLHA - O que precisa mudar?
MENDES - É urgente uma reforma política. Os senhores [da imprensa] têm registrado a absorção de funções do Legislativo pelo excesso de medidas provisórias, a presença excessiva de suplentes no Senado. Isso passa pela revisão do modelo eleitoral.

FOLHA - Recentemente houve críticas de que o STF, com seus poderes, estaria legislando.
MENDES - É uma crítica inevitável. Não se trata de uma opção do STF em face da moda. Decorre do texto constitucional.Há um problema de funcionalidade decorrente do próprio mecanismo do sistema eleitoral, que adotamos desde 1932, o modelo proporcional, que dificulta a formação de maioria para um modelo decisório e está produzindo distorções.De um lado, a intervenção excessiva do Executivo, distorções na realidade orçamentária, que acredito ser um ponto sério de reforma, para ter um Orçamento digno deste nome, real, efetivo, minimamente impositivo. Você pode ter necessidade de adaptação, mas hoje temos grandes problemas, inclusive da manipulação do sistema político, pelas tais emendas parlamentares.A feitura do Orçamento à medida que a fila anda, com a abertura de créditos extraordinários a cada momento para situações que são corriqueiras. É preciso rediscutir.

FOLHA - Isso vai e volta.
MENDES - É como se fosse reformar um avião em pleno vôo com seus próprios passageiros.Essas pessoas se perguntam: "O que vai acontecer comigo?".Dizem: "Mas esse modelo é bom porque ele propiciou a minha eleição". Por isso que é difícil, mas o país reclama. Não temos no Supremo Tribunal Federal qualquer pretensão de substituição do Legislativo.Mas, muitas vezes, temos atividades complementares.
FOLHA - Por que a súmula do nepotismo não foi cumprida?
MENDES - Trata-se de um fenômeno que é jurídico, constitucional, mas que é político e cultural. Isso existe no Brasil desde sempre. Está sendo cumprida. É uma questão de tempo.

FOLHA - O sr. tem uma formação técnica, mas também ocupou cargos por indicação política. Como o sr. vê essa relação?
MENDES - Acho importante, porque me dá visão mais complexa das coisas. Primo por coerência. As posições que sustentei, por exemplo, no governo Fernando Henrique, eu as sustento hoje com a mesma transparência. E em temas absolutamente antipáticos, que defendo por convicção, como prerrogativa de foro e todos os temas ligados ao Estado de Direito.

FOLHA - Daí as críticas de ter concedido tão rapidamente um habeas corpus a Daniel Dantas?MENDES - Concedi nesse caso, como em todos os que chegam ao tribunal relacionados a inúmeros anônimos.

FOLHA - No caso da Operação Satiagraha, o senhor declarou recentemente que não era legal a atuação da Abin como polícia judiciária.
MENDES - Disse o seguinte: inicialmente, essa participação foi negada. Depois se disse que houve uma cooperação tópica para assuntos estratégicos. A terceira versão foi a de que participaram dois ou três servidores previamente designados.Em outro momento se descobrem que eram 52 agentes da Abin, e depois 56 agentes, e não sei se paramos por aí.Revela-se também uma quantidade enorme de dinheiro despejado nisso. A Abin não foi subsidiária. Pergunto: pode haver uma cooperação nesse nível? Quem autoriza?
FOLHA - Sua opinião.
MENDES - Entendo que não. Isso é indevido e não estou a discutir provas, estou a dizer: que projeto político se escondia atrás disso? Era criar o quê?Uma super Abin e PF, uma fusão delas duas? Será que foi disso que nos livramos a partir da revelação desses fatos? Que projeto se escondia atrás disso?Que a Constituição não contempla eu não tenho a menor dúvida. Polícia judiciária é atividade da Polícia Federal.Que possa haver alguma cooperação, pode haver. Pode-se considerar como cooperação quando a presença do órgão de cooperação é maior do que a do órgão que recebe o apoio?

FOLHA - Qual o reflexo disso sobre a legalidade da operação?
MENDES - Sobre isso nem falo. A questão concreta não tem relevância alguma, a não ser no momento em que ela ilumina o projeto institucional que estava por trás disso. E acho que era extremamente perigoso para a democracia. Uma mente perversa pensou isso.

FOLHA - Qual é o impacto institucional do grampo telefônico do qual o sr. foi alvo?
MENDES - No plano institucional, tenho a impressão de que há algum tempo o Brasil denuncia o descontrole dessas áreas e de alguma forma nós até toleramos e legitimamos esse processo, como o vazamento sistemático, a não-punição dessas pessoas.Isto nos demandava uma reação. Mas quando a questão se alçou a esse plano de ouvir senadores, ministros do Supremo, e quando isso se comprovou, então isso chamou a atenção da sociedade e atingiu aquele limite no qual é preciso dizer basta. É preciso que haja uma reação porque nós estamos na verdade no plano do excesso das anomalias.Tenho impressão que foi nesse sentido. O presidente se sentiu atingido, os presidentes das Casas se sentiram atingidos, todos se sentiram de alguma forma afetados por isso. Nós todos no Judiciário de alguma forma éramos afetados por isso e também co-responsáveis, porque deixamos isso crescer sem limites.

FOLHA - Mas quem está fora de controle?
MENDES - Acho que o aparato policial. Claro que há outros problemas, mas obviamente que se tolerou esse tipo de coisa e o aparato policial, com suas negociações com a mídia, se autonomizou diante do próprio Judiciário. A Operação Têmis [Deusa da mitologia grega que era convocada em julgamentos de magistrados], por exemplo. Se deu esse nome por quê? Sendo uma investigação que começou no âmbito do próprio Poder Judiciário, mas quando ela vai para a polícia ela ganha esse nome. Pensado para denegrir a imagem do Poder Judiciário.O relator [ministro do STJ Felix Fisher] decide não prender os eventuais envolvidos e é desqualificado por delegados da Polícia Federal. As representações que ele fez para o Ministério Público resultaram arquivadas. Ontem, eu li os episódios envolvendo o ministro Fisher e me senti um pouco envergonhado de não ter reagido.

FOLHA - Mas ficar preso ao debate não tira o foco das investigações?
MENDES - Isso não tem nada a ver com o combate à impunidade. Estou falando como quem trabalhou na lei de interceptações telefônicas, na lei dos crimes organizados, na lei de lavagem de dinheiro, eu estava no Ministério da Justiça nesse período. Não se trata de nenhuma transação. Agora, combate ao crime organizado dentro dos ditames do Estado de Direito. É possível combater o crime organizado dentro das regras do Estado de Direito? É e é isso que se quer.

FOLHA - E o projeto de lei para punir o vazador que aborda também a punição de jornalista. Isso fere um preceito fundamental?
MENDES - Não conheço o projeto do governo, mas tenho a impressão de que nós temos hoje um tal descritério e um tal descontrole no vazamento que temos que fazer uma séria atuação nesta área. Que se abra inquérito imediatamente ao vazamento. Hoje temos um problema muito sério e isso é um problema do governo.

O Estado como Solução


Charles de Montesquieu. Ficou famoso pela sua Teoria da Separação dos Poderes, atualmente consagrada em muitas das modernas constituições internacionais.
Este Blog publicou três artigos de pensadores de esquerda sobre a recente crise americana: Naomi Klein, Slavoj Sizek e Robert Kurz. Todos eles "comemorando" o fim do livre mercado. Este blogueiro, na verdade, nunca acreditou no livre mercado. O dono deste depósito nunca se considerou liberal e, muito menos, neoliberal. Essa crise dos mercados americanos é histórica. A crise das hipotecas de 2008 parece ser o fim da livre globalização financeira. O Estado tem sim a obrigação de fiscalizar os mercados. Como disse a Naomi Klein muita gente cresceu ouvindo a ladainha que o Estado é o problema. Na verdade, como está se vendo, o Estado é a solução. Mas esse Estado que é solução tem que ser, necessariamente, democrático e pluralista.

Dinheiro Queimado - Robert Kurz


O sociólogo marxista Robert Kurz
Crise -qual crise?


Eis o que tonitruavam até pouco tempo atrás ideólogos liberais, de direita e também de esquerda, que acreditam na vida eterna do capitalismo. Saiu cada vez mais do foco da atenção o fato de essa espécie de sociedade não apenas ter uma história, mas ser mesmo a história de uma dinâmica cega.Justamente nas duas últimas décadas, as pessoas queriam perceber apenas os "eventos" transitórios nas formas sociais a-históricas de uma ontologia capitalista. Isso vale para indivíduos comuns e para os pobres, assim como para as elites.

À semelhança do personagem Dorian Gray no romance homônimo do irlandês Oscar Wilde, parecia que no lugar do capitalismo só envelhecia a imagem do mundo social por ele criado, assumindo os traços da miséria, enquanto a lógica do dinheiro brilhava em falso frescor juvenil.

Agora, a "Segunda-Feira Negra" da maior quebra financeira da história [a do Lehman Brothers, 15/9] desvela num único golpe o verdadeiro rosto do Dorian Gray capitalista.Ocorre que ninguém quer reconhecer essa natureza do novo surto de crise. A confiança atávica no capitalismo conduz apenas à busca de culpados."Práticas nada sérias" de especuladores e uma "política econômica anglo-saxã" são responsabilizadas pelo desastre. Tal explicação míope com ecos anti-semitas já foi mobilizada recorrentemente no passado.Há mais de 20 anos uma onda de crises financeiras acompanha a globalização. Todas as medidas aparentemente bem-sucedidas para evitar uma "fusão nuclear" do sistema financeiro internacional só lograram reformular o problema, em vez de solucioná-lo.


Humanos obsoletos


Sua evolução atual implode todas as concepções até agora propostas. Não afetou apenas o setor dos créditos hipotecários nos EUA, mas provocou também uma reação em cadeia, cujo fim ainda é distante.É impossível que as causas sejam a falha individual e as deficiências morais dos atores. Elas só podem residir no núcleo do sistema, referido à economia real.O capitalismo é apenas a acumulação autotélica de dinheiro, cuja "substância" consiste no uso crescentemente ampliado da mão-de-obra humana. Ao mesmo tempo, porém, a concorrência conduz a um aumento da produtividade, que torna a mão-de-obra obsoleta, em escala também crescente.Apesar de todas as crises, tal autocontradição parecia dissolver-se sempre em uma regeneração da absorção maciça da mão-de-obra por novas indústrias. O "milagre econômico" depois de 1945 transformou em credo essa capacidade do capitalismo, mas, desde os anos 1980, a "Terceira Revolução Industrial", microeletrônica, ensejou uma nova qualidade da racionalização, que desvaloriza a mão-de-obra humana em medida antes desconhecida.Sem o surgimento de novas indústrias dotadas da potência de crescimento auto-sustentado, a "substância" real da valorização do capital se derrete.O neoliberalismo foi tão-somente a tentativa de gerir com meios repressivos a crise social daí decorrente, por um lado, e de produzir um crescimento "sem substância" do "capital fictício" mediante o inchaço irrefreado do crédito, do endividamento e das bolhas financeiras nos mercados de ações e de imóveis, por outro lado.Mas essa abertura mundial das comportas monetárias e, sobretudo, a avalanche de dólares produzida pelo Banco Central dos EUA já foram o pecado original do assim chamado monetarismo, que postulara como cerne da doutrina neoliberal a redução forçada da quantidade de dinheiro.Na verdade, o jorro de dinheiro, criado pelo Estado a partir do nada, subsidiou uma inflação de ativos patrimoniais fictícios. O paradoxal "socialismo do dinheiro sem substância" experimenta agora seu "Waterloo", como antes já ocorreu com o capitalismo de Estado do Leste Europeu e a versão keynesiana do crescimento fomentado pelo Estado no Ocidente.A estatização de fato do sistema bancário dos EUA e o plano do secretário do Tesouro dos EUA para conter a crise com recursos estatais só podem ser avaliados como atos de desespero. Da noite para o dia revelou-se o caráter de capitalismo estatal da suposta liberdade dos mercados.


Estágio final


Comentaristas irônicos já falam em "República Popular de Wall Street". Mas isso não resolve nada.De certa forma, estamos diante do último estágio do capitalismo de Estado, que na melhor das hipóteses pode postergar o colapso dos balanços com mais emissões inflacionárias de moeda.À diferença de épocas anteriores, inexiste espaço para novos programas conjunturais, que precisariam alimentar-se na mesma fonte.Com isso também chegou o fim dos EUA enquanto potência mundial. Não é mais possível financiar guerras intervencionistas com recursos próprios. O dólar se torna obsoleto enquanto moeda mundial.Ocorre que não podemos vislumbrar no horizonte nenhum substituto para os papéis da última potência mundial e do dólar. O ressentimento contra a "dominação anglo-saxã" não é uma crítica do capitalismo e não tem credibilidade, pois os fluxos unilaterais de exportações aos EUA sustentaram a conjuntura do déficit global.Na Ásia, na Europa e alhures, as capacidades industriais não viveram de ganhos e salários reais, mas, direta ou indiretamente, do endividamento externo dos EUA.


Déficit global


No fundo, a economia neoliberal das bolhas financeiras foi uma espécie de "keynesianismo mundial", que agora se extingue como a anterior variante nacional do keynesianismo.Todas as "novas potências" supostamente emergentes estão inseridas de modo economicamente dependente na circulação global do déficit.Sua dinâmica muito admirada foi uma mera aparência, sem desenvolvimento interno próprio. Por isso não haverá em nenhum lugar o retorno a um capitalismo "sério" com empregos "reais".Em vez disso, devemos esperar o efeito dominó de uma repercussão da crise financeira na conjuntura mundial, ao qual nenhuma região poderá subtrair-se.O capitalismo de Estado e o capitalismo concorrencial "livre" evidenciam ser dois lados da mesma moeda. Abala-se não um "modelo" passível de ser substituído por outro, mas o modo vigente da produção e da vida enquanto fundamento comum do mercado mundial.

ROBERT KURZ é sociólogo alemão, autor de "O Colapso da Modernização" (Paz e Terra). Tradução de Peter Naumann

Crise: Modo de Usar - Slavoj Zizek


Cartaz de They Live (Eles vivem) filme de John Carpenter.
A superideologia - Crise: modos de usar

Slav0j Zizek


Quando o herói de "Eles Vivem", de John Carpenter, uma das obras-primas esquecidas da esquerda de Hollywood, colocou um par de óculos de sol estranho que encontrou numa igreja abandonada, descobriu que um outdoor colorido que convidava as pessoas a passar férias numa praia do Havaí passava a ostentar apenas palavras cinzentas sobre um pano de fundo branco -"casem e se reproduzam"-, enquanto um anúncio de uma nova TV em cores passava a dizer simplesmente "não pense, consuma!".Em outras palavras, os óculos funcionavam como aparelho de crítica da ideologia, possibilitando ao protagonista enxergar a mensagem real oculta sob a superfície colorida. O que veríamos, então, se observássemos a campanha presidencial republicana com a ajuda de óculos como esses?A primeira coisa que chamaria nossa atenção seria uma longa série de contradições e incoerências já observadas por muitos comentaristas.O chamado para passar por cima das divisões partidárias -acompanhado pela brutal guerra cultural de "nós" contra "eles". O aviso de que a imprensa deveria se abster de comentar a vida familiar dos candidatos -enquanto a família é exibida sobre o palco.A promessa de mudanças, acompanhada pelo mesmo velho programa de sempre (isto é, menos impostos e menos Estado, reforço das Forças Armadas, política externa mais intransigente).A promessa de reduzir os gastos do Estado, acompanhada de elogios ao governo Reagan. Acusar o partido adversário de privilegiar o estilo em detrimento da substância -em eventos de mídia perfeitamente encenados.O próximo passo é perceber que essas e outras incoerências não são um ponto fraco, mas uma arma-chave da força da mensagem republicana.A estratégia republicana explora com maestria as falhas da política liberal-democrata: sua preocupação paternalista com os pobres, associada a uma indiferença mal disfarçada pelos trabalhadores de colarinho azul; seu feminismo politicamente correto, que anda de mãos dadas com uma mal disfarçada desconfiança das mulheres no poder.Sarah Palin [candidata à Vice-Presidência na chapa republicana de John McCain] foi um sucesso nesses dois quesitos, desfilando sua feminilidade com seu marido de classe trabalhadora.As gerações anteriores de políticas (Golda Meir, Indira Gandhi, Margaret Thatcher -mesmo Hillary Clinton, até certo ponto) eram mulheres do tipo mais comumente descrito como "fálicas": elas agiam como "damas de ferro" que imitavam a autoridade masculina ou a exageravam, procurando ser "mais homens que os homens".Ao contrário, exibe sua condição feminina e materna com orgulho. Exerce um efeito "castrador" sobre seus adversários homens, não por ser mais viril que eles, mas por empregar a arma feminina máxima, ironizando sarcasticamente a autoridade masculina empolada.Ela sabe que a autoridade masculina "fálica" é uma pose, uma ilusão a ser explorada e ironizada.Vale recordar como ela zombou de Obama como "organizador comunitário", explorando o fato de que existe algo de estéril em sua aparência física, com sua pele negra diluída, seus traços magros e orelhas grandes...Bênção eleitoralCom Palin, vimos uma feminilidade "pós-feminista", sem complexos, unindo as características de mãe, professora correta e pudica (óculos, coque), pessoa pública e, implicitamente, objeto sexual.A mensagem é que não falta nada a Palin -e, para torná-la ainda mais irritante, foi uma mulher republicana quem realizou esse sonho da esquerda liberal. É como se Sarah Palin simplesmente fosse aquilo que as feministas liberais de esquerda querem ser.Não surpreende que o efeito Palin seja um efeito de falsa libertação: "Drill, baby, drill!" ("perfurar, baby, perfurar!" -alusão à perfuração de poços petrolíferos). Podemos reunir o impossível, feminismo e valores familiares, grandes empresas e trabalhadores braçais!Assim, retornando a "Eles Vivem", para captar a mensagem republicana verdadeira é preciso levar em conta aquilo que é dito e o que não é dito, mas que fica implícito.Onde a mensagem que vemos é a promessa de mudanças, os óculos revelariam algo como "não se preocupem, não haverá mudanças reais. Só queremos mudar algumas coisinhas para ter a certeza de que nada vai mudar de fato."O discurso da mudança, de mexer nas águas paradas de Washington, é uma constante republicana.Assim, aqui não há lugar para ingenuidade: os eleitores republicanos sabem muito bem que não haverá mudanças reais. Sabem que a substância será a mesma, com apenas algumas mudanças de estilo. Isso faz parte do acordo.Mas e se a mensagem republicana das entrelinhas ("não tenham medo, não haverá mudanças reais...") for a verdadeira ilusão, e não a verdade secreta? E se realmente houver uma mudança?Felizmente, aconteceu o fato necessário -uma verdadeira bênção eleitoral disfarçada- para nos fazer lembrar do mundo em que vivemos: a realidade do capitalismo global.O Estado adotou medidas emergenciais e prevê gastar US$ 700 bilhões com um plano de resgate financeiro, de modo a consertar as conseqüências da crise provocada pelas especulações do livre mercado. A mensagem é inequívoca: mercado e Estado não se opõem; intervenções fortes do Estado são necessárias para manter a viabilidade do mercado.Diante da avassaladora crise financeira, a reação republicana predominante foi a de desesperadamente tentar reduzir a crise a um infortúnio de gravidade restrita, que poderia facilmente ser sanado com uma dose correta do velho remédio republicano (respeito aos mecanismos de mercado etc.).Mas toda a encenação política de gastos menores do Estado se tornou irrelevante após essa injeção de realidade repentina: mesmo os partidários mais ferrenhos da redução do papel excessivo de Washington agora reconhecem a necessidade de uma intervenção do Estado que, em seu valor quase inimaginável, chega a ser sublime.Diante dessa grandeza sublime, todas as bravatas foram reduzidas a um resmungar confuso. Onde foram parar a determinação de McCain e o sarcasmo de Palin?Competição ideológicaMas terá a crise financeira total sido um momento que realmente provocou reflexão sóbria, o despertar de um sonho? Tudo depende de como ela será simbolizada, de qual interpretação ideológica ou de qual versão irá se impor e ditar a percepção geral da crise.Quando o curso normal dos fatos é interrompido de maneira traumática, o campo fica aberto à competição ideológica "discursiva".Por exemplo, na Alemanha, no final dos anos 1920, Hitler ganhou a competição pelo discurso que iria explicar aos alemães as razões da crise da República de Weimar e a saída proposta para ela (a conspiração, para ele, era a conspiração judaica); na França, em 1940, foi a narrativa do marechal Pétain que venceu a disputa por explicar as razões da derrota francesa.Conseqüentemente, para formular a coisa em termos marxistas antiquados, a tarefa principal da ideologia dominante na crise atual é impor uma narrativa que não atribua a culpa pela crise atual ao sistema capitalista em si, mas a seus desvios secundários acidentais (regulamentação fiscal demasiado leniente, a corrupção de grandes instituições financeiras etc.).Contra essa tendência, devemos insistir na pergunta chave: qual "falha" do sistema enquanto tal abriu a possibilidade de tais crises e colapsos?A primeira coisa a ter em mente aqui é que a origem da crise é "benévola": depois da explosão da bolha digital, nos primeiros anos do novo milênio, a decisão feita por ambos os partidos foi facilitar os investimentos imobiliários, para manter a economia andando e impedir a repressão.Logo, a crise atual é o preço que está sendo pago pelo fato de os EUA terem evitado uma recessão cinco anos atrás.Assim, o perigo é que a narrativa predominante da atual crise seja aquela que, em lugar de nos fazer despertar de um sonho, nos possibilitará continuar a sonhar.É nesse ponto que devemos começar a nos preocupar: não apenas com as conseqüências econômicas da crise, mas com a tentação evidente de injetar ânimo novo na "guerra ao terror" e no intervencionismo dos EUA, para manter a economia funcionando a contento.
SLAVOJ ZIZEK é filósofo esloveno e autor de "Um Mapa da Ideologia" (ed. Contraponto). Ele escreve na seção "Autores", do Mais!. Tradução de Clara Allain.

Mercado Livre - Naomi Klein


Naomi Klein
Seja qual for o significado dos acontecimentos das últimas semanas, ninguém deve acreditar nas declarações exageradas de que a crise do mercado assinala a morte da ideologia do "livre mercado".A ideologia do livre mercado sempre esteve a serviço dos interesses do capital, e sua presença avança e recua, dependendo da utilidade que tem para esses interesses.Em épocas de crescimento, pregar o "laissez-faire" é rentável, porque um governo ausente permite o crescimento de bolhas especulativas. Quando essas bolhas estouram, a ideologia se torna um empecilho e entra em estado dormente, enquanto o grande governo parte em missão de salvamento.Mas podemos ter a certeza de que a ideologia retornará com força total assim que os pacotes de socorro tiverem sido entregues.As dívidas maciças que o público está acumulando para socorrer os especuladores irão, então, tornar-se parte de uma crise orçamentária global que será usada para justificar cortes profundos nos programas sociais, além de uma investida renovada para privatizar o que restou do setor público.Também nos dirão que, infelizmente, nossas esperanças de um futuro verde são demasiado onerosas.Reação imprevisívelO que não sabemos é como o público vai reagir. Vale lembrar que todos os que têm menos de 40 anos nos EUA cresceram ouvindo que o governo não pode intervir para melhorar nossas vidas, que o governo é o problema, não a solução, que o "laissez-faire" é a única opção.Agora, repentinamente, nos vemos diante de um governo extremamente ativista, intensamente intervencionista, aparentemente disposto a fazer o que for preciso para salvar os investidores deles mesmos.Esse espetáculo necessariamente levanta uma pergunta: se o Estado pode intervir para salvar grandes corporações que assumiram riscos insensatos nos mercados imobiliários habitacionais, por que não pode intervir para salvar milhões de americanos do risco iminente de perderem suas casas devido à execução de suas hipotecas?Se US$ 85 bilhões podem ser disponibilizados instantaneamente para comprar a seguradora gigante AIG, por que um sistema de saúde pago por um fundo único -que protegeria os americanos das práticas predatórias das empresas de seguro-saúde- parece ser um sonho tão inalcançável?E, se cada vez mais corporações precisam do dinheiro dos contribuintes para se manterem em pé, por que os contribuintes não podem fazer exigências em troca -por exemplo, a imposição de tetos aos salários dos executivos ou a adoção de garantias contra mais perdas de empregos? Agora que está claro que os governos podem, sim, intervir em tempos de crise, ficará muito mais difícil para eles alegar impossibilidade de agir no futuro.Outra mudança potencial tem a ver com as esperanças do mercado quanto a privatizações futuras. Os bancos globais de investimentos vêm fazendo lobby com políticos há anos em favor de dois mercados novos: um que viria da privatização das pensões públicas e outro que viria de uma nova onda de privatizações totais ou parciais de rodovias, pontes e sistemas de água.DesconfiançaFicar mais difícil argumentar em favor desses dois sonhos: os americanos não estão com vontade de confiar uma parte maior de seus ativos individuais e coletivos aos apostadores insensatos de Wall Street, especialmente porque parece mais que provável que os contribuintes terão que recomprar seus próprios ativos quando a próxima bolha estourar.Com o descarrilamento das conversações na Organização Mundial do Comércio, a crise atual pode também catalisar uma abordagem radicalmente alternativa à regulamentação dos mercados e sistemas financeiros mundiais.Já está ocorrendo no mundo em desenvolvimento um movimento em favor da chamada "soberania alimentar", como alternativa a deixar que caprichos dos negociantes de commodities ditem o acesso aos alimentos em todo o mundo. É possível que tenha chegado a hora, finalmente, de idéias como a taxação das transações financeiras, que desaceleraria o investimento especulativo, além de outros controles dos capitais globais.E, agora que "nacionalização" deixou de ser palavrão, as empresas de petróleo e gás farão bem em se precaver: alguém precisa pagar pela mudança para um futuro mais verde, e faz muito sentido que a parte maior dos recursos venha do setor altamente rentável que é o maior responsável por nossa crise climática.Isso com certeza faz mais sentido do que criar outra bolha perigosa no comércio de carbono.Mas a crise à qual estamos assistindo pede mudanças ainda mais profundas. A razão pela qual se permitiu que proliferasse o crédito de risco não foi apenas que os reguladores não compreenderam o risco. É porque temos um sistema econômico que mede nossa saúde coletiva exclusivamente com base no crescimento do PIB.Enquanto os créditos de risco estavam alimentando o crescimento econômico, nossos governos os apoiaram ativamente. Assim, o que está realmente sendo posto em xeque pela crise é o compromisso sem questionamentos com o crescimento a qualquer custo.Pressões públicasEsta crise deve nos conduzir a uma maneira radicalmente diferente de nossas sociedades medirem a saúde e o progresso.Mas nada disso vai acontecer sem a imposição de pressões públicas muito fortes sobre os políticos neste período-chave.Não estamos falando em fazer lobby de modo educado, mas na volta das pessoas às ruas e ao tipo de ação direta que trouxe o New Deal nos anos 1930.Sem isso, haverá mudanças superficiais e o retorno ao "business as usual" o mais rapidamente possível.


NAOMI KLEIN é colunista da "The Nation" e autora de "A Doutrina do Choque - A Ascensão do Capitalismo de Desastre" (ed. Nova Fronteira). Tradução de Clara Allain.
Artigo publicado no Caderno Mais da Folha de domingo.

O Debate


Confesso que não assisti ao debate entre McCain e Obama.
Dizem que McCain tem voz de Vovó Donalda.
A CNN disse que Obama venceu.
Uma coisa é vencer debate e outra é vencer eleição.
Vamos ver.
Abaixo a análise de Marcelo Coelho na Folha.
Uma coisa é ter visto a Convenção Republicana e a Convenção Democrata. Outra coisa é ver McCain e Obama, um ao lado do outro, no debate de anteontem: o contraste entre os dois, que já parecia grande, torna-se gigantesco.McCain tem uma voz de vovó Donalda. O timbre de Obama é sonoro e incisivo. McCain carrega nas costas os oito anos de fracasso do governo Bush. Obama está leve e ágil para criticar tudo o que aconteceu. McCain não parece acreditar que será o próximo presidente; Obama, sim.O republicano sorri encabulado e está longe de representar a agressividade militarista de muitos de seus correligionários.O democrata sorri apenas para sinalizar alguma distorção ou truque na retórica de seu adversário; seu olhar, sua postura e, para dizer tudo, sua juventude transmitem uma segurança muito maior.Dá para imaginar que mesmo um republicano ultraconservador possa ter saído decepcionado com o desempenho de Mc Cain; o imaginário "durão", pelo menos no visual da coisa, foi arrebatado por Obama.O problema é que McCain tinha de se distanciar do impopularíssimo governo Bush, sem parecer "mole" ou esquerdista.McCain se pôs a criticar o excesso de gastos governamentais da plataforma democrata. Mas foi o primeiro a sugerir que, no poder, Bush gastou irresponsavelmente. Obama criticou a desregulamentação financeira patrocinada por Bush; McCain teve de dizer que nunca foi a favor dessa política.O candidato republicano também ficou conhecido por se opor às práticas de tortura adotadas no governo Bush. Obama só tinha a repetir, sobre o assunto, uma frase que empregou várias vezes no debate: "Concordo com McCain". O republicano era, assim, conduzido sem protesto a um campo ideológico onde Obama reina soberanamente.Apesar da linha dura que adota a respeito do Iraque ou do Irã, McCain saiu do debate como um tipo de velhote meio enfraquecido, nada ansioso para bombardear o mundo e bem pouco capaz de bombardear Obama.Para um observador brasileiro -para este observador, em todo caso-, o debate foi sofisticado demais. Por aqui, seria de esperar que McCain fosse questionado por sua tentativa de adiar o encontro, e que Obama viesse com uma frase bombástica, do tipo "o nome da crise é George W. Bush".Os dois candidatos foram mais vagos e cavalheiros do que o momento pede; mas em matéria de firmeza, nitidez de resposta e sede ao pote, o nome do vencedor é Barack Obama.
Folha de domingo.

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Curiosidades


O homem mais alto do mundo, Bao Xishun, de 2,36 m de altura, se encontrou com o mais baixo, He Pingping, de 73 cm de altura.




O chinês Bao Xishum, que mede 2,36 m, passeia com a mulher grávida perto de sua casa, em Zunhua. O livro Guinness dos recordes voltou a considerar Xishum o homem mais alto do mundo após o ucraniano Leonid Stadnyk se recusar a ser medido de acordo com as novas normas da entidade .

Hoje Tem Debate


Alunos da Universidade do Mississippi dublam McCain e Obama em preparativos para o debate

Angeli e Edward Hopper


A Globalização Pós Neoliberal


Artigo do Professor Boaventura de Souza Santos que acredita que o mundo está ingressando numa nova globalização pós-neoliberal.


Na Folha de hoje.


O Impensável Aconteceu


A palavra não aparece na mídia dos EUA, mas é disso que se trata: nacionalização.Perante as falências ocorridas, anunciadas ou iminentes de importantes bancos de investimento, das duas maiores sociedades hipotecárias do país e da maior seguradora do mundo, o governo federal norte-americano decidiu assumir o controle direto de uma parte importante do sistema financeiro.A medida não é inédita. O governo interveio em outras crises profundas: 1792 (no mandato do primeiro presidente do país), 1907 (o papel central na resolução da crise coube ao grande banco de então, J.P. Morgan, hoje, Morgan Stanley, também em risco), 1929 (a Grande Depressão: em 1933, mil norte-americanos por dia perdiam suas casas para os bancos) e 1985 (crise das associações de poupança e empréstimo).

O que é novo na intervenção em curso é sua magnitude e o fato de ela ocorrer ao fim de 30 anos de evangelização neoliberal conduzida com mão-de-ferro em nível global pelos EUA e pelas instituições financeiras por eles controladas, FMI e Banco Mundial: mercados livres e, porque livres, eficientes; privatizações; desregulamentação; Estado fora da economia, porque inerentemente corrupto e ineficiente; eliminação de restrições à acumulação de riqueza e à correspondente produção de miséria social.Foi com essas receitas que se "resolveram" as crises financeiras da América Latina e da Ásia e que se impuseram ajustamentos estruturais em dezenas de países. Foi também com elas que milhões de pessoas foram lançadas no desemprego, perderam as suas terras ou os seus direitos laborais, tiveram de emigrar.À luz disso, o impensável aconteceu: o Estado deixou de ser o problema para voltar a ser a solução; cada país tem o direito de fazer prevalecer o que entende ser o interesse nacional contra os ditames da globalização; o mercado não é, por si, racional e eficiente, apenas sabe racionalizar a sua irracionalidade e ineficiência enquanto estas não atingem o nível de autodestruição.

Esta não é a crise final do capitalismo e, mesmo se fosse, talvez a esquerda não soubesse o que fazer dela, tão generalizada foi a sua conversão ao evangelho neoliberal. Muito continuará como dantes: o espírito individualista, egoísta e anti-social que anima o capitalismo; o fato de que a fatura das crises é sempre paga por quem nada contribuiu para elas, a esmagadora maioria dos cidadãos.Mas muito mais mudará.
Primeiro, o declínio dos EUA como potência mundial atinge novo patamar. O país acaba de ser vítima das armas de destruição financeira maciça com que agrediu tantos países nas últimas décadas e a decisão "soberana" de se defender foi afinal induzida pela pressão dos seus credores estrangeiros (sobretudo chineses) que ameaçaram com uma fuga que seria devastadora para o atual "american way of life".
Segundo, FMI e Banco Mundial deixaram de ter autoridade para impor suas receitas, pois sempre usaram como bitola uma economia que se revela fantasma. Daqui em diante, a primazia do interesse nacional pode ditar, por exemplo, taxas de juro subsidiadas para apoiar indústrias em perigo (como as que o Congresso dos EUA acaba de aprovar para o setor automotivo).Não estamos ante uma desglobalização, mas estamos certamente ante uma nova globalização pós-neoliberal internamente muito mais diversificada.
Emergem novos regionalismos, já presentes na África e na Ásia, mas sobretudo importantes na América Latina, como o agora consolidado com a criação da União das Nações Sul-Americanas e do Banco do Sul.
Terceiro, as políticas de privatização da segurança social ficam desacreditadas: é eticamente monstruoso acumular lucros fabulosos com o dinheiro de milhões de trabalhadores humildes e abandonar estes à sua sorte quando a especulação dá errado.


Quarto, o Estado que regressa como solução é o mesmo que foi moral e institucionalmente destruído pelo neoliberalismo, o qual tudo fez para que sua profecia se cumprisse: transformar o Estado num antro de corrupção. Isso significa que, se o Estado não for profundamente reformado e democratizado, em breve será, agora, sim, um problema sem solução.Quinto, as mudanças na globalização hegemônica vão provocar mudanças na globalização dos movimentos sociais e vão certamente refletir-se no Fórum Social Mundial: a nova centralidade das lutas nacionais e regionais; as relações com Estados e partidos progressistas e as lutas pela refundação democrática do Estado; as contradições entre classes nacionais e transnacionais e as políticas de alianças.



BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS, 67, sociólogo português, é professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (Portugal). É autor, entre outros livros, de "Para uma Revolução Democrática da Justiça" (Cortez, 2007).

Mundo Precisa de Autoridade Monetária


Excelente artigo de Jeffrey Garten é professor da cátedra Juan Trippe de comércio internacional e finanças na Escola de Administração de Empresas da Universidade Yale publicado no Financial Times e na Folha de hoje. Está mostrado e demonstrado que os mercados não podem fluir tão livremente assim. A crise americana é um alerta. O mundo precisa de uma autoridade monetária.

Mesmo que a imensa operação de resgate financeiro dos EUA obtenha sucesso, ela deveria ser seguida por algo de muito mais abrangente -o estabelecimento de uma autoridade monetária mundial para fiscalizar mercados que não respeitam mais fronteiras.Washington reconhece que a crise se tornou mundial. Hank Paulson, secretário do Tesouro norte-americano, disse que os bancos estrangeiros que operam nos Estados Unidos serão elegíveis para assistência federal e está instando outras nações a criarem programas próprios de resgate.Os bancos centrais também vêm sincronizando suas injeções de fundos nos mercados.Essas medidas devem ser passos em direção de resposta internacional mais abrangente concebida não só para apagar o atual incêndio mas para reconstruir e manter os mercados de capitais em longo prazo.O aparato atual de instituições internacionais é miseravelmente incapaz de fiscalizar o sistema financeiro que está evoluindo. O FMI (Fundo Monetário Internacional) é irrelevante para essa crise, o G7 (grupo dos sete países mais industrializados) carece de relevância em um mundo no qual China, Brasil e outros exercem papéis importantes, e o BIS (Banco de Compensações Internacionais) não tem funções operacionais. O Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) está sob pressão forte demais para que funcione como banco central planetário.O vácuo que existe no centro do sistema é perigoso para todos. A dependência norte-americana de influxos maciços de capital, da ordem de US$ 3 bilhões diários, certamente aumentará agora que os EUA estão adquirindo US$ 1 trilhão em novas obrigações relacionadas aos resgates em curso. Por muitos anos, Wall Street e Washington não serão capazes de se manter sem forte cooperação de outros mercados.


Dimensões estonteantes


Além disso, as dimensões internacionais do mundo financeiro se tornaram estonteantes. Os ativos mundiais cresceram de US$ 12 trilhões em 1980 para cerca de US$ 200 trilhões em 2007, superando de longe o crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) em qualquer nação ou o ritmo de expansão do comércio. Montante crescente desse capital hoje reside na Ásia e no golfo Pérsico, e não mais nos Estados Unidos e na Europa.Uma empresa norte-americana como a seguradora AIG vendia mais de seus CDS ("credit default swaps") e apólices de seguros fora dos Estados Unidos do que no país. O suíço UBS tem 30 mil funcionários norte-americanos e está cotado na Bolsa de Nova York.

Os mercados de capital evoluirão em um contexto no qual economias de mercado emergente estarão crescendo duas vezes mais rápido do que as dos países ricos e, na metade do século, provavelmente responderão por dois terços do PIB mundial.A globalização agora criará também um confronto de filosofias. A maioria dos governos e dos investidores de fora dos Estados Unidos jamais aderiu ao estilo caubói do capitalismo norte-americano. Agora, eles têm bons motivos para exigir que mudanças fundamentais sejam adotadas na maneira pela qual os Estados Unidos administram suas instituições financeiras. Isso pode acontecer com uma modificação consciente e negociada do modelo financeiro norte-americano ou pode resultar da transferência dos fundos de investidores estrangeiros para outros mercados.Todas essas considerações apontam para a necessidade futura de uma nova autoridade monetária mundial (AMM).Ela ditaria o tom para os mercados de capital de uma maneira que não seria visceralmente oposta a uma forte função de fiscalização pública, com regras de intervenção, e devolveria à formação de capital a condição de objetivo do crescimento econômico e do desenvolvimento, com o abandono da idéia de que é suficiente operar por operar.FuncionamentoUma AMM funcionaria como central de resseguro ou casa de desconto para determinadas obrigações detidas por bancos centrais. Avaliaria as atividades regulatórias das autoridades nacionais de forma mais eficaz que o FMI e fiscalizaria a implementação de um número limitado de regulamentos mundiais. Monitoraria os riscos internacionais e estabeleceria um sistema efetivo de alerta antecipado, com mais moral para soar alarmes do que era o caso do BIS.A instituição também funcionaria como "tribunal de falências" para a reorganização mundial de companhias financeiras com tamanho superior a um determinado limite. As maiores companhias financeiras mundiais teriam de se registrar junto à AMM e estariam sujeitas à sua monitoração, ou seriam incluídas em uma lista negra. Isso incluiria empresas comerciais e bancos, mas também fundos soberanos de investimento, fundos de hedge de grande porte e empresas de capital privado.O conselho da AMM seria formado por dirigentes de bancos centrais não apenas dos Estados Unidos, do Reino Unido, da zona do euro e do Japão mas também da China, da Arábia Saudita e do Brasil. A instituição seria financiada por contribuições compulsórias de todos os países capazes de pagar e por prêmios à maneira de seguros pagos pelas empresas financeiras do planeta -as de capital aberto, as estatais e as de capital fechado igualmente.Em termos de política norte-americana e internacional, a autoridade monetária mundial provavelmente representa uma idéia cujo momento ainda não chegou. Mas isso pode mudar, à medida que evolui a crise atual.
.Tradução de PAULO MIGLIACCi

O Filho do Papeleiro




Eu gosto muito das crônicas do David Coimbra.
Essa é a de hoje. Saiu na ZH.
As imagens são de Guilherme Moojen. Daqui.


Caído na calçada



Ontem saí de casa mais cedo do que o normal e a temperatura era amena de primavera e o dia estava amarelo e azul e do som do meu carro se evolava o rock suave da Itapema e eu me sentia realmente bem. Estacionei numa rua quase bucólica do Menino Deus e vi que ali perto um catador de papel puxava sua carrocinha sem pressa.Era magro e alto, devia andar nas franjas dos 50 anos e tinha a pele luzidia de tão negra. Ao seu lado saltitava um menino de, calculei, uns quatro anos de idade, talvez menos. Devia ser o filho dele, porque o observava com um olhar quente de admiração, como se aquele homem fosse o seu herói. Bem. Ao menos foi o que julguei, certeza não podia ter. Já ia me afastar quando, por entre as grades da cerca de uma creche próxima, voou um brinquedo de plástico. Um desses robôs cheios de luzes e vozes, que se transformam em nave espacial e prédio de apartamentos, adorado pelas crianças de hoje em dia. Algum garoto devia ter atirado o brinquedo para cima por engano, ou fora uma gracinha sem graça de um amigo. O menino que era dono do brinquedo colou o rosto na grade como se fosse um presidiário, angustiado. O filho do catador de papel correu até a calçada, colheu o robô do chão e não vacilou um segundo: retornou faceiro para junto do pai, o brinquedo na mão, feito um troféu. Olhei para o menino atrás da cerca. Estranhamente, ele não falou nada, não gritou, nem reclamou. Ficou apenas olhando seu brinquedo se afastar na mão do outro, os olhos muito arregalados, a boca aberta de aflição.Muito orgulhoso, o filhinho do catador de papéis mostrou o brinquedo ao pai. O pai olhou. E fez parar a carrocinha. Largou-a encostada ao meio-fio. Levou a mão calosa à cabeça do filho. E se agachou até que os olhos de ambos ficassem no mesmo nível. A essa altura, eu, estacado no canteiro da rua, não conseguia me mover. Queria ver o desfecho da cena. O pai começou a falar com o menino. Falava devagar, com o olhar grave, mas não parecia nervoso. Explicava algo com paciência e seriedade. O menino abaixou a cabeça, envergonhado, e o pai ergueu-lhe o queixo com os nós do dedo indicador. Falou mais uma ou duas frases, até que o filho balançou a cabeça em concordância. A seguir, o menino saiu correndo em direção à creche. Parou na grade, em frente ao outro garoto. Esticou o braço. E, em silêncio, devolveu-lhe o brinquedo. Voltou correndo para o pai, que lhe enviou um sorriso e levantou a carrocinha outra vez. Seguiram em frente, o pai forcejando, o filho ao lado, agora não saltitante, mas pensativo, concentrado.Então, tive certeza: aquele olhar com que o menino observara o pai era mesmo de admiração, ele era de fato o seu herói.

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

O Tempo Que Não Existe Mais


Essa charge acima do Kayser diz tudo: certa esquerda está muito desanimada com a eleição de Porto Alegre.
Quando o PT governou Porto Alegre por 16 anos uma certa onda vermelha invadia a cidade. Esta é a capital do orçamento participativo, da participação popular, do Fórum Social Mundial. Esta cidade respira vermelho, é o centro efervescente da esquerda mundial, o laboratório das boas propostas.
Esse tempo não existe mais. As bandeiras vermelhas estão no armário. O debate programático e político faz parte de um tempo mofado. Não existe mais debate ideológico entre direita e esquerda, com a exceção da Vera Guasso do PSTU que abre a boca dizendo que ela é contra empresário.
As propostas de todos os candidatos a prefeito de Porto Alegre são mais ou menos a mesma. Não existem grandes variações e por isso a desilusão de certa esquerda. O fato de Maria do Rosário, candidata do PT ao paço municipal, estar em terceiro lugar, atrás da neocomunista Manuela Dávila -- que se alinhou à turma do ex governador Antônio Britto -- e do prefeito Fogaça (PMDB) está desanimando a grande militância petista. Dizem que eles vão se levantar e invadir a cidade de vermelho. Será?
Mas uma coisa parece ser certa, aquele velho tempo da onda vermelha na cidade de Porto Alegre foi para o espaço. Não existe mais. Tem gente que quer ir para outros locais, onde a esquerda está mais efervescente. Boa viagem.

Os recebíveis da Vila Carrapato


Pesquei e colei do diario gauche de hoje.


O seu Biu tem um bar na Vila Carrapato, e decide que vai vender pinga “na caderneta” aos seus leais fregueses, todos bebuns, quase todos desempregados.
Porque decide vender a crédito, ele pode aumentar um pouquinho o preço da dose da branquinha (a diferença é o sobrepreço que os pinguços pagam pelo crédito).
O gerente do banco do seu Biu, um ousado administrador formado em curso de Emibiêi, decide que as cadernetas das dívidas do bar constituem, afinal, um ativo recebível, e começa a adiantar dinheiro ao estabelecimento, tendo o pindura dos pinguços como garantia.
Uns seis zécutivos de bancos, mais adiante, lastreiam os tais recebíveis do banco, e os transformam em CDB, CDO, CCD, UTI, PQP, OVNI, SOS ou qualquer outro acrônimo financeiro que ninguém sabe exatamente o que quer dizer.
Esses adicionais instrumentos financeiros, alavancam o mercado de capitais e conduzem a operações estruturadas de derivativos, na BM&F, cujo lastro inicial todo mundo desconhece (as tais cadernetas do seu Biu).
Esses derivativos estão sendo negociados como se fossem títulos sérios, com fortes garantias reais, nos mercados de 73 países.
Até que alguém descobre que os bebuns da Vila Carrapato não têm dinheiro para pagar as contas, e o bar do seu Biu vai à falência.
E toda a cadeia sifu.


Meu comentário:


Muito bom. Muito bom mesmo. Foi exatamente isso que aconteceu. Valeu a pena ter assistido ontem todo o discurso do Bush. Quem diria: os conservadores americanos injetarem 700 bi (dizem que é mais) para cobrir o rombo das hipotecas. Como eles mesmo dizem: the world goes wrong!

Esquerda Sem Rumo


O filósofo marxista Paulo Arantes - A esquerda se preocupa muito mais com o passado do que com o futuro.


Em debate sobre a ditadura militar e a responsabilização de integrantes das Forças Armadas por atos de tortura e morte durante o regime pós-64, o professor de filosofia Paulo Arantes disse anteontem na USP (Universidade de São Paulo) que a esquerda, ao fazer política procurando "reparar abominações do passado", faz "uma confissão tácita de que não temos futuro".



O engajamento da esquerda e de integrantes do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, nos debates sobre a Lei de Anistia, foi apresentado por ele como um sintoma da ausência atual de um horizonte de transformação radical da sociedade.Arantes participava da mesa de debates "Do uso da violência contra o Estado ilegal", ao lado do também professor de filosofia da USP Vladimir Safatle. O evento fazia parte do seminário "O que resta da ditadura: a exceção brasileira", que termina hoje."É uma confissão de que o futuro passou para o segundo plano. De que ele só virá depois desse rodeio pelo passado. É uma confissão tácita de que o horizonte de transformação foi posto de quarentena", afirmou.
Arantes deixou claro, no entanto, que obviamente os ativistas pelos direitos humanos são aliados da esquerda, e de que a "plataforma dos direitos humanos é necessária e, no momento, a única disponível".Durante audiência no Ministério da Justiça, no início do mês passado, os ministros Tarso Genro (Justiça) e Paulo Vanucchi (Direitos Humanos) defenderam a responsabilização criminal de agentes públicos que, durante a ditadura militar (1964-1985), participaram de atos de tortura.O Comando do Exército afirmou em seguida que a discussão sobre esse tema foi concluída em 1979, com a publicação da Lei de Anistia. Para a Força, o debate sobre punir esses agentes públicos está esgotado."Projeto nazista"O diagnóstico de Arantes era, em parte, uma resposta a uma pergunta feita por ele no início de sua palestra.Como explicar que "um governo que não enfrentou nenhum interesse estabelecido", segundo ele, viesse "da noite para o dia" confrontar o poder militar? "Qual é o sentido disso? Fica a pergunta, de boa-fé: qual é a perspectiva política? Há alguma mobilização social em relação a isso? Não temos resposta, embora a causa seja justa", disse.Em sua participação, Vladimir Safatle disse que as ditaduras sul-americanas realizaram o "projeto nazista" ao tentarem eliminar seus adversários não só fisicamente mas também simbolicamente. "Algo de fundamental do projeto nazista alcançou sua realização plena na América do Sul", declarou.Ele citou como exemplo o "seqüestro de crianças filhas de desaparecidos", na Argentina. "Não são só os corpos que desaparecem. Não haverá portadores de seu sofrimento. Ninguém se lembrará", disse, descrevendo o "projeto" de que falava. O país vizinho, no entanto, foi capaz, posteriormente, de julgar os responsáveis por esses crimes. Lá, ele disse, "a Justiça não teve medo de julgar". "O único país que realizou de maneira perfeita essa profecia foi o Brasil", afirmou.
Folha de hoje.

O preço do erro subiu




O Presidente Lula, como seus reputados colegas do Irã e da Argentina, aproveitou a reunião da ONU em Nova York para tirar lasca do anfitrião George W. Bush por causa do colapso do sistema financeiro americano como o conhecíamos.

Melhor seria tratarmos essa crise, que já cruzou o Atlântico Sul, com mais gravidade e nos prepararmos com eficiência para a retração global.Será o primeiro grande teste econômico de Lula, que, por méritos seus e da conjuntura internacional, navegou até aqui por correntes econômicas muito favoráveis.Mas o vento mudou. E erros terão um custo muito maior, potencializando a crise.

A roda do crédito global emperrou, mas a dívida pública aumenta junto com os gastos. E o Brasil segue dependente de capital externo para financiar sua dívida e suas exportações. O próprio governo já antevê dificuldades em manter o ritmo exportador e prevê aumento do déficit nas transações com o mundo.A economia deve crescer perto de 5% neste ano, mas já se espera menos de 4% em 2009. No Orçamento enviado ao Congresso, o governo prevê expansão de 4,5%.Mas deve vir menor, e já há economistas vendo dificuldades até para a manutenção da meta fiscal de economizar 4,3% do PIB antes do pagamento dos juros da dívida.

Enquanto isso, Lula segue elevando os gastos com o funcionalismo num ritmo muito maior que o do PIB, gastos que depois serão difíceis de cortar quando o ritmo da economia (e a arrecadação variável que sustenta gastos fixos) cair.

Com os aumentos gerais e irrestritos aos servidores públicos pré-colapso de Wall Street, os gastos com pessoal em 2009 serão os mais altos do governo Lula, perto de 5% do PIB. Um projeto de lei enviado ao Congresso no início de 2007 para limitar a expansão desse gasto em 1,5% ao ano acima da inflação empacou. A inflação deste ano deve ficar perto de 6%, mas o gasto com funcionalismo explode em mais de 10%.Diante do enxugamento dramático do crédito global, o governo bate no peito e diz que o BNDES resolve a questão. Mas deveria ser mais prudente e jogar na retranca até a dimensão da crise financeira ficar mais clara. E o melhor caminho é conter os gastos.Mas eles crescem de forma exuberante. Como disse Lula na ONU, ao atacar a condução econômica nos EUA, "a crise financeira, cujos presságios vinham se avolumando, é hoje dura realidade".2009 será um ano-chave. O governo poderá ter de decidir entre cortar investimentos ou reduzir seu frágil rigor fiscal. São duas más opções, talvez inevitáveis.

Artigo de Sérgio Malbergier, na Folha de hoje.

Comprar É um Ato Político


Capitão Charles Cunningham Boycott - O homem que gerou o boicote.
Comprar é um ato político
Plínio Fraga na Folha de hoje.

Diz o "Houaiss" que o capitão Charles C. Boycott (1832-1897), um rico proprietário irlandês, no outono de 1880, recusando-se a baixar o preço que cobrava pelo arrendamento de suas terras, foi vítima de represália, tendo os agricultores da época se articulado para não negociar com ele. Daí a palavra boicote.Quase 130 anos depois, o termo em inglês "boycott" ganhou uma espécie de antônimo, o "buycott". Numa livre tradução seria a compra orientada de produtos.Em visita ao Rio para participar de um seminário acadêmico, a pesquisadora Michele Micheletti, da Karlstad University, na Suécia, defendeu que o ato de consumo pode se transformar em ativismo político. Segundo ela, a falta de uma regulamentação global transferiu para os consumidores parte da responsabilidade sobre o mercado.Por meio de "boycotts" e de "buycotts", cabe aos consumidores forçar mudanças no sistema produtivo e colaborar, utilizando o seu poder de compra, para atenuar problemas como a exploração da mão-de-obra, o desrespeito ambiental e os desvios éticos e políticos de grandes empresas.O "buycott" é o consumidor politizado, informado, responsável. Micheletti cita estudos que mostram que, na Suécia, o percentual de cidadãos que se envolveram em algum tipo de "consumo politizado" nos 12 meses anteriores à pesquisa era de 50%. No Brasil, não chegava a 7%. À repórter Denise Menchen, desta Folha, a pesquisadora disse que o resultado está vinculado ao nível de informação e aos recursos disponíveis dos consumidores. "É um movimento basicamente da classe média."Na próxima vez que alguém se queixar das horas que você passou no shopping, pode responder que estava fazendo política. Atualmente é possível comprar até ideologia.