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Foto: Obama, Cameron e Helle Thorning-Schmidt


segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Intervenção Americana Equivale a 10% do PIB


Ron Chernow: O mais chocante é que esse governo, que defende histericamente o livre-mercado, protagonizou mais intervenções em volume de dinheiro do que qualquer governo democrata progressista. É histórico.
Leio na Folha de hoje uma análise do historiador financeiro e biógrafo Ron Chernow sobre a crise financeira americana. A culpa parece ser da falha reguladora geral da última década. Em outras palavras, o governo Bush foi omisso. Essa intervenção no mercado, segundo os cálculos, pode equivaler a 10% do PIB dos EUA e pode subir. A crise existe. É grave. Beeeem grave.


Abaixo detalhes da entrevista concedida à Folha.


MAIOR DA HISTÓRIA


É a pior crise financeira desde a década de 30. É claro que não vimos o final dela, ainda estamos no meio. Pode ser que no futuro historiadores concluam que na verdade esse é apenas o começo. Mas certamente nunca houve um período em que tantos bancos de investimento grandes de Wall Street foram destruídos tão rapidamente.Nós vimos o desaparecimento quase completo do universo dos bancos de investimento independentes. Um deles, o Lehman Brothers, tinha mais de 150 anos de história e foi destruído em questão de dias.Quanto aos bancos comerciais, problema potencialmente muito mais sério, sabemos que o FDIC [Corporação Federal de Seguro de Depósito, na sigla em inglês, órgão garantidor de operações bancárias] tem mais de cem diferentes nomes em sua lista dos possíveis causadores de problema. E só vimos um número muito pequeno de bancos comerciais darem problema até agora.


NOVA DOUTRINA


Nós tivemos por muito tempo nesse país uma doutrina chamada "Muito grande para quebrar" ("Too big to fail"), termo primeiro usado provavelmente no começo dos anos 90, quando o Citicorp e alguns outros grandes bancos corriam o risco de quebrar e se pensava que as conseqüências seriam muito grandes. Agora, nós temos muito mais instituições com aquela escala e atuação.Uma das coisas importantes que devo ressaltar como historiador financeiro é que neste país, particularmente em Wall Street, sempre houve um medo enorme de poder financeiro concentrado. O que isso significava é que havia muitas leis que restringiam o tamanho e atuação das instituições bancárias, particularmente as comerciais.Até os anos 20, por exemplo, um banco não podia ter agências em outros Estados que não o de sua sede. O que vimos nos últimos anos foi uma derrocada completa dessas barreiras entre operações interestaduais, só então temos um sistema bancário realmente nacional.Assim, quando as pessoas dizem que o Washington Mutual ou o Wachovia podem quebrar, essas serão quebras que afetarão cada cidadezinha, cada rua comercial do país, porque são bancos com milhares de agências em diferentes Estados.Já tivemos uma situação semelhante na década de 30, cuja resposta foi o governo passar a lei Glass-Steagall, que tentava separar -e separou por muito tempo- bancos comerciais de bancos de investimento.Isso foi revogado de fato no final dos anos 90, e é uma das razões de termos esses conglomerados financeiros muito grandes e diversificados, que oferecem vários e diferentes serviços financeiros e que afetam muitas e diferentes vidas e companhias aqui e no mundo. Quando um desses conglomerados se mete em confusão, o potencial de dano é obviamente muito maior do que antes.


"ESTATIZAÇÃO" DA AIG


Não há precedente nos EUA. Em relação à Fannie Mae e Freddy Mac, eram empresas semigovernamentais criadas pelo governo que operavam como empresas privadas. Então, havia sempre a suposição de que eram garantidas pelo governo. Quando este intervém e faz o resgate, é quase esperado.Muito diferente é o governo encampando 80% de uma seguradora privada, em uma ação de escala incrível. Para dar um exemplo, os US$ 80 bilhões colocados na AIG representam 10% do portfolio que o Fed tem em títulos do governo. É de se pensar quantas ações como essa mais o banco poderá tomar.


DEPÓSITOS


No lado dos bancos comerciais, o FDIC cobra taxas das entidades para, caso alguma quebre, os depósitos de correntistas até US$ 100 mil serem garantidos. Uma quebra do Washington Mutual representaria metade do dinheiro que o FDIC tem para cobrir todas as quebras dos bancos comerciais. Então, de novo, é de se imaginar quantas mais dessas quebras o governo pode bancar.


IRONIA DOS RESGATES


O mais chocante é que esse governo, que defende histericamente o livre-mercado, protagonizou mais intervenções em volume de dinheiro do que qualquer governo democrata progressista. É histórico.As pessoas costumavam dizer que "só Nixon poderia ter ido à China" [risos], no sentido de que nenhum presidente democrata conseguiria reabrir as relações dos EUA com aquele país no final dos anos 60 e começo dos anos 70, porque não sobreviveria à ação.O mesmo se aplica ao que está acontecendo agora. Imagine o grau da gritaria se o governo Clinton, por exemplo, tivesse feito algumas -não todas- dessas ações interventoras.O que houve foi uma falha reguladora geral durante a última década que levou a essa bolha imobiliária. Quando há regras insuficientes supervisionando a arena financeira, detonam-se crises que ironicamente e muito paradoxalmente requerem intervenções mais profundas do que se tivesse havido supervisão e regulamentação adequadas o tempo todo.Essa é a ironia: como o governo Bush não quis supervisionar de verdade de maneira adequada esse boom imobiliário enquanto ele se formava, teve de pagar a conta de fazer coisas que, tenho certeza, nem em seus delírios mais profundos imaginava que faria. É realmente um divisor de águas.


OBAMA E MCCAIN


A reforma financeira está vindo, independentemente do próximo presidente. Infelizmente, no entanto, a história financeira deste país mostra que as reformas só acontecem como conseqüência de crises.Não temos um histórico muito bom de perceber problemas enquanto eles ainda estão aparecendo e são gerenciáveis. De alguma maneira, costumamos esperar até que as coisas atinjam um ponto extremo e o governo seja forçado a agir.Mas o interessante é ver que mesmo John McCain vem falando da "ganância de Wall Street". Essa não é a linguagem habitual de um candidato republicano conservador, e sugere que há um consenso no país sobre a necessidade de ação.Além disso, os contribuintes não querem pagar a conta das centenas de bilhões de dólares que foram e serão gastos nas operações. No final, tudo se resume a como isso vai afetar meu bolso, porque eu terei de pagar por essas instituições que quebraram. Afinal, a encampação da AIG prevê que à frente os papéis sejam vendidos por mais do que se pagou, mas isso é só especulação. A conta ainda pode ficar para o contribuinte.

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