Só diálogo e abandono do radicalismo podem modificar o quadro de desrespeito generalizado a instituições no país
O radicalismo da política boliviana cobra um preço cada vez mais alto de todo o país. Os Departamentos dominados pela oposição ao presidente Evo Morales, que coincidem com a região mais desenvolvida, agora patrocinam um locaute com o objetivo de chantagear e desestabilizar o governo central.Na região da chamada meia-lua -Santa Cruz, Tarija, Beni e Pando-, manifestantes promovem uma onda de ocupações em estradas, aeroportos, instalações fabris e prédios públicos. Ameaçam cortar os fluxos de gás natural e mercadorias para o Brasil caso a gestão Morales não reveja sua decisão de reduzir o repasse aos Departamentos de um imposto sobre hidrocarbonetos.Aproveitam e pressionam o presidente para que desista de levar a referendo uma Constituição aprovada sob condições tumultuadas. Também propugnam pela implantação de estatutos que dêem autonomia aos Departamentos oposicionistas. Os governadores daquelas províncias estão à frente das provocações, mesmo as truculentas e ilegais, numa atitude de rebeldia ostensiva.Morales, vale lembrar, também é campeão de radicalismo, bravatas e provocações pueris. Ele inaugurou a moda de invadir refinarias, para o que mobilizou até o Exército, no passado recente. Desta feita, contudo, o presidente age com prudência quando evita ordenar uma repressão de forças federais contra os protestos -não se sabe, aliás, se uma ordem dessas seria acatada. O emprego da violência, ainda que legítimo, apenas agravaria uma situação já delicada.Atitudes emergenciais, no entanto, precisam ser tomadas para modificar o quadro de desagregação institucional e desrespeito generalizado a leis e hierarquias que vigora na Bolívia. O caminho óbvio é o diálogo, que pressupõe o abandono do radicalismo por parte dos dois lados em conflito -e o diálogo deve partir do pressuposto de que não se aceitará a usurpação de poderes legitimamente eleitos e/ou constituídos.Faz sentido, como quer Morales, que a política da Bolívia seja reorientada para atender à maioria pobre da população, historicamente prejudicada na divisão das riquezas do país. Faz sentido, como pleiteia a oposição, que esse processo não signifique o estrangulamento econômico e político das regiões produtoras.Para atingir seus objetivos, Morales deveria descartar o revanchismo contra os "brancos" que impregna sua plataforma. Aos governadores caberia abrir mão da desobediência e da intimidação como armas políticas.
Editorial da Folha de hoje.
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