Diversidade, Liberdade e Inclusão Social

Foto: Obama, Cameron e Helle Thorning-Schmidt


terça-feira, 30 de setembro de 2008

Ideologia do Livre Mercado Pode Levar à Depressão


Jeremy Conroy, 13 anos, vende maças em frente à bolsa de Nova York. A ação de Conroy é uma referência aos meninos que vendiam a fruta durante a Grande Depressão de 1929.

Excelente o artigo de Luiz Gonzaga Belluzo na Folha de hoje. A baboseira ideológica do livre mercado pode levar o mundo a uma grande depressão.




Agora, risco maior é de depressão global


O Congresso norte-americano rejeitou o pacote de estabilização dos mercados que havia sido proposto pelo Tesouro dos Estados Unidos. Essa decisão -que, espero, seja reconsiderada- atesta a supremacia do preconceito e da baboseira ideológica sobre a crítica realista e bem informada.A peculiaridade das economias contemporâneas -onde a finança direta e securitizada é predominante- é a alta sensibilidade dos preços dos ativos às flutuações da liquidez. Os mecanismos de transmissão são rápidos, variados e muito poderosos.Em primeiro lugar, a desregulamentação e a liberalização facilitaram o surgimento de bancos-sombra na formação de posições longas nos mercados de capitais, financiadas com recursos capturados nos mercados monetários. Isso permitiu os atuais níveis de alavancagem dos "dealers" e "brokers", bem como dos fundos de hedge e outros intermediários.Quando os agentes foram surpreendidos por movimentos adversos dos preços e suas perdas os obrigaram a liquidar posições para cobertura de margem, tanto o risco de mercado como o risco de liquidez se ampliaram rapidamente. A queda muito abrupta e profunda dos preços afugenta os financiadores desses ativos, inviabilizando seus mercados. Na ausência de um socorro tempestivo do emprestador de última instância, a propagação do pânico pode levar à ruptura do sistema de pagamentos e à corrida bancária. O "Financial Times" informa que o republicano Gresham Barret, da Carolina do Sul, disse: "Meu temor é o governo mudar para sempre a América do livre mercado. Votarei contra o pacote [proposto pelo Tesouro] porque acredito intensamente nos princípios do livre mercado e na liberdade".Barret não sabe, mas suas crenças ajudaram a conduzir a economia norte-americana (e seus desdobramentos globais) em direção à crise financeira que ora a aflige e ao resto do mundo. Os praticantes das formidáveis inovações destrutivas -"os gatos gordos de Wall Street"- não teriam prosperado em suas ousadias se à retaguarda não estivessem de prontidão os fanáticos do livre mercado. O fervor livre-mercadista, ademais, encontrou alento nas teorias dos sacerdotes dos mercados eficientes, os economistas acadêmicos (e outros nem tanto) incumbidos de dar respeitabilidade científica a hipóteses improváveis.Em minha modesta opinião, a aprovação do pacote de socorro -pela proposta do Tesouro, US$ 700 bilhões seriam usados para a compra de títulos de má qualidade de instituições financeiras norte-americanas-, tal como havia sido acertado no final de semana entre as lideranças dos dois principais partidos políticos, não teria força para reverter a curto prazo a quase paralisia dos mercados monetários. Os "spreads" entre as taxas cobradas no interbancário e os títulos do Tesouro alcançam níveis assustadores. Nessas condições, a aprovação do pacote de socorro tampouco seria eficaz para desobstruir imediatamente os canais do crédito, bloqueados pela desconfiança e pelo medo.Ainda assim, um mínimo de sensatez recomendaria aprovar o pacote de estabilização, com suas deficiências e limitações. Os devaneios ideológicos que negaram sua aprovação podem levar a economia global não mais à recessão, já contratada, mas à beira de uma depressão, com as funestas conseqüências para os que estão na base da pirâmide social.Então, será tarde para descobrir que não se trata de punir os culpados, mas de poupar os inocentes.



LUIZ GONZAGA BELLUZZO , 65, é professor titular de Economia da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). Foi chefe da Secretaria Especial de Assuntos Econômicos do Ministério da Fazenda (governo Sarney) e secretário de Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo (governo Quércia).

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