Sebastián de Covarrubias, “ A inveja”, gravura, Século XVI
Quem não acredita em conciliação acredita no antagonismo. E para alimentar o antagonismo é necessário criticar e jogar pedra na vidraça da Casa Grande. Só que a Casa Grande no Brasil de hoje não é apenas uma, elas são diversas e estão espalhadas pelas ruas e avenidas deste imenso Brasil. Elas estão localizadas em certos bairros, que são os mais valorizados da cidade moderna. É assim que ocorre em qualquer lugar do mundo socialmente desenvolvido. E quando o poder público faz certas obras e certas ações nesses bairros 'nobres', as pessoas que alimentam o antagonismo social adoram atirar pedras. Estão beneficiando a burguesia em detrimento do povão. É o que está acontecendo, por exemplo, no cercamento de uma reserva natural do Morro Ricaldone, localizado no Bairro Moinhos de Vento, zona nobre de Porto Alegre. O fechamento dessa reserva natural vai obstaculizar a violência e o crime daquela região, uma vez que aquela mata é utilizada como esconderijo pelos marginais. O assunto é pequeno, diminuto, quase microscópico, mas ele vem a tona de forma agressiva pelo ranço da ideologia que acredita que o motor da vida gente é movido pela luta de classes. O assunto foi matéria no diario gauche de hoje que assim se pronunciou:
A gentrificação do morro Ricaldone
O cercamento da área urbana do morro Ricaldone é um sintoma do nosso tempo. Zonas urbanas onde habitam e convivem as classes brancas e proprietárias são objeto de isolamento preventivo visando a sua proteção, segurança e tranqüilidade para continuarem na condição de privilegiados sociais.Este caso do Ricaldone deixa evidente que a Prefeitura de Porto Alegre, na gestão José Fogaça, abriu mão de qualquer planejamento urbano configurado no Plano Diretor do município. O Plano Diretor está zelosamente engavetado na Câmara Municipal esperando melhores ventos para a sua reformulação. Enquanto isso, cada caso é um caso, e não temos uma lei moderna de Plano Diretor.O jornal ZH de hoje, informa bem o ritmo expedito dos procedimentos na atual gestão. No dia 21 passado, uma arquiteta da Divisão de Projetos e Construção da Secretaria Municipal do Meio Ambiente (Smam) e o titular da pasta, Miguel Wedy, participaram de reunião com moradores do Ricaldone. Segundo ZH, “em poucos dias de análise pelo departamento jurídico, o projeto [de cercamento da área pública] foi aprovado”. Observe-se que a aprovação do projeto foi no ato da reunião com os interessados, a homologação definitiva só demorou mais alguns dias por força da necessidade de haver análise jurídica e coleta de pareceres.Plano Diretor? Para quê, Plano Diretor?O caso Ricaldone é apenas um exemplo dos tantos atropelos ao planejamento urbano de longo prazo havido nos últimos três anos e meio em Porto Alegre, coincidindo com a volta do crescimento da indústria da construção civil no País, depois de mais de duas décadas de estagnação no setor.O desrespeito ou a negligência para com a prática de planejamento de longo prazo nas cidades brasileiras é a condição ideal para investidores e construtores irresponsáveis. E Porto Alegre não está fora deste alvo.No morro Ricaldone aconteceu o típico caso do que o urbanismo sustentável chama de gentrification, que deriva de gentry (pequena nobreza), ou seja, a requalificação urbana de áreas degradadas ou em vias de declínio valorativo. Essa expressão gentrification obviamente é sempre escamoteada, porque paira uma sombra de má consciência quando do seu uso descuidado. Por isso, a indústria da construção civil, empreendedores do setor imobiliário, investidores, especuladores de solo urbano e urbanistas do meio fazem uso de eufemismos os mais variados: revitalização, reabilitação, revalorização e até renascença urbana (imaginem!).No presente caso, os moradores espertamente alegam que o morro e sua vegetação estão sendo destruídos por transeuntes eventuais, por catadores e papeleiros que acabam devastando a flora da região. Como se vê, usam o chamado “biombo verde” para ocultar seu interesse de isolamento, segurança e privilégios de “zona nobre” da cidade, bem como garantir estabilidade no valor de troca e na liquidez de seus qualificados imóveis. O simples anúncio de cercamento da área já reposiciona a cotação daqueles imóveis a preços bem mais vantajosos.Informalmente, Porto Alegre, opera uma reforma urbana às avessas, ao estimular cordões sanitários de isolamento de áreas tradicionais da cidade, assim, como quando permite a proliferação incontrolada de condomínios fechados em áreas novas do perímetro urbano. Ambos movimentos visam dar satisfações exclusivamente aos especuladores do solo urbano em detrimento da cidade como um todo, agravando as desigualdades e promovendo um fosso cada vez mais profundo entre a cidadania e tornando as cidades um território de disputa aberta e selvagem.José Fogaça (PMDB/PDT/PTB) e Manuela D’Ávila (PCdoB-PPS) representam exatamente estes setores anti-sociais na presente corrida eleitoral. Quem acha que Porto Alegre deve seguir os descaminhos do morro Ricaldone tem nos dois candidatos opções exitosas de sucesso privado e caos urbano garantidos.
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