Manifestações contra Obama nos EUA.
"Che Obama" é uma Falácia
Setores da população americana estão chamando o presidente Obama de "comunista" apenas porque ele pretende modificar as estruturas do sistema de saúde americano implantando a universalização. Se isso é comunismo, eu sou comunista.
No Caderno Mais! da Folha de ontem, uma interessante entrevista com o historiador britânico, Tony Judt exatamente sobre este assunto.
Ele destaca que "tal ideologia tem raízes na cultura e na sociedade americanas, por um lado, onde prevalece a desconfiança de que perdas individuais (em pagamentos de impostos, por exemplo) possam levar a ganhos públicos e coletivos, e, por outro, nas origens de um novo pensamento liberal reativo às grandes intervenções estatais do fascismo e do nazismo."
E ele toca no x da questão quando diz:
Se você fizer uma pesquisa com os eleitores americanos, e questioná-los se querem uma cobertura médica mais abrangente, eles dirão que sim. Se perguntar se apoiam medidas que aumentem a expectativa de vida da população, dirão que sim. Se perguntar se apoiam atendimento médico para todos, mesmo para os que tenham problemas financeiros, dirão que sim.
O problema então é a disputa retórica que cerca essa discussão. Os eleitores americanos querem tudo o que o eleitorado austríaco ou sueco quer em termos de saúde ou educação, mas, se você perguntar a eles se querem a social-democracia, se querem a medicina estatal que garante esses direitos e esses sistemas, eles dirão que não.
Há duas razões para isso, uma mais antiga, outra mais recente. A razão antiga tem a ver com a resistência ideológica, retórica à ideia de governo centralizado, em particular um governo centralizado tomando dinheiro das pessoas para usá-lo nesses programas. Isso sempre foi combatido nos EUA.
O problema então é a disputa retórica que cerca essa discussão. Os eleitores americanos querem tudo o que o eleitorado austríaco ou sueco quer em termos de saúde ou educação, mas, se você perguntar a eles se querem a social-democracia, se querem a medicina estatal que garante esses direitos e esses sistemas, eles dirão que não.
Há duas razões para isso, uma mais antiga, outra mais recente. A razão antiga tem a ver com a resistência ideológica, retórica à ideia de governo centralizado, em particular um governo centralizado tomando dinheiro das pessoas para usá-lo nesses programas. Isso sempre foi combatido nos EUA.
Mas a razão mais nova é que o centro de gravidade dos debates sobre políticas públicas migrou para longe das preocupações sociais e se aproximou do discurso econômico, em que as políticas são avaliadas por um critério de ganho para o crescimento econômico ou por um critério estrito de eficiência.
Estamos lidando com um tipo de padrão retórico que tem grande dificuldade de discutir os efeitos sociais de um programa sem antes perguntar pelos critérios de eficiência desses gastos, que obviamente não são o melhor critério de avaliação.
(...)
Creio que uma das razões por que esse modo de ver a ação estatal foi abandonado nos EUA tem a ver com o fato de que políticas públicas que se baseiam em impostos e em um governo central que redistribua em serviços o dinheiro recebido dependem de um alto grau de confiança entre as pessoas -e nos governos-, algo que funciona melhor em sociedades menores e mais homogêneas, como a Suécia ou a Holanda.
Esse modelo não funciona tão bem em sociedades grandes, heterogêneas e desiguais, como os EUA, em que as pessoas lidam com outras em que não necessariamente confiam.
Os EUA sempre foram marcados pela "política da suspeição", em que se diz que o mercado funciona melhor porque maximiza os interesses individuais em benefícios públicos.
(...)
Na Europa, a grande maioria das pessoas não espera que seus filhos pertençam aos 5% mais ricos. Quando questionados se gostariam de pagar impostos e ter garantias de que o Estado protegerá a maioria dos indivíduos de incertezas, os europeus dizem que sim. Porque veem a si mesmos como os beneficiários dessas políticas.
Quanto aos americanos, eles tendem a crer que, se pagarem muitos impostos, outros serão os beneficiários.
Na Europa, a grande maioria das pessoas não espera que seus filhos pertençam aos 5% mais ricos. Quando questionados se gostariam de pagar impostos e ter garantias de que o Estado protegerá a maioria dos indivíduos de incertezas, os europeus dizem que sim. Porque veem a si mesmos como os beneficiários dessas políticas.
Quanto aos americanos, eles tendem a crer que, se pagarem muitos impostos, outros serão os beneficiários.
(...)
Mas é preciso relacionar a força que essas ideias tiveram a partir do grande economista austríaco [Friedrich von] Hayek, que inspirou boa parte das teorias econômicas nos EUA, e sua experiência política na Áustria do entreguerras.
Para ele, a intervenção estatal sempre leva à tirania política. Se você controla a economia, termina controlando a sociedade. Essas teorias econômicas ganharam força com Hayek, que atacava a social-democracia europeia, argumentando que suas políticas de intervenção e bem-estar social levariam ao fortalecimento do Estado, e isso poderia levar ao fascismo.
O que aconteceu nos EUA é que uma geração de economistas, entre eles Milton Friedman [1912-2006, Prêmio Nobel em 1976], se apropriou das conclusões de Hayek sem prestar atenção a suas razões originais.
(...)
O antigo modelo, social-democrata, começou a parecer economicamente ineficiente.
Em segundo lugar, o modelo em que o Estado era dono dos meios de produção, no Terceiro Mundo, por exemplo, dava mostras de ser corrupto. O modelo americano era bastante sedutor, mas guardava um paradoxo. Era bem-sucedido justamente porque o dólar era a moeda padrão internacional, e os EUA podiam lidar com sua economia de um modo que nenhum outro país tinha condições de fazer.
Creio que existam grandes e longos ciclos de linguagem política hegemônica na história, dos quais ninguém consegue escapar. De meados do século 19 até os anos 20, o liberalismo clássico foi a linguagem das políticas nacionais e internacionais. Dos anos 30 aos 70, quase todos os países desenvolvidos -ou relativamente desenvolvidos- do mundo tiveram debates sobre políticas públicas formatados pela ideia de que o Estado é uma força necessária na economia e na sociedade.
Desde os anos 70, vivemos num mundo com uma linguagem política em que qualquer coisa que não possa ser descrita em termos econômicos não é considerada. Os EUA criaram um vocabulário que o resto do mundo adotou.
Penso, no entanto, que estamos próximos do fim dessa "era econômica".
(...)
Nos próximos dez anos, veremos uma renovação das discussões de políticas públicas que aceitam descrever temas sociais e iniciativas de governo sob perspectivas mais amplas, mais éticas ou políticas, se quiser. O que acontece agora nos EUA, o debate sobre o sistema de saúde, talvez seja uma das últimas consequências da onda economicista.
Mas é preciso relacionar a força que essas ideias tiveram a partir do grande economista austríaco [Friedrich von] Hayek, que inspirou boa parte das teorias econômicas nos EUA, e sua experiência política na Áustria do entreguerras.
Para ele, a intervenção estatal sempre leva à tirania política. Se você controla a economia, termina controlando a sociedade. Essas teorias econômicas ganharam força com Hayek, que atacava a social-democracia europeia, argumentando que suas políticas de intervenção e bem-estar social levariam ao fortalecimento do Estado, e isso poderia levar ao fascismo.
O que aconteceu nos EUA é que uma geração de economistas, entre eles Milton Friedman [1912-2006, Prêmio Nobel em 1976], se apropriou das conclusões de Hayek sem prestar atenção a suas razões originais.
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O antigo modelo, social-democrata, começou a parecer economicamente ineficiente.
Em segundo lugar, o modelo em que o Estado era dono dos meios de produção, no Terceiro Mundo, por exemplo, dava mostras de ser corrupto. O modelo americano era bastante sedutor, mas guardava um paradoxo. Era bem-sucedido justamente porque o dólar era a moeda padrão internacional, e os EUA podiam lidar com sua economia de um modo que nenhum outro país tinha condições de fazer.
Creio que existam grandes e longos ciclos de linguagem política hegemônica na história, dos quais ninguém consegue escapar. De meados do século 19 até os anos 20, o liberalismo clássico foi a linguagem das políticas nacionais e internacionais. Dos anos 30 aos 70, quase todos os países desenvolvidos -ou relativamente desenvolvidos- do mundo tiveram debates sobre políticas públicas formatados pela ideia de que o Estado é uma força necessária na economia e na sociedade.
Desde os anos 70, vivemos num mundo com uma linguagem política em que qualquer coisa que não possa ser descrita em termos econômicos não é considerada. Os EUA criaram um vocabulário que o resto do mundo adotou.
Penso, no entanto, que estamos próximos do fim dessa "era econômica".
(...)
Nos próximos dez anos, veremos uma renovação das discussões de políticas públicas que aceitam descrever temas sociais e iniciativas de governo sob perspectivas mais amplas, mais éticas ou políticas, se quiser. O que acontece agora nos EUA, o debate sobre o sistema de saúde, talvez seja uma das últimas consequências da onda economicista.
Um comentário:
Acabei de ver ao vivo, na TV a cabo, Obama dizendo algo como "grandes empresas não podem falir, não podemos deixar grandes empresas quebrar". Ou, em outras palavras, precisamos usar verba pública, dinheito de impostos para salvar negócios que não deram certo. Além de mandar uma mensagem não muito educativa para empreendimentos mal administrados: não se preocupem, façam o que façam, nunca os deixaremos quebrar!
Sobre a questão da saúde, para nós, não-americanos, é inconcebível não existir saúde pública universal. Mas existe, e o deles, privado, funciona melhor que muito sistema de saúde pública universal.
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