Fotos dos Uzbeques que moram no Quirguistão, na provincia de Och. Centenas de pessoas morreram nos conflitos étnicos na região. Fotos do Boston Globe.
Essa tragédia -- que mostra que regiões do mundo ainda engatinham na questão fundamental dos direitos humanos -- está acontecendo agora. Nesse exato instantes. Grupos armados matam pessoas, estupram mulheres, dizimam famílias inteiras, inclusive crianças, apenas porque as vítimas tem outra etnia. Completamente absurdo.
Tensões remontam ao período soviético e continuam latentes Estopim de conflito étnico no Quirguistão foi acendido 20 anos atrás durante um confronto muito semelhante
CHARLES CLOVER
DO "FINANCIAL TIMES", EM MOSCOU
As 300 mortes resultantes de uma semana de tumultos receberam pouca atenção mundial na época, mas os acontecimentos de 1990 colocaram as comunidades uzbeque e quirguiz em Och, uma cidade do sul do Quirguistão, em rota de fatídica colisão.
O conflito na época era por terras, privatizadas sob as reformas econômicas anunciadas um ano antes pelo líder soviético Mikhail Gorbatchov. Surgiu uma discussão na fazenda coletiva Lênin, controlada por uzbeques, e em 4 de junho de 1990 um confronto entre quirguizes e uzbeques se tornou violento.
As raízes eram tanto étnicas quanto econômicas -dada a falta de terras aráveis, as comunidades uzbeque, minoritária, e quirguiz, majoritária, entraram em choque. Nos dias seguintes, apesar da intervenção de tropas soviéticas, 300 pessoas morreram nos piores incidentes de violência registrados na região desde a década de 20.
Em cenas semelhantes às vistas na antiga Iugoslávia nos anos 1990, uzbeques e quirguizes que haviam vivido lado a lado por gerações subitamente deflagraram uma onda de sádica crueldade, e estupros grupais e execuções em massa se tornaram corriqueiros.
MEMÓRIA
Desde então, as lembranças do massacre não desapareceram e, depois de 20 anos de relativa harmonia, aparentemente não foi preciso muito para que os velhos ódios ressurgissem.
As tensões entre as duas comunidades de origem turca -que falam idiomas semelhantes e, sob o império russo, habitavam juntas uma região então conhecida como Turquestão- já existiam durante o período soviético, mas seria exagero afirmar que surgiram antes disso.
Os quirguizes e uzbeques podem ser definidos como criações artificiais dos etnologistas soviéticos, que dividiram a União Soviética em nações de forma arbitrária e altamente politizada.
Por exemplo, o vale de Ferghana, onde fica a cidade quirguiz de Och, foi dividido entre o Quirguistão, o Uzbequistão e o Tadjiquistão. Todos esses países sofreram sangrentos distúrbios no período pós-soviético.
STÁLIN
De fato, há quem argumente que a criação de nacionalidades e fronteiras nacionais nos anos 20 foi parte de uma estratégia de dividir para governar adotada pelo ditador soviético Josef Stálin (1922-1953).
De 1992 a 1997, a guerra civil entre os tadjiques resultou em 60 mil mortes. Em 2005, tropas uzbeques dispararam contra civis em Andijan, cidade localizada diante de Och, do lado oposto da fronteira, causando 187 mortes, segundo dados oficiais, ou muitas mais, segundo testemunhas do incidente.
Hoje, o nacionalismo é uma bomba-relógio que poderia explodir em uma região vista por muitos especialistas como tão propensa quanto os Bálcãs à violência étnica.
CHARLES CLOVER
DO "FINANCIAL TIMES", EM MOSCOU
As 300 mortes resultantes de uma semana de tumultos receberam pouca atenção mundial na época, mas os acontecimentos de 1990 colocaram as comunidades uzbeque e quirguiz em Och, uma cidade do sul do Quirguistão, em rota de fatídica colisão.
O conflito na época era por terras, privatizadas sob as reformas econômicas anunciadas um ano antes pelo líder soviético Mikhail Gorbatchov. Surgiu uma discussão na fazenda coletiva Lênin, controlada por uzbeques, e em 4 de junho de 1990 um confronto entre quirguizes e uzbeques se tornou violento.
As raízes eram tanto étnicas quanto econômicas -dada a falta de terras aráveis, as comunidades uzbeque, minoritária, e quirguiz, majoritária, entraram em choque. Nos dias seguintes, apesar da intervenção de tropas soviéticas, 300 pessoas morreram nos piores incidentes de violência registrados na região desde a década de 20.
Em cenas semelhantes às vistas na antiga Iugoslávia nos anos 1990, uzbeques e quirguizes que haviam vivido lado a lado por gerações subitamente deflagraram uma onda de sádica crueldade, e estupros grupais e execuções em massa se tornaram corriqueiros.
MEMÓRIA
Desde então, as lembranças do massacre não desapareceram e, depois de 20 anos de relativa harmonia, aparentemente não foi preciso muito para que os velhos ódios ressurgissem.
As tensões entre as duas comunidades de origem turca -que falam idiomas semelhantes e, sob o império russo, habitavam juntas uma região então conhecida como Turquestão- já existiam durante o período soviético, mas seria exagero afirmar que surgiram antes disso.
Os quirguizes e uzbeques podem ser definidos como criações artificiais dos etnologistas soviéticos, que dividiram a União Soviética em nações de forma arbitrária e altamente politizada.
Por exemplo, o vale de Ferghana, onde fica a cidade quirguiz de Och, foi dividido entre o Quirguistão, o Uzbequistão e o Tadjiquistão. Todos esses países sofreram sangrentos distúrbios no período pós-soviético.
STÁLIN
De fato, há quem argumente que a criação de nacionalidades e fronteiras nacionais nos anos 20 foi parte de uma estratégia de dividir para governar adotada pelo ditador soviético Josef Stálin (1922-1953).
De 1992 a 1997, a guerra civil entre os tadjiques resultou em 60 mil mortes. Em 2005, tropas uzbeques dispararam contra civis em Andijan, cidade localizada diante de Och, do lado oposto da fronteira, causando 187 mortes, segundo dados oficiais, ou muitas mais, segundo testemunhas do incidente.
Hoje, o nacionalismo é uma bomba-relógio que poderia explodir em uma região vista por muitos especialistas como tão propensa quanto os Bálcãs à violência étnica.
Um comentário:
Muito triste. Mais um caso de violência com raízes no passado que as gerações mais recentes não conseguiram ultrapassar.
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