Diversidade, Liberdade e Inclusão Social

Foto: Obama, Cameron e Helle Thorning-Schmidt


quinta-feira, 1 de maio de 2008

Comemorar o quê? - Michael Kepp



Qualquer coisa é pretexto para os brasileiros comemorarem. Uma filha tem um papel de uma frase só numa peça escolar e, quando a cortina cair, a família inteira celebra num restaurante. Um gol de um time já qualificado para as finais faz uma arquibancada inteira soltar fogos e tremular bandeiras. Churrascos homenageiam os santos católicos mais obscuros. Descobri esse costume na minha festa de despedida, dias antes de me mudar da Califórnia para o Rio. Às 4h da manhã, os únicos convidados que ficaram, três cariocas, estavam batucando em panelas na cozinha. Por quê? "Para celebrar uma grande festa", um deles me disse. Foi meu primeiro "bem-vindo ao Brasil". O ano-novo chinês, celebrado no bairro da Liberdade (SP), atrai hordas de não-chineses, assim como as paradas gays reúnem legiões de heterossexuais. Na última parada gay em Niterói, cidade de 460 mil habitantes, mais de 100 mil pessoas compareceram. Quem aqui dispensa uma festa de rua? Os brasileiros comemoram para criar um sentimento de comunidade. A música é elemento catalisador. Na Olimpíada de 2004, em Atenas, torceram por seus times de vôlei de praia dançando ritmos baianos, transformando a arquibancada num bloco dançante. Os blocos de rua do Carnaval são igualmente contagiosos, transformando os paradões em foliões. E as platéias que acompanham os cantores em shows reúnem muitas vozes em uma -o que faz artistas de outras terras se sentirem em casa. Essa postura inclusiva leva outros povos à reciprocidade. Uma vez, enquanto tentava pedir comida em português numa pizzaria de Roma, um grupo próximo me perguntou de onde eu vinha. Para evitar a reação que recebia ao dizer "dos Estados Unidos", eu disse "do Brasil", e o grupo todo soltou um grito de "brasiliano!" e me convidou a me juntar a eles. Os americanos comemoram com menos freqüência e intensidade porque esse espírito não está no sangue nem no calendário. Têm menos feriados e festejos do que os brasileiros. Suas festas são menos inclusivas. Nos EUA, aniversários infantis são para crianças, não para toda a família e amigos, como aqui. Turistas americanos em restaurantes brasileiros acham o costume de cantar o "parabéns" intrusivo. Também não entendem por que, às vezes, pessoas de outras mesas, que nem conhecem o aniversariante, juntam-se ao coro. No Brasil, a inclusiva passagem de ano reúne ricos e pobres nas praias para ver os fogos. Depois do show do ano passado, eu e minha mulher fomos atraídos a um dos quiosques, onde casais dançavam ao som das marchinhas de uma banda. No quiosque, onde pedi uma cerveja, o barman recusou meus reais e disse que era uma festa particular. Mas, em vez de nos excluir, ele nos serviu saideiras sem fim, o que nos manteve dançando até de madrugada. Afinal, os brasileiros não têm em seu DNA nada que abrevie uma comemoração, especialmente uma que não termina até as pessoas aplaudirem o nascer do sol.




MICHAEL KEPP , jornalista norte-americano radicado há 25 anos no Brasil, é autor do livro de crônicas "Sonhando com Sotaque - Confissões e Desabafos de um Gringo Brasileiro" (ed. Record)

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