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Foto: Obama, Cameron e Helle Thorning-Schmidt


segunda-feira, 26 de maio de 2008

O Tempo e o Lugar

O ex-militante do MST, Genivaldo Vieira da Silva, protagoniza O Tempo e o Lugar, dirigido por Eduardo Escorel, que publicou, na Folha de hoje, o artigo abaixo.


Um raro tipo de herói


Eduardo Escorel


"O Tempo e o Lugar" é o documentário que resultou do encontro improvável entre um agricultor e um cineasta. Eles se conheceram há 12 anos e voltaram a se encontrar, no ano passado, para fazer o filme agora em exibição. Genivaldo Vieira da Silva, de 52 anos, é esse agricultor familiar da região semi-árida de Alagoas. O depoimento dele trata do seu período de militância e também da sua família, composta pela mulher, Lia, duas filhas e quatro filhos, o mais velho em conflito com o pai, por divergências políticas. Tendo atuado na Pastoral da Terra por dez anos, Genivaldo pregou a Bíblia, organizou mutirões, oficiou casamentos e batizados. Fez parte do MST por cinco anos, movimento do qual foi expulso, depois de ter liderado saques a supermercados e participado de ocupações de terra. Militou no PT, partido pelo qual foi candidato derrotado a prefeito e do qual também foi expulso por ter feito uma aliança com antigos adversários. Lançado no último festival "É Tudo Verdade", "O Tempo e o Lugar" tem provocado algumas reações recorrentes nos debates posteriores às projeções. Jovens espectadores, sempre sentados na primeira fila, fazem questão de se manifestarem antes dos demais, indignados com o que é dito sobre o MST. Assim, a discussão tende a se concentrar nesse tema, como se o documentário fosse sobre o MST ou pretendesse fazer uma avaliação genérica e atemporal a respeito da sua atuação. Qual o motivo dessa polarização? Por que há essa dificuldade de ouvir as críticas ao MST, feitas por um ex-militante? Em parte, essa situação resulta de uma falha de percepção bastante freqüente. Documentários costumam ser usados para tratar de temas externos a eles mesmos, sem levar em conta a forma narrativa. São vistos como mero pretexto para o debate de questões gerais que extrapolam os limites dos assuntos que abordam. "O Tempo e o Lugar", como o título sugere, trata de resgatar a trajetória de um agricultor específico, em uma época e região determinadas. Procura, dessa forma, salvar do esquecimento uma história incomum, pouco conhecida fora do âmbito regional. Genivaldo militou no MST em Alagoas, entre o final da década de 1980 e início dos anos 1990. Durante os governos de José Sarney e Fernando Collor, portanto. Entre outras coisas, ele denuncia a subordinação às decisões tomadas no Sul do país por lideranças que desconheciam as condições específicas do seu Estado (no Nordeste), a falta de assistência dada pelo MST aos assentados, o propósito de sacrificar a própria vida dos militantes em nome da causa. As críticas que Genivaldo faz são duras. Tornadas públicas, ele e o documentário estão sujeitos a serem contestados. Quanto a isso, não há o que objetar. Quem tiver conhecimento e capacidade para fazer retificações, que as faça. Por enquanto, foram feitas apenas algumas suposições infundadas. Na tentativa de minar a credibilidade de Genivaldo, ele chegou até a ser criticado por confundir a localização exata da cidade em que recebeu treinamento de guerrilha. Não são essas, no entanto, as questões que têm dominado os debates. O que tem ocorrido é outra coisa: há uma recusa sistemática, um verdadeiro bloqueio, impedindo que se ouça e se reflita sobre o que é dito. Uma jovem, em São Paulo, chegou a questionar a conveniência de trazer a público a história de Genivaldo. Um rapaz disse que as críticas dele ao MST adquirem um peso maior por que "o documentário é bom". Fica claro que a visão desses debatedores é ofuscada por suas simpatias políticas. Rejeitando o depoimento de um ex-militante, demonstram a fragilidade das suas convicções. São incapazes de se interessar por uma experiência de vida concreta, pouco usual e extremamente reveladora. É sintomático que os simpatizantes do MST não sejam permeáveis ao relato feito por Genivaldo, preferindo que não fosse divulgado. Ao assumir essa atitude, o que estão propondo, no fundo, é um ato de omissão. Talvez preferissem que ele tivesse sido assassinado, como tantos agricultores e lideranças populares, e transformado em mártir. Mas, nesse caso, não foi o que ocorreu, e Genivaldo pôde se tornar um tipo raro de herói. Porque, à diferença dos heróis trágicos, como João Pedro Teixeira, personagem de "Cabra Marcado para Morrer", Genivaldo está vivo e é contraditório. Como todos nós.

Artigo de EDUARDO ESCOREL, 62, cineasta, produziu e dirigiu, entre outros filmes, o documentário "O Tempo e o Lugar". Como montador, atuou ao lado de diretores como Glauber Rocha ("Terra em Transe") e Eduardo Coutinho ("Cabra Marcado para Morrer"), entre outros.

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