No final do ano passado, no auge da campanha pela aprovação da emenda que prorrogaria a cobrança da CPMF, o presidente Lula apelou para Raul Seixas na hora de explicar por que tinha uma opinião sobre o imposto quando estava na oposição e outra no governo: "Prefiro ser uma metamorfose ambulante". Se não tivesse morrido em 1989, ano em que Lula concorreu pela primeira vez à presidência da República, Raulzito ia adorar essa pequena ironia do destino. Com versos que propõem um desbundado anarquismo à brasileira, Metamorfose Ambulante é também uma grande pegação no pé da dureza de cintura da esquerda clássica: "Quero dizer/ Agora o oposto do que eu disse antes/ Eu prefiro ser/ Essa metamorfose ambulante/ Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo". Se existem músicas "antípodas", Metamorfose Ambulante talvez faça parzinho com Opinião: "Podem me prender/ Podem me bater/ Podem até deixar-me sem comer/ Que eu não mudo de opinião", canção de Zé Keti que deu nome ao musical que se tornou símbolo de protesto contra o golpe de 64. Assumir uma mudança de idéia é um gesto que não costuma ser muito bem visto, principalmente no mundo da política - onde as refletidas correções de rota e o puro e simples oportunismo muitas vezes se confundem aos olhos da opinião pública. No futebol, então, nem se fala: o vira-casaca é perseguido com mais fúria do que as feiticeiras no tempo da inquisição. Mas morrer abraçado a todas as suas convicções, da marca de pasta de dente à inclinação ideológica, também pode ser um mau sinal, um grave sintoma de inflexibilidade e, no limite, até de burrice. Talvez mais valiosa que uma "resolução" de fim de ano seja uma "revisão" periódica das certezas absolutas. É mais ou menos isso o que propôs o site Edge (www.edge.org), mantido por uma fundação que reúne cientistas, escritores e pensadores do mundo todo em uma espécie de clube informal de reflexão sobre assuntos contemporâneos. Todos os anos, desde 1998, o site lança uma pergunta para os seus "sócios", entre eles o escritor Ian McEwan e o cientista Richard Dawkins, e os artigos-respostas são reunidos em livros (no site você encontra os volumes com as respostas dos anos anteriores, "Qual a sua idéia potencialmente perigosa?", de 2006, e "Sobre o que você ainda é otimista?", de 2007). A pergunta de 2008 é a seguinte: "Sobre o que você mudou de idéia recentemente?". Com um complemento provocador: "Quando Deus faz você mudar de idéia, isso é fé. Quando os fatos fazem você mudar de idéia, isso é ciência. Quando a reflexão faz você mudar de idéia, isso é filosofia." No texto em que fala sobre a sua "mudança de idéia", o biólogo Richard Dawkins (autor do best-seller Deus, um Delírio) afirma que, ao contrário dos políticos e dos torcedores, cientistas ganham pontos quando viram a casaca com alguma freqüência. Se um cientista não consegue lembrar de nenhum tópico importante sobre o qual mudou de opinião ao longo da carreira, é provável que seus colegas o vejam como um cabeça-dura - regra que provavelmente vale para todas as profissões e também para a vida cotidiana. Então, sobre o que você mudou de idéia recentemente?
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