O Foro de São Paulo foi criado em 1990 como uma resposta de grupos de esquerda latino-americanos ao fim do comunismo – e agora, ao que tudo indica, está querendo ver seu renascimento. O tema da XIV edição do foro, que começou na quinta-feira, dia 22, e vai até domingo, dia 25, em Montevidéu, no Uruguai, é “A esquerda de América Latina e Caribe no Novo Tempo – A riqueza e a diversidade”. A cúpula do foro está convencida de que a esquerda da região venceu uma etapa – a de encontrar um lugar no mundo depois da derrocada da União Soviética.
Por isso, no documento de convocação para o evento em Montevidéu (que pode ser encontrado no site do PT) fala-se no “relançamento do foro”. O texto diz o seguinte: “Que as organizações integrantes do FSP que estão no governo em nível nacional ou regional façam um esforço para conceituar suas conquistas, coordenar suas ações em diferentes níveis, buscar objetivos comuns e transmitir em diferentes e permanentes formas suas experiências aos que lutam para ascender a funções governamentais.”
Essa diretriz fica mais clara quando se observa o sentimento geral que prevalece nas rodinhas de conversa nos corredores do encontro em Montevidéu. Os participantes estão extasiados com o fato de que as organizações políticas de que fazem parte estão no governo de quase metade dos países da América Latina. O objetivo para eles, agora, é dominar o resto. O assustador nesta meta é o tipo de esquerda que a cúpula do foro prefere ver no poder: a ênfase não está em administrações responsáveis como a da presidente chilena Michelle Bachelet (cujo partido também participa do evento), mas em regimes populistas e estatizantes como o de Evo Morales, na Bolívia, e Rafael Correa, no Equador.
Bastante revelador foi o discurso do secretário-geral do PT, José Eduardo Cardozo, na cerimônia de abertura do Foro de São Paulo, na noite de ontem, dia 23. Alguns trechos:
“O neoliberalismo perdeu espaço. Nós avançamos, estamos em outro patamar. O PT quer reafirmar seu compromisso com esse foro. Temos a mais absoluta clareza que nossos adversários tentarão nos desunir. Temos a mais absoluta clareza que nossos adversários ideológicos e políticos tentarão nos desintegrar, porque sabem a força do momento que estamos vivendo. Queremos reafirmar: eles não conseguirão nos desunir. Permaneceremos unidos, combatendo o neoliberalismo.”
“É preciso apoiar o governo Evo Morales, na Bolívia. Esse governo tem pela frente uma difícil jornada no referendo convocatório. E nós temos que estar juntos, lutando pela defesa desse governo. Toda solidariedade e todo apoio ao governo [do paraguaio Fernando] Lugo.”
“Temos que combater com muito rigor as iniciativas criminosas de privatização do petróleo no México. (...) O petróleo é dos mexicanos!”
“A solidariedade a Cuba, meus companheiros, é mais importante do que nunca. Não podemos perder a referência histórica e simbólica que representa Cuba para todos nós.”
O discurso de Cardozo, em sintonia com os dos outros oradores da noite, revela alguns dos principais elementos que definem o foro:
A obsessão com o neoliberalismo – Segundo os participantes do foro, a América Latina é o que é hoje – pobre e irrelevante para o resto do mundo – por culpa das políticas de privatizações e de responsabilidade fiscal implementadas na década de 90 e pela ingerência americana nos assuntos internos dos países da região (leia abaixo). O ódio ao neoliberalismo é um recurso cômodo para os ideólogos do foro porque serve para qualquer coisa, mas não vai no cerne da questão. Este seria, na visão do historiador peruano Álvaro Vargas Llosa, o seguinte: as reformas liberais fracassaram na América Latina simplesmente porque foram incompletas, não por estarem equivocadas a priori. Segundo Vargas Llosa, em alguns países, por exemplo, as privatizações foram mal feitas e apenas substituíram o monopólio estatal pelo privado.
O antiamericanismo – Para a cúpula do foro, seus verdadeiros adversários não são os partidos de direita, mas os Estados Unidos. A tese é de que, se não fosse pelo desinteresse político que os americanos demonstraram pela região após a queda da União Soviética, a esquerda jamais teria chegado ao poder em muitos países latino-americanos. Os participantes do foro também estão convencidos de que os Estados Unidos continuam sendo uma ameaça e que por isso a esquerda precisa se unir. Disse Carlos Gaviria, ex-candidato à presidência colombiana, em seu discurso na cerimônia de abertura: “Estamos diante do império mais poderoso que a humanidade conheceu”. Na entrevista a VEJA, na quinta-feira, o secretário-executivo do foro Valter Pomar disse que, para fazer frente a esse império, é preciso “integrar a região latino-americana entre si”, em vez de aliar-se (leia-se: assinar tratados comerciais) com os americanos. No documento de convocação, a falecida Alca (Área de Livre Comércio das Américas) é apresentada como uma “nova forma de colonização e predomínio estadunidense de norte a sul do continente”. Por todo o documento há referências críticas aos Estados Unidos. Alguns exemplos: “a extrema periculosidade do Plano Colômbia, que é parte do orçamento federal dos Estados Unidos”, “a agressão de Colômbia a Equador, efetuada com premeditação e aleivosia mediante elementos de alta tecnologia fornecidos pelos Estados Unidos” e “persistentes agressões imperialistas”.
A solidariedade à ditadura comunista cubana – O discurso de encerramento da cerimônia de abertura – e o mais longo, também – foi feito por Fernando Ramírez, secretário de relações internacionais do Partido Comunista cubano. Sua fala foi permeada por gritinhos entusiasmados vindos da platéia e terminou, sob aplausos, com um retumbante “Viva la revolución! Viva el socialismo! Hacia la vitória, siempre!”.
O foro é um espaço de influência do PT na América Latina – O que o PT tem a ver com as privatizações no México, mesmo? Fundador do Foro de São Paulo, o partido brasileiro desde o início o utilizou para ganhar projeção e influência regional. A estrutura do Grupo de Trabalho (uma espécie de cúpula ideológica do foro) reflete isso. Com a palavra, Valter Pomar: “O Foro de São Paulo não é um conjunto orgânico. Como o próprio nome diz, é um foro que se reúne uma vez ao ano. Temos um Grupo de Trabalho composto por partidos de dezesseis países – basicamente aqueles em que, ao longo dos últimos dezoito anos, a esquerda se consolidou mais ou já tinha alguma força antes. A instituição permanente do Foro de São Paulo, portanto, é o Grupo de Trabalho. Os partidos que o compõem mudaram ao longo dos anos, mas o PT e o Partido Comunista cubano sempre fizeram parte. O Grupo de Trabalho se reúne uma vez a cada quatro ou cinco meses. O Grupo de Trabalho, no segundo ou terceiro foro, não me lembro bem, resolveu constituir uma secretaria-executiva, que é ocupada desde o inicio pelo PT. E o PT convencionou que a função deve ficar a cargo do secretário de relações internacionais do partido.”
Os representantes do PT no foro não se preocupam em defender os interesses brasileiros no exterior – A referência a Evo Morales e a Fernando Lugo são claras. Ambos têm como bandeira o nacionalismo energético, contra os interesses brasileiros. O documento de convocação do foro vai além: “A oligarquia de Santa Cruz [na Bolívia] e outros departamentos limítrofes organizam febrilmente um referendo ilegal, de caráter abertamente separatista, que aponta à divisão do país e à perda de sua unidade territorial com o propósito de manter em suas mãos a riqueza em hidrocarbonetos e gás e a grande propriedade latifundiária.” Primeiro, há nesse trecho uma distorção da realidade. O referendo de Santa Cruz, em que ganhou o “sim”, pedia para o departamento uma autonomia administrativa semelhante à que os estados têm no Brasil. Não tem nada a ver com separatismo. Segundo, o texto demonstra o desprezo do foro pelos bem-sucedidos produtores rurais de Santa Cruz, a esmagadora maioria deles brasileiros.
A reunião é um saco de gatos – A preocupação de Cardozo com a desunião dos membros do foro faz sentido: além do ódio irracional ao neoliberalismo, do antiamericanismo e da solidariedade à ditadura cubana, não há muitas outras idéias que unam os participantes do encontro. Há, por exemplo, o caso do Chile, que tem no foro um partido que está no comando do país e outro que lhe faz oposição. O secretário-executivo do Foro de São Paulo, o petista Valter Pomar, chamou a isso de “pluralidade” na entrevista que concedeu a VEJA, no primeiro dia do evento: “Se você me perguntar: o Foro de São Paulo é socialista? Vou dizer: não. O Foro inclui partidos de esquerda, com certeza, e muitos deles são socialistas. Outros são progressistas, que não escrevem o socialismo como tal em sua sigla. A idéia é de nos agruparmos com muita pluralidade, com uma crítica muito forte do neoliberalismo e na busca por uma alternativa.”
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