Esta é a Era da Não-Polaridade, que sucede a recente, unipolar (os EUA como potência única), que sucedeu a da bipolaridade (quando ainda existia a União Soviética) e assim por diante. Quem criou a expressão e defende esse novo passo da História é Richard N. Haass, presidente do Council on Foreign Relations, de Nova York, um dos mais influentes centros de política externa dos EUA. Autor de dez livros sobre política externa norte-americana -sendo o mais recente "The Opportunity: America's Moment to Alter History's Course" (a oportunidade - o momento de os EUA alterarem o curso da história)-, Haass, 56, foi presidente do escritório de Política e Planejamento do Departamento de Estado entre 2001 e 2003, braço direito do então secretário de Estado Colin Powell e trabalhou em diversos cargos no governo de George Bush pai (1989-1993). Leia os principais trechos de sua conversa com a Folha.
FOLHA - O que levou ao que o sr. chama de Era da Não-Polaridade?
FOLHA - O que levou ao que o sr. chama de Era da Não-Polaridade?
RICHARD N. HAASS - Era inevitável que alguns Estados ficassem mais eficientes e mais produtivos e, conforme isso aconteceu, esses Estados acumularam muita riqueza. Estamos vendo isso acontecer na Índia, na China, no Brasil. Com o tempo, a força econômica acaba sendo traduzida para outras formas de poder e influência. Isso é o primeiro fator. O segundo é a globalização, que dilui e enfraquece o poder de algumas nações, pois, por conta dela há muitos aspectos do mundo que os países não podem controlar. Ela torna possível que os atores não-estatais tenham mais acesso a recursos, o que tanto reflete quanto contribui para a não-polaridade. Por último, os EUA aceleraram o surgimento dessa nova era da história por conta de alguns erros que cometeram em suas políticas interna e externa. A decisão de ir à guerra no Iraque, a falta de compreensão da política energética, o gerenciamento da economia do país, todos esses problemas se juntaram e viraram um grande problema que enfraqueceu o país. Assim, foi a combinação de problemas estruturais, históricos e políticos levou o país e o mundo a essa nova era.
FOLHA - A não-polaridade viria mesmo sem esse erros?
HAASS - Sim, mas não tão rápido. Era inevitável que o mundo entrasse em uma era não-polarizada, mas tudo aconteceu mais rápido e de forma mais traumática do que teria sido se os EUA não tivessem errado tanto politicamente.
FOLHA - O próximo presidente dos EUA será o primeiro "não-polar", digamos assim. O que muda em seu trabalho?
HAASS - Primeiro, ele terá de lidar com um mundo mais complicado, com desafios consideráveis para os EUA, um mundo que os EUA não vão conseguir dominar ou controlar, que precisarão de alianças em tudo o que quiserem fazer internacionalmente. Acima de tudo, será um mundo em que a força militar será apenas um instrumento da força norte-americana, não o fator definidor. Além disso, o próximo presidente terá de lidar com esse novo mundo ao mesmo tempo em que o país enfrenta problemas tanto militares quanto econômicos e domésticos. Ouso dizer que os desafios do 44º presidente norte-americano serão incríveis.
FOLHA - E quem é que o sr. vê mais bem preparado entre os três candidatos presidenciais atuais?
HAASS - Eu não vou cair nessa armadilha [risos]. E a eleição não acontece até novembro, acho que vamos conhecer muito mais a respeito dos candidatos até lá. Ainda assim, não importa o quanto você conhece a respeito de uma pessoa enquanto ela é candidata, não é possível aprender tudo nem prever como ela vai se comportar quando estiver no Salão Oval [gabinete do presidente dos EUA]. Ou seja, sua pergunta não é difícil, é impossível.
FOLHA - Coloquemos da seguinte maneira: um republicano ou neoconservador saberá se comportar como presidente dos EUA nesse novo mundo?
HAASS - A não-polaridade não é uma opção política, mas uma realidade. Não importa quem seja o próximo presidente, este é o mundo que ele ou ela vai encontrar. Você pode escolher sua política, mas não pode escolher sua realidade. Como o próximo presidente e como o próximo Congresso vão lidar com isso não é questão de visão ou escolha, mas de reação.
FOLHA - Qual será o papel dos EUA nesse nova era?
HAASS - Os EUA ainda são o Estado mais poderoso nessa nova era, mas mesmo assim podem fazer muito pouco sozinhos. Por isso precisam de aliados. O grande desafio para os EUA é construir coalizões internacionais para lidar com os conflitos regionais e globais. O país ainda tem o papel de um líder ativo, mas precisa exercer esse papel junto de outros parceiros, pois não tem mais o poder de fazer tudo sozinho.
FOLHA - E o papel do Brasil e, num sentido mais abrangente, dos BRICs (acrônimo para Brasil, Rússia, Índia e China) e de outras economias emergentes? HAASS - Países como o Brasil terão cada vez mais importância nesse novo mundo. Não são mais simplesmente potências regionais, mas globais. O Brasil, por exemplo, será central na hora de resolver o problema das mudanças climáticas e na questão do comércio exterior. Será fundamental nas ações para promover a ordem na América Latina. É o país potencialmente mais importante como parceiro dos EUA na questão de construir instituições regionais e agir em respostas rápidas aos desafios locais.
FOLHA - Há muitas teorias que dizem que os EUA estão em declínio e que a China seria a próxima superpotência. Por que o sr. discorda dessa tese?
HAASS - Os EUA são e vão continuar sendo a economia mais forte do mundo, de maior poderio militar, nesse caso ainda maior do que hoje. O que vai acontecer é que outros países também vão ficar mais poderosos. A posição dos EUA em relação aos outros pode cair, mas não sua força absoluta. Também não acredito numa "troca de guarda" de elenco na mesma peça do mundo unipolar, com a China ou outro país qualquer tomando o lugar dos EUA. Entramos em uma nova era da história, em que nenhum país poderá dominar o resto do mundo. Nem os EUA, nem a China, nem a Índia, nem a Rússia, nem o Japão, nem a Europa, nem o Brasil. O mundo de hoje não será dominado por nenhuma força única.
FOLHA - O sr. reforça muito também a participação do que chama de atores não-estatais, como fundações. Há "superpotências" entre esses atores?
HAASS - É uma questão interessante. Existem atores não-estatais muito importantes na questão das relações internacionais, como a Al Qaeda. É um ator significativo no mundo do terrorismo e por isso requer esforços de segurança. A autoridade de negócios de Abu Dhabi é cada vez mais um ator significativo no mundo dos investimentos, por exemplo. Uma organização como a Fundação [Bill e Melinda] Gates é um ator significativo na saúde pública. Os atores não-estatais tendem a ter um papel limitado a apenas um aspecto das relações internacionais, mas, dentro dele, podem ser extraordinariamente importantes.
FOLHA - Países têm entidades como a ONU ou a Organização dos Estados Americanos. Qual seria o fórum de negociação dos não-países?
HAASS - Não acho que o mundo vá dar uma cadeira para a Fundação Gates ou para o braço financeiro de Abu Dhabi, por exemplo, na Assembléia Geral da ONU. O que eu vejo acontecer são encontros isolados, consultas em que esses atores não-estatais são participantes ativos. Será um jeito de se comunicar menos formal, mais fluido e prático. O que será muito mais eficaz para as relações internacionais, porque essas organizações só serão chamadas a participar quando forem realmente relevantes na resolução de um problema.
Nenhum comentário:
Postar um comentário