A PEC dos precatórios
O governo desapropria um terreno a fim de realizar uma obra; o proprietário não se satisfaz com o valor oferecido, aciona a Justiça e tem reconhecido, em decisão da qual já não cabe recurso, o direito de receber do erário a quantia demandada.Eis exemplo clássico de precatório, termo que designa esse gênero de obrigações financeiras da administração pública para com cidadãos ou empresas -outro tipo muito comum de precatório são direitos salariais de servidores ou aposentados reconhecidos pelo Judiciário.
O assunto é objeto de um impasse de duas décadas, que a democracia brasileira lamentavelmente ainda não conseguiu resolver. Apesar de os precatórios constituírem obrigações inapeláveis, governos municipais e estaduais, alegando insuficiência de fundos, não os liquidam em tempo hábil. Por conta disso, uma montanha de dívida judicial foi se acumulando com os anos.
Se decidisse quitar todos seus precatórios em um ano, o Estado do Rio, por exemplo, teria de destinar para esse fim R$ 28 de cada R$ 100 que entrassem em seus cofres. São Paulo, Estado onde o estoque dessas dívidas judiciais equivale a 23% da receita anual, não fica muito atrás.
A Constituição de 1988 deu oito anos para os governos estaduais e municipais liquidarem seus precatórios. Como a situação não melhorou, em 2000 uma emenda à Carta concedeu mais uma década de prazo. Mas o problema continua, como atesta o fato de o pagamento dos precatórios estaduais paulistas ditos alimentares -referentes a salários, aposentadorias, pensões etc.- não ter avançado além das dívidas contraídas até 1998.
Agora uma nova proposta de emenda constitucional sobre o tema tramita no Congresso. Pela primeira vez prevê-se um mecanismo para obrigar os governos a reservarem, todo ano, uma fatia de seu orçamento destinada exclusivamente ao pagamento de precatórios. Outra inovação bem-vinda é a norma que dá preferência a idosos no recebimento dessas obrigações -a espera é tanta que milhares de brasileiros morrem antes de receber a quantia a que faziam jus.A Ordem dos Advogados do Brasil, no entanto, lidera reação veemente à proposta, que já foi aprovada no Senado e começa a ser analisada na Câmara. Uma das principais críticas recai sobre a mudança na fila do pagamento, a qual hoje respeita a ordem cronológica das decisões judiciais que geraram cada precatório e passaria a obedecer a um critério de valor: seriam quitadas na frente as dívidas menores e por último as maiores.Outro ponto de atrito é a previsão de leilões de dívida, presente no projeto. Os detentores de precatórios que quisessem receber na frente dos outros ofereceriam um desconto ao governo; os que propusessem os maiores abatimentos seriam contemplados.Esses dois aspectos, que são de óbvio interesse dos governos estaduais e municipais, podem ser negociados e modificados no Congresso sem que se perca o cerne da proposta -e a oportunidade de dissolver, de vez, o impasse dos precatórios.
Editorial da Folha de hoje.
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