Foto premiada pelo Unicef em 2008 mostra menina junto com porcos, atrás, em favela localizada em bairro pobre de Porto Príncipe, no Haiti
Pandemia e o planeta de favelas
Do Global Viewpoint
Mike Davis, que recebeu o prêmio "gênio" da MacArthur, é autor de "The Planet of Slums" (O planeta de favelas). O texto a seguir é uma adaptação de uma entrevista concedida ao editor do "Global Viewpoint Network", Nathan Gardels.
Usando definições conservadoras do departamento de Habitat da ONU, há hoje 1 bilhão de pessoas morando em favelas no mundo todo. Uma favela é definida por uma moradia abaixo do padrão, com título de propriedade incerto e ausência de um ou mais serviços urbanos ou de infraestrutura -tratamento de esgoto, encanamento, água limpa, eletricidade, pavimentação e assim por diante.
Apesar de apenas 6% da população urbana de países desenvolvidos morar nessas condições, a população favelada constitui impressionantes 78,2% da população urbana em países menos desenvolvidos -um terço da população urbana global.As cidades do futuro, em vez de serem de aço e vidro como previram as gerações anteriores de urbanistas, são em grande parte construídas de palha, barro, plástico reciclado, blocos de cimento e pedaços de madeira. Grande parte do mundo urbano do século 21 se amontoa na sujeira, cercada por poluição, excremento e decomposição. De fato, os 1 bilhão de habitantes das favelas pós-modernas podem olhar para trás com inveja das ruínas das casas de barro sólidas de Catal Huyuk em Anatólia, erguidas no alvorecer da vida urbana há 9.000 anos.O que torna as favelas de hoje diferentes dos cortiços de Dickens em Londres no século 19 é que são peri-urbanas -ou seja, a maioria fica nas periferias das cidades, nem no campo nem na cidade, em geral a cerca de 35-45 km do centro.Essas vastas zonas periféricas que se vê na China, Indonésia e pela América Latina abrigam não apenas migrantes rurais, mas pessoas sendo expulsas da cidade pela evicção ou pelo aumento dos aluguéis.Não apenas as favelas de hoje são maiores do que no século 19, também são mais densas. Apesar de serem estruturas baixas, os espaços são minúsculos com muitas pessoas morando em cada barraco. São construídas desordenadamente ao longo de vielas estreitas e não contam com as grades de ruas amplas do centro da cidade. Um pequeno fogo pode se espalhar e destruir 1.000 unidades de habitação em 15 ou 20 minutos. Doenças infecciosas viajam rapidamente em tal ambiente.As favelas como faixas de assentamentos contíguos são maiores na América Latina - a maior sendo a do limite sudeste da cidade do México.Há padrões similares de assentamentos nas periferias de Bogotá, Colômbia, e Lima, Peru. Mumbai tem as maiores favelas do sul da Ásia, com 500.000 habitantes. Entretanto, em geral, o padrão no subcontinente é mais fragmentado e menos contíguo, como vemos em Dacca, Bangladesh, onde um mar de pobreza cerca enclaves de classe média.Na África, vemos megafavelas em Lagos, na Nigéria. Gaza, na Palestina, é uma das maiores favelas do mundo. A Cidade de Sadr, em Bagdá, não é apenas uma das maiores, mas também uma das mais novas, cheia de refugiados xiitas de quando Saddam secou os brejos do sul. Port au Prince, no Haiti, não é uma cidade particularmente grande, mas é cercada pelas megafavelas de Bel Air e Cite Soleil.Há quinze anos, biólogos como David Baltimore, prêmio Nobel e ex-presidente da Caltech, já reconheceram que a globalização estava mudando a ecologia das doenças infecciosas. Uma das formas que a ecologia mudou é que, com as condições das favelas, as fontes alimentares estão concentradas em condições não sanitárias em número maior e em maior densidade do que em qualquer tempo na história da humanidade. O saneamento é uma questão enorme -talvez a maior- nas favelas, onde a água limpa e os banheiros devem ser compartilhados por milhares de pessoas. Do esgoto da América Latina, 90% segue sem tratamento para riachos e rios.Em Mumbai, mulheres se unem para irem aos banheiros públicos entre 2h e 5h da manhã, para terem privacidade e evitarem ataques sexuais.Nairóbi é um pesadelo sanitário.Em Kinshasa, Congo, a única forma que as pessoas encontraram para sobreviver ao colapso do Estado e da economia foi trazendo a agricultura para a cidade. Há galinhas ciscando e animais pastando em toda parte. Esse tipo de condição transforma toda a ecologia da doença, apressando a transmissão entre animais e permitindo o salto para humanos, criando elos e cadeias causais que não existiam antes.Um exemplo: a urbanização na África Ocidental aumentou a demanda por proteína. Ao mesmo tempo, empresas europeias expulsaram os pescadores das zonas tradicionais de pesca, que forneciam a maior parte da sua proteína. Sem os peixes como fonte de proteína, as pessoas se voltaram para o mercado de carne de caça dos grandes países desmatadores, como o Gabão. Essa demanda por carne de caça, como de macaco e chimpanzés, quebrou para as doenças todas as barreiras biológicas de espécies. As pessoas estão comendo mamíferos selvagens que carregam doenças exóticas como o vírus ebola o HIV.Estudos recentes mostraram que o que o HIV precisava para obter massa crítica e se tornar uma pandemia mundial era de Kinshasa - um meio de cultura. As pessoas no campo vinham pegando HIV dos chimpanzés por um longo tempo, mas o vírus morria rapidamente antes de ser amplamente transmitido.Pelas conexões atuais de imigração, viagem e transporte, as doenças encubadas em tais condições propícias se tornam globais.
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