Nada de Vinho, Nada de Cerveja, Nada de Polenta, Nada de Indústria.
O professor e historiador Mario Maestri fez uma análise bem interessante e engraçada sobre o que seria a República do Pampa, hoje, caso os farrapos e republicanos tivessem vencido a guerra dos farrapos.
Esse texto foi publicado no Caderno de Cultura da ZH do último sábado e está
aqui na íntegra.Abaixo apenas pincei algumas partes do artigo do professor Maestri.
O leitor Adão Nunes comentou a respeito deste assunto no post sobre o nosso bom churrasco paulista.
As Fronteiras do Páis Farroupilha
Porém, é mais provável que a jovem república tivesse seus limites nos rios Jacuí-Ibicuí, permanecendo brasileiros Porto Alegre e todo ou parte do norte da antiga província de São Pedro. A população livre da capital libertou-se e resistiu às tropas farroupilhas, apoiada ativa ou passivamente pela comunidade colonial-camponesa alemã, que nada tinha a ganhar e muito a perder com os republicanos da Campanha. Pela indômita resistência, Porto Alegre, três vezes cercada e bombardeada pelos farroupilhas, ostenta, hoje, no seu brasão, a consigna de “leal” – ao Império – e “valorosa” – diante dos republicanos.
Os republicanos derrotados de 1845 só voltaram a adentrar simbolicamente os muros de Porto Alegre, um século e alguns dedos mais tarde, quando os neofarroupilhas e sua cavalhada passaram a acampar, na capital, sem qualquer ensaio de resistência, cada mês de setembro, enlameando e bostejando, respectivamente, o chão do Parque Harmonia e a memória já quase perdida da heroica resistência porto-alegrense às tropas dos latifundiários.
A República do Pampa possuiria população diminuta e de perfil étnico diverso que o atual. Como no resto do Brasil, os grandes proprietários fundiários sulinos sempre se opuseram ao assentamento de camponeses. A imigração alemã não seria retomada, com a fundação de Santa Cruz [1847], e as quatro colônias italianas imperiais [1875] seriam desviadas para territórios brasileiros. A república latifundiária não conheceria o impulso demográfico e a acumulação de capitais permitidos pela proliferação de economias familiares nascidas da vaga colonial-camponesa europeia. Portanto, nada de vinho, nada de cerveja, nada de polenta, nada de indústria!A própria economia pastoril conheceria forte golpe com a secessão. Sem o apoio das províncias centrais brasileiras, o tráfico de trabalhadores escravizados seria abolido, sob a pressão inglesa. As fortes perdas de cativos para o Uruguai, durante a guerra de independência, seriam repostas com dificuldade e a necessidade de fortalecer os exércitos pampianos levaria à abolição da escravatura, como nas repúblicas vizinhas. Um ponto para os republicanos! A produção charqueadora-pastoril sofreria com a falta de mão de obra para ser explorada.
Os fazendeiros farroupilhas do norte do Uruguai, entre eles o general Netto e Francisco Pedro de Abreu, se submeteriam comportados às leis da nação vizinha, ou seriam expulsos a patadas, pelo presidente blanco, como Atanásio Aguirre, pois não poderiam esconder-se sob a bandeira dos exércitos imperiais, como fizeram em 1851 e 1865. O estrangulamento da imigração camponesa alemã e a inexistência da italiana, polonesa, judia, etc. materializariam o destino pastoril sonhado pelos chefes e ideólogos farroupilhas para a antiga província. Como no Uruguai, na República do Pampa não brotariam as indústrias artificiais, contra as quais os descendentes políticos farroupilhas – liberais, federalistas, libertadores, udenistas, neoliberais etc. – mobilizaram-se e mobilizam-se. Cidades como Caxias, Marau, Santa Cruz do Sul não existiriam nas fronteiras da nação farroupilha.
Sem matérias-primas, sem petróleo, sem um porto decente como Montevidéu e, sobretudo, com uns raquíticos dois milhões de habitantes, restaria aos pampianos a produção de carne, de lã, os móveis e chocolates de Guaíba, uma raquítica agricultura, carente de implementos e agro-tóxicos, comprados a peso de ouro de São Paulo, e travada pelas barreiras alfandegárias sobretudo do Brasil.
A saída seria transformar os pampas em um imenso deserto verde, igual que o Uruguai atual!Os produtos industriais importados dos USA, da Europa, da Argentina e sobretudo do Brasil, seriam proibitivos para a maior parte dos pampianos, desempregados e subempregados, que partiriam aos magotes para trabalhar na construção civil e em metalúrgicas paulistas, onde seriam tratados como os nordestinos. Periodicamente, as autoridades brasileiras regulamentariam a permanência dessa mão de obra estrangeira barata.Para terminar, não teríamos a Semana Farroupilha, já que seria a semana da Pátria, nem o Movimento Tradicionalista Gaúcho, substituído pelo Ministério da Cultura.
A grande novidade seria o fortíssimo MOUBRAPAM (Movimento pela União do Brasil e do Pampa), nascido durante os motes populares ocorridos em Bagé, a capital mais populosa cidade do Pampa, quando da quinta desvalorização do estribo, moeda nacional da República, após a crise de 2008. Tudo no início do segundo mandato do presidente Tonico Augustus Nico Fagulhas, que se encerra em 20 de setembro de 2010. Caso não modifique a constituição para concorrer ao terceiro.
* Mário Maestri, historiador, é professor do Curso e do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade de Passo Fundo