Diversidade, Liberdade e Inclusão Social

Foto: Obama, Cameron e Helle Thorning-Schmidt


terça-feira, 12 de agosto de 2008

Museu das Velhas Novidades


Leio no diario gauche de hoje a seguinte nota do Prof. Franz Neumann.

Eu, evidentemente, comento depois.


Afinidades eletivas
A homenagem ao cabo Valdeci, morto em conflito entre soldados da Brigada Militar e o MST na Esquina Democrática, após dezoito anos do fato, é sintoma da persistência de processos de longo curso na história brasileira.
Em nome de uma paz abstrata reforça-se o espírito de conciliação, caro às elites brasileiras, e se procura criminalizar movimentos sociais, como o MST, cuja pauta de lutas encontra suas raízes mais profundas na questão agrária sempre discutida e irresolvida desde a abolição da escravatura.
Em que pese os modestos resultados conseguidos a muito custo, mais pela compra de terra, do que pela expropriação, a resistência sempre foi feroz. Basta se examinar a lista infindável de assassinatos no campo.
A modernização capitalista no Brasil segue o modelo prussiano de desenvolvimento. Daí as similitudes possíveis com a República de Weimar (1919-1933), proclamada após a derrota alemã na 1ª Guerra, portadora de promessas que ficaram a meio caminho devido a conciliação da social democracia com os interesses econômicos conservadores, a timidez em enfrentar seus representantes encastelados no Judiciário, no Exército e na Polícia. Passado o momento crítico de enfrentamento da ala esquerda (Rosa de Luxemburg, Karl Liebknecht e outros) e algumas aventuras direitistas fracassadas entre as quais a tentativa de sublevação fascista em 1923, a Alemanha, entre 1924 e 1929 atingiu níveis de desenvolvimento (apesar do endividamento da indústria e da política de reparações), similares ao norte-americano. A crise de 1929 quebrou em definitivo as ilusões, propiciando a aproximação entre as elites burguesas e o movimento fascista, em ascensão.
O resultado é sabido. Diga-se, a bem da verdade, que a bolchevização do PC alemão impediu-o de compreender a complexidade da situação.
A história brasileira, nas suas devidas proporções, possui analogias com o processo alemão, a contar da redemocratização brasileira, em meados dos anos oitenta. Euforia econômica cíclica, daí o eterno debate sobre a sustentabilidade, a imensa dificuldade das elites em partilhar o que seja, uma democratização truncada, modestos avanços sociais do atual governo (vistos como uma ameaça populista), uma elite estamental burocrática defendendo sem nenhum pejo privilégios pré-burgueses ( para tanto basta uma leitura das últimas decisões do Supremo na defesa de seus pares de classe), e o que é grave, a compreensão conveniente por parte de setores do Exército (que parecem hegemônicos) de que a anistia incorporaria crimes como tortura, que mesmo no regramento arbitrário da ditadura não era admitida.
Assim, a homenagem ao cabo Valdeci é simplesmente o efeito provinciano de dilemas nacionais irresolvidos, com um agravante: a relativa autonomização de setores policial-repressivos do Estado, algo em esboço no plano nacional, que poderá ou não frutificar na medida do grau de conciliação e do temor de setores burgueses frente a perspectiva de ampliação da cidadania. O estado de exceção constrói-se paulatinamente, mobilizando-se o medo e a insegurança coletiva em nome da paz dos cemitérios.
Mas de que decorre a relativa autonomização? Do silêncio e da pusilanimidade das autoridades.
A homenagem foi resultado da iniciativa do Gefreiter Mendes, da pusilanimidade do Secretário Municipal de Cultura, Sergius Gonzaga, e do Conselho respectivo, que “corajosamente” consentiram a construção do mini-obelisco a trinta metros da Esquina Democrática. Nenhuma palavra balbuciou a governadora tucana, constitucionalmente comandante-em-chefe da Brigada e tão pródiga em palavras na “defesa” de sua honra. E o que esperar do prefeito Fogaça?
Como disse a digna viúva do soldado Valdeci (que não compareceu à dita homenagem) em entrevista: “a homenagem foi para fazer mídia”.
Fica claro que, para se constituir uma sociedade que aceite paulatinamente o fascismo é necessário como primeiro passo degradar e envilecer as almas.
Artigo do professor alemão Franz Neumann, especial para o blog DG.

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Nota do blog: Gefreiter significa cabo, em alemão. O autor faz alusão ao Gefreiter Adolf Hitler que lutou na Primeira Guerra Mundial. Na década de 20 e início dos anos 30, alertados pelo risco da ascensão da ultradireita, a burguesia, os setores liberais e a social democracia desqualificavam Hitler dizendo que ele fora apenas um Gefreiter, e que jamais poderia colocar em risco a democracia representativa alemã.


Meu comentário:


O viés espartaquista - e eles nunca foram santos - do Prof. Neumann é evidente. A intolerância acabou com a república de Weimar. Deram chance à intolerância dos dois lados - da direita e da esquerda - e o nazismo venceu. O cabo Valdeci morreu como Rosa de Luxemburg. Foram as mãos da intolerância que os mataram. E quando se faz uma homenagem aos mortos, os defensores da intolerância vem criticar o consenso, o pacto, a convergência social. O importante no Brasil é fazer uma reforma agrária do século XIX custe o que custar. Compra de terras? Para quê? O fundamental é que haja litígio, que haja briga, porrada, que a burguesia dos poderosos perca suas propriedades e suas posses, sua grana e talvez sua cidadania e liberdade. É assim que deve caminhar a humanidade, segundo os intolerantes: na direção do litígio, da controvérsia, do antagonismo social porque uma coisa é absolutamente certa: o mundo gira de acordo com a velocidade da luta de classes. Isso sim é inquestionável e quem ousar duvidar dessa assertiva é burro, asno e anta. E viva o museu das velhas novidades.

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