A jornalista canadense Naomi Klein diz que Obama está indo na direção da direita e do conservadorismo. Será?
O mercador de sonhos
Naomi Klein
Após a desistência de Hillary, Barack Obama vem assumindo cada vez mais um programa econômico conservador, diz jornalistaNAOMI KLEINBarack Obama esperou apenas três dias depois que Hillary Clinton se retirou da disputa para declarar, na rede de TV CNBC: "Eu sou um homem pró-crescimento, defensor do livre mercado. Adoro o mercado".Para demonstrar que não estava apenas flertando com essa idéia, apontou Jason Furman, 37, como chefe de sua equipe de política econômica.Furman é um dos mais proeminentes defensores da Wal-Mart e classificou a empresa como "uma história progressista de sucesso". Durante a campanha, Obama detonou Hillary por ser parte do conselho da Wal-Mart e prometeu que não faria compras lá.Mas seu amor pelo mercado e seu desejo de "mudança" não são inerentemente incompatíveis. "O mercado está desequilibrado", diz, e isso certamente é verdade.Muita gente vê como origem desse profundo desequilíbrio as idéias do economista Milton Friedman, que lançou uma contra-revolução para reverter a legislação social e a regulamentação do New Deal [plano de recuperação da economia lançado pelo governo dos EUA, democrata, em 1933] de seu palanque no departamento de economia da Universidade de Chicago.E aqui temos mais problemas, porque Obama -que lecionou direito na Universidade de Chicago por uma década- é um adepto fervoroso do ideário conhecido como "Escola de Chicago".Ele escolheu como seu principal assessor econômico o economista Austan Goolsbee, professor da Universidade de Chicago e visto como pensador de esquerda na instituição. O único problema é que, nos termos definidos pela Universidade de Chicago, "esquerda" quer dizer o que "centro-direita" quer dizer no mundo real.Goolsbee, ao contrário de seus colegas mais fiéis às posições de Friedman, vê a desigualdade como problema. Mas sua solução primária para isso é reforçar a educação -a mesma linha que costumava defender Alan Greenspan [ex-presidente do Federal Reserve, o Banco Central dos EUA].Outro dos fãs de Obama em Chicago é Kenneth Griffin, 39, o bilionário presidente-executivo do fundo de hedge Citadel Investment Group. Griffin, que ofereceu a máxima doação possível à campanha de Obama, representa uma espécie de garoto-propaganda do desequilíbrio econômico.Ele é um dos mais ferrenhos oponentes de qualquer medida que elimine as lacunas que beneficiam os fundos de hedge no código tributário.Enquanto Obama fala em endurecer as regras no comércio com a China, Griffin vem contornando as poucas barreiras existentes.A despeito de sanções que proíbem a venda de equipamento policial à China, o Citadel vem despejando dinheiro em controvertidas empresas chinesas do ramo de segurança, que estão exercendo níveis sem precedentes de vigilância sobre a população do país.Guinada à direitaAgora chegou a hora de nos preocuparmos com os Chicago Boys de Obama e seu compromisso de evitar qualquer tentativa séria de regulamentação.Foi nos dois meses e meio que transcorreram entre sua vitória na eleição de 1992 e a posse que Bill Clinton reverteu completamente sua posição econômica.Ele havia conduzido a campanha prometendo que revisaria o Acordo de Livre Comércio da América do Norte (Nafta), acrescentando cláusulas ambientais e trabalhistas, e que investiria em programas sociais.Mas, duas semanas antes da posse, reuniu-se com Robert Rubin, então presidente-executivo do Goldman Sachs, que o convenceu de que o mais urgente era adotar a austeridade, e liberalização ainda maior.A ironia é que não existe nenhuma razão para um recuo. O movimento lançado por Friedman, introduzido por Ronald Reagan e cristalizado na era Clinton enfrenta uma profunda crise de legitimidade em todo o mundo.Em nenhum outro lugar isso está mais visível do que na própria Universidade de Chicago. Em maio, quando o reitor Robert Zimmer anunciou a criação do Instituto Milton Friedman, um projeto de US$ 200 milhões [R$ 318 milhões] que resultará em um centro de pesquisa econômica para manter e expandir o legado de Friedman, explodiu uma controvérsia. Mais de cem professores assinaram uma carta de protesto."Os efeitos da ordem mundial neoliberal que foi implementada nas últimas décadas, fortemente baseada na Escola de Chicago de pensamento econômico, de maneira nenhuma podem ser definidos como inequivocamente positivos", afirma a carta. "Muitos afirmariam que foram negativos para boa parte da população mundial".Estilo Chicago retrôQuando Friedman morreu, em 2006, não vimos muitas críticas audazes ao seu legado. Os artigos sobre o fato só mencionavam suas grandes realizações -e um dos mais elogiosos, publicado pelo "New York Times", tinha Austan Goolsbee como autor.Mas agora, apenas dois anos mais tarde, o nome de Friedman é visto como maculado até mesmo na instituição em que sempre lecionou. Assim, por que Obama escolheria um momento como o atual, quando todas as ilusões de consenso desapareceram, para adotar um estilo Chicago retrô?Nossa "crise econômica atual", disse Obama recentemente, não veio do nada. "Ela é a conclusão lógica de uma filosofia esgotada e mal orientada que dominou Washington por tempo temais." Completamente verdade.Mas, antes que Obama possa livrar Washington do flagelo que as idéias de Friedman representam, precisa primeiro limpar sua própria casa, em termos de ideologia.
NAOMI KLEIN é jornalista canadense, autora de "Sem Logo" (ed. Record) e "A Doutrina do Choque" (ed. Nova Fronteira). A íntegra deste texto foi publicada na revista "The Nation".Tradução de Paulo Migliacci.
Caderno Mais da Folha de ontem.
Um comentário:
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