Reciclagem do passado
Raul Juste Lores
A Parafernália foi "high-tech", mas o conteúdo da cerimônia de abertura da Olimpíada de Pequim foi absolutamente retrô.Em plena emergência econômica da superpotência, a China quis se reafirmar por meio de seu passado. Depois dos excessos da Revolução Cultural, que tentou exterminar qualquer vestígio da China pré-comunista, a festa de abertura mostrou que o atual regime se orgulha da China antiga.O currículo criativo do país é extenso: os chineses criaram a pólvora, a pipa, os fogos de artifício, o papel, a tipografia e o aparelho que depois se tornou a bússola - todos lembrados durante a cerimônia de ontem.Teve tai chi, Muralha da China, soldados de terracota, Ópera de Pequim.Mas, sem exceção, tudo isso tem mais de 500 anos de idade. Tirando os deslocados astronautas e a citação ao próprio estádio "ninho de passarinho" (desenhado por arquitetos suíços ignorados na festa), o que há de realmente novo na China, além dos adereços?A China atual, apesar do nacionalismo crescente, pegou emprestados modelo econômico, urbanismo e estilos de vida calcados no Ocidente. Parecer e viver como um ocidental é considerado aqui sinal de progresso. O país amargou decadência enquanto se isolou, sorte dela ter se aberto para o mundo em um momento oportuno.Mas a abertura econômica não foi levada aos campos político e cultural - aí, a China continua o país fechado de sempre. E isso se notou ontem com as formações tipicamente militares, a torcida ensaiada até o último grito, a música monótona e antiquada, a ausência de vários artistas estrangeiros.Em um país em que a censura reprime a ousadia, em que o governo controla tudo e todos, em que ter amizades no governo é bem mais importante que talento, não sei se daria para ser diferente. Na superfície, a festa foi moderna, mas a substância foi de passado reciclado.
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