De Túneis e Trens
Alexandre Schwartsman
O fim do túnel ou o trem chegando? Após semanas de pânico, fortes quedas nas Bolsas mundiais e a sensação de que o fim (do mundo) estaria próximo, a segunda alternativa parecia ser a mais provável. No entanto mercados globais parecem ter se acalmado e, se riscos ainda persistem, há esperança de que se possa ter achado um caminho para evitar o pior. É tortuoso, difícil e não há garantias de que não iremos encontrar alguns trens vindo na direção oposta. É, porém, nossa melhor chance de evitar a Grande Depressão de 2009.De fato, os responsáveis pela economia dos países desenvolvidos parecem ter chegado a duas conclusões importantes. A primeira, que o grande problema enfrentado pelo sistema financeiro é sua baixa capitalização, isto é, o valor reduzido dos recursos próprios do sistema em face de ativos gigantescos e, agravando a situação, de valor incerto. A segunda conclusão relevante é que a forma de recapitalização do sistema precisa ser mudada. Se cabia a esperança de que esta pudesse ocorrer de forma razoavelmente ordenada -reconhecimento de perdas acompanhado de injeção de capital a cada trimestre-, a quebra da Lehman tratou de enterrá-la. Em retrospecto, as autoridades americanas perderam a aposta que fizeram ao permitir que aquela casa entrasse em concordata. A partir de então, a temporada de caça se abriu e eventuais novos investidores, compreensivelmente, se retraíram. Em vez, portanto, de um processo no qual o setor privado cuidaria de recompor o capital do sistema, o pânico das últimas semanas jogou a responsabilidade da recapitalização sobre o setor público. Assim, na esteira do plano de resgate britânico, os demais europeus e mesmo os EUA acabaram por reconhecer que terão mesmo de se tornar acionistas dos bancos. Obviamente, como sempre, o diabo reside nos detalhes, mas essa orientação deve muito provavelmente impedir o derretimento do sistema financeiro, possibilidade com a qual chegamos a flertar. A notar que, mesmo que os vários programas de recapitalização funcionem a contento, já temos encomendada para os próximos trimestres (talvez até 2010) uma recessão severa. A contração de crédito nos países desenvolvidos deverá fazer que mais da metade do PIB mundial registre taxas muito baixas (senão negativas) ao longo desse período. Nesse contexto, mesmo o dinamismo de várias economias emergentes, China à frente, não deverá bastar para evitar que o mundo todo sofra uma desaceleração considerável de quase 4% em 2008 para valores inferiores a 3% em 2009 (segundo projeções algo otimistas do FMI), os mais baixos desde 2001/2. No entanto mesmo que a recapitalização do sistema financeiro não consiga evitar a recessão, ela deve marcar o início da recuperação da capacidade do setor de voltar a expandir o crédito. Diferentemente da experiência japonesa, em que bancos permaneceram subcapitalizados por muito tempo, levando à estagnação do crescimento, há motivo para crer -baseado na experiência histórica- que essas medidas possibilitarão um processo relativamente mais rápido de recuperação. Nessas circunstâncias, não há como o Brasil sair ileso. Mesmo que padeça menos do que sofreria sob um choque dessa magnitude, há pouca dúvida de que o ambiente externo, marcado por menor crescimento e por queda de commodities, se tornou claramente hostil. Bancar a ilha de prosperidade impulsionada por artificialismos já nos custou uma crise; podemos, ao menos, tentar não repetir os erros de sempre.
ALEXANDRE SCHWARTSMAN, 45, é economista-chefe para América Latina do Banco Santander, doutor em Economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley) e ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central.
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