Mergulhadores removendo parte da fuselagem do Airbus da Air France que desapareceu no Oceano Atlântico
Cálculo Acidental
Caderno Mais! da Folha de domingo.Apesar de um acidente aéreo tão trágico como o de domingo passado, envolvendo o voo 447 da Air France, as estatísticas sobre acidentes estão do lado dos aviões. Contudo, para o jornalista Philippe Eliakim, redator-chefe adjunto da revista francesa "Capital", especializada em mercado financeiro, os dados são manipulados de modo a inflar a sensação de segurança dos passageiros.Em seu livro de 2004 "Mensonges!" ("Mentiras!", Robert Laffont, 284 págs., 19, R$ 52,25), ele critica, entre outros temas, o fato de as estatísticas que atestam a segurança quase absoluta dos aviões não sofrerem nenhuma contestação.Para Eliakim, o espaço aéreo global é seguro, mas não tanto quanto os números levam a crer. "Então, por que todo mundo é persuadido do contrário? Porque as estatísticas são invariavelmente apresentadas pelas companhias aéreas na forma de "passageiro-quilômetro", é claro", explica na entrevista abaixo, concedida à Folha por e-mail. Eliakim também discute a relação entre a manipulação das estatísticas de acidentes aéreos e o efeito que isso pode causar nas pessoas quando tragédias acontecem.
FOLHA - O avião é um meio de transporte mais seguro do que o automóvel? PHILIPPE ELIAKIM - É o que o mundo todo acredita e que, no entanto, não é a verdade! Basta olhar as estatísticas para se convencer do que estou falando. Em média, um passageiro que entra em um avião hoje tem uma chance em 1,5 milhão de perder a vida em um acidente. Esse número, ao mesmo tempo minúsculo e assustador, não é contestado por ninguém. Já a probabilidade de morrer em um acidente de carro varia segundo o país, a severidade dos controles policiais e os hábitos de direção dos motoristas. Mas é sempre bem menor.Não conheço as estatísticas do Brasil, mas na França, por exemplo, pegar um avião é 17 vezes mais arriscado do que entrar em um carro.
FOLHA - Por que, então, existe uma impressão de que o avião é um meio extremamente seguro para viajar?
ELIAKIM - Porque as estatísticas de acidente são sempre apresentadas na relação passageiro-quilômetro! Como os aviões percorrem distâncias muito mais longas do que os automóveis, isso permite minorar artificialmente as probabilidades de acidentes.Vamos supor, por exemplo, que um ônibus que liga um determinado ponto de São Paulo a 30 km do aeroporto de Guarulhos -que transporta 50 pessoas em um trajeto de 30 km- capote uma vez a cada cem viagens, e que o avião de São Paulo a Lisboa -que leva 200 pessoas por cerca de 9.000 km- se acidente sobre o oceano uma vez a cada cem viagens.A probabilidade de ônibus e avião se acidentarem é exatamente a mesma, de um sobre cem. E não se teria mais vontade em entrar em um ônibus do que em um avião.Mas, se se apresentam as estatísticas em passageiro-quilômetro, o avião, que percorre distâncias 300 vezes maiores, aparecerá como 300 vezes mais seguro do que o ônibus. É absurdo, mas é assim.
FOLHA - Há um lado bom em ter a impressão de que o espaço aéreo é mais seguro?
ELIAKIM - Primeiro é preciso levar em conta que nosso espaço aéreo é, de fato, globalmente muito seguro. Ter um acidente a cada 1,5 milhão de viagens continua sendo uma estatística extremamente confiável.A título de comparação, um paciente tem uma chance em 300 mil de morrer a cada vez que toma uma anestesia geral.É preciso acreditar que esses resultados ainda não são suficientes, pois as autoridades da aviação civil de todo o mundo continuam a apresentar suas estatísticas enviesadas.As companhias aéreas teriam menos facilidade para lotar seus aviões se não recorressem a esse subterfúgio? Talvez.Mas sem dúvida ficaríamos menos surpresos a cada vez que ocorresse um acidente. Os viajantes, me parece, têm o direito de serem notificados de forma honesta sobre os riscos que correm.
FOLHA - O Brasil tem mais acidentes aéreos do que a média?
ELIAKIM - Com quatro grandes acidentes fatais em 13 anos, seu país, de fato, pagou um pesado tributo ao transporte aéreo.Mas não é o único a ser atingido tão duramente. A França teve vários acidentes espetaculares desde 2000, especialmente com um Concorde e com um Boeing da Flash Airlines, que se deteriora no mar das águas egípcias e em que morreram 135 franceses.Isso quer dizer que a segurança aérea é garantida com menos seriedade em nossos países? Penso que não. Parece-me tratar-se mais de golpes do destino.Não se pode dizer o mesmo de outros países como Nigéria, Ucrânia, Indonésia ou, ainda, Rússia, que foram também vítimas de acidentes repetidas vezes. Lá a segurança aérea deixa realmente a desejar.
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