Frágil democracia
Artigo de Júlio Mariani na Zero Hora de hoje.
Quando dois velhos que não se viam havia algum tempo se encontram, é inevitável que surjam perguntas e constatações sobre pessoas e/ou entidades outrora importantes. “Que fim levou Fulano?” “E Beltrana, continua do mesmo jeito?” “E o jornal tal, quem diria, está completamente diferente.”O tempo passa e as coisas mudam.
Por incrível que pareça, essa banalidade é mais difícil de se aceitar do que parece. No fundo, a gente quer que as coisas – ou pelo menos algumas coisas – não mudem. A gente quer que o tempo pare no momento em que uma coisa de importância fundamental para nós está no auge da vitalidade. Assim é em tudo, e assim é também na política.
Vejam o caso do PT. O PT agrupou, no pós-ditadura, não somente o pessoal de esquerda que já vinha resistindo ao governo autoritário, como também todos aqueles que sonhavam com uma política honesta, competente e capaz de dar voz e renda aos excluídos. O PT, produto típico do proletariado das áreas mais industrializadas do centro-sul do país, estava no extremo oposto do coronelismo do Norte-Nordeste, que havia muito repartia as benesses do poder entre os seus, aí incluídos os propriamente “seus”, ou seja, os parentes.Pois chegou a hora de perguntar, com tristeza no coração, que fim levou o bom e velho PT. Será que sobrou alguma coisa do Partido dos Trabalhadores dos tempos em que Lula tinha barba, cabelo e bigode negros como carvão?
Em busca de uma resposta, venho lendo os melhores comentaristas políticos e econômicos do país, sobretudo aqueles que sempre se destacaram por sua isenção. E a resposta é quase unânime: não, nada sobrou do PT dos primeiros tempos. Ou melhor: o pouco que ainda sobrava do combativo espírito petista de outrora acaba de ser deposto, por imposição do presidente Lula, aos pés do senador Sarney, um dos líderes do coronelismo do Norte-Nordeste. E em nome de quê? Em nome de artimanhas e esquemas que garantam a tal de “governabilidade” e tornem possível uma vitória da ministra Dilma em 2010. Não por acaso, ela veio a público para dizer que Sarney não pode ser demonizado. Eis aí uma platitude que pode gerar dividendos. É dando que se recebe.
A crise moral do Senado indica que a política brasileira não está distante daquela dos primeiros tempos do século passado, quando uma eleição era um jogo de cartas marcadas. E desnuda, infelizmente, a fragilidade da nossa democracia.
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